Connect with us

Artigos

Uma Dose Mortal e o conflito do Princípio da Absorção

Redação Direito Diário

Publicado

em


Atualizado pela última vez em

 por Ingrid Carvalho

Analisa-se aqui os crimes do livro One, Two, Buckle My Shoe (Uma Dose Mortal) de Agatha Christie e o conflito com o Princípio da Absorção do Direito Penal. Agatha Christie deu vida, em seus romances policiais, a diversos fatos criminosos praticados por seus personagens e descobertos, em sua maioria, por Hercule Poirot e Miss Marple.

O local onde a rainha do crime viveu por mais tempo, dentre as suas diversas moradas, foi em Chelsea, distrito londrino, cenário de One, Two, Buckle My Shoe (Uma Dose Mortal – em português). A história se inicia com Morley, um bom dentista que mora com sua irmã, Georgina, tomando o café da manhã. O dentista acordara de humor ruim naquele dia, pois sua agenda estava cheia e a secretária não poderia comparecer.

É nada mais que um dia normal, até demais, para Poirot, que se vê obrigado a ir ao dentista. Não há situação mais constrangedora ou mais vulnerável para o detetive. Eis que ocorre um crime ali mesmo naquela manhã. O profissional que o consultou foi encontrado morto. Japp, investigador chefe da Scotland Yard, pede que o detetive participe da investigação para apurar o ocorrido.

A resposta veio logo em seguida a morte de outro paciente daquela manhã, que faleceu em razão do erro na dosagem numa aplicação feita pelo profissional. Sendo concluído pela polícia, então, que, ao notar o erro cometido, Morley suicidou-se ao vislumbrar um futuro de ruína profissional. Apesar das autoridades da se darem por satisfeitas com o desfecho do caso, o detetive permaneceu se questionando sobre a impossibilidade da hipótese de suicídio que, apesar de compreensível, não lhe parecia coerente.

Outras pessoas que estiveram na casa pareciam dar vida a uma história que não era alcançada pela oficialmente divulgada. Uma mulher desaparecida, o namorado da secretária, do qual o falecido discordava veemente do relacionamento, um grande financista conservador que também fora atendido na manhã do suposto suicídio e que poderia ser o alvo original, a possibilidade de sua sobrinha e prima se beneficiar de sua morte, um jovem revolucionário com expressão extremamente suspeita.

Este e outros fatos fizeram Poirot perseguir a história até não haver mais nenhuma ponta solta. Até que o brilhante detetive finalmente desvenda o mistério por trás de todas as personagens. Ao revelar a realidade dos fatos, o detetive traz a tona uma série de práticas criminosas cometidas pelo financista. Alistair encontra-se submetido ao Direito Inglês, mas quais crimes ele teria cometido se romance se passasse em território brasileiro?

O primeiro crime revelado na história que foi cometido pela personagem criada por Christie é o de bigamia, que o próprio investigador menciona. Alistair contraiu casamento com Rebecca para melhorar sua condição financeira, tendo a sua primeira mulher ciência do fato. O financista era casado com Gerda Blunt, que se revela na obra como Sra. Chapman e como Helen Montressor. A parceira de crime do assassino permaneceu a seu lado, inclusive o auxiliando nas práticas criminosas que levaram a morte de três vítimas.

Ocorre que, ao ser descoberto em seu crime de bigamia, Sr. Alistair Blunt tenta apagar os traços deixados, para isso ele precisará silenciar aqueles que lhe descobriram. Foi então que cometeu o segundo crime, homicídio doloso, tendo em vista que Alistair praticou uma série de atos executórios com o objetivo de atingir o resultado morte de Morley, o dentista. O crime é, ainda, qualificado, tendo em vista que foi praticado para assegurar a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime, que neste caso é o de bigamia.

Para assassinar outra vítima, o financista comete falsa identidade: “Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem” (art. 307 do Código Penal Brasileiro). Aqui encontramos um dilema do Direito Penal que envolve o chamado Princípio da Absorção. Blunt fingiu ser Morley, após assiná-lo, para causar dano, morte, a Amberiotis, o chantagista que iria expor a farsa de seu casamento com Rebecca. Todavia, ele atribui a si falsa identidade para obter êxito em cometer homicídio contra o chantagista.

A doutrina se desdobra, alguns entendem que o crime de falsa identidade seria crime meio para alcançar o crime fim, homicídio, e que este absolveria o primeiro. Outros doutrinadores entendem, todavia, que o princípio da absorção somente é cabível quando o agente cometer uma conduta criminosa que é essencial para alcançar a consumação do crime fim. Um exemplo cristalino é o caso do homicídio absolvendo lesão corporal, pois seria impossível matar alguém sem lesionar a vítima.

Neste último entendimento, o agente cometeu dois homicídios dolosos e qualificados por visar a ocultação de impunidade de outro crime, bigamia, e, também, falsa identidade, pois esta não seria conduta essencial a prática de homicídio, podendo o criminoso matar Amberiotis sem necessariamente atribuir a si falsa identidade. No primeiro entendimento, todavia, se a intenção de praticar falsa identidade fosse assegurar a conclusão do crime de homicídio, sendo crime meio, teria cometido somente dois homicídios dolosos.

Antes disso, Sr. Blunt cometera ocultação de cadáver: “Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele” (art. 211 do Código Penal Brasileiro), escondendo, juntamente com Gerda, sua primeira esposa, o corpo de Mabelle Sainsbury Seale em um baú. Esta vítima foi assassinada pela primeira mulher de Blunt, que, além do crime de homicídio doloso contra Srta. Seale, cometeu o crime de falsa identidade. Gerda assumiu a identidade da mulher que assassinou para facilitar o os crimes cometidos contra Morley e Amberiotis, o que a torna partícipe dos homicídios cometidos pelo seu marido no consultório.

Estes fatos nos remetem ao Princípio da Absorção que influencia diretamente no cálculo-base da pena, tendo em vista que, quando um crime absorve outro, somente terá cometido o autor do delito o crime fim, excluindo do cálculo da pena o crime meio. Mais uma vez, Christie nos surpreende com a reviravolta e a realidade de fatos que já estavam descritos ao longo do romance, mas somente os olhos atentos de seus investigadores podem captar.

 

REFERÊNCIAS

CHRISTIE, Agatha. Uma dose mortal. L&PM, 2011. 224p.

LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. Princípios do Direito Penal extinguem conflitos. In: Revista Consultor Jurídico, 1 ago. 2009. Disponível em <https://goo.gl/elB55v>. Acessado em 11 nov. 2016.

Artigos

Contratos de uso temporário de imóveis

Redação Direito Diário

Publicado

em

Atualmente, as plataformas digitais oferecem serviços de toda a natureza, facilitando a vida cotidiana. Por meio de aplicativos, é possível escolher, em detalhes, onde você gostaria de se hospedar na sua próxima viagem. Afora os benefícios para os viajantes, o uso temporário do imóvel é outro modo de obtenção de renda para os proprietários de imóveis. Essa modalidade surgiu nos idos de 2008, nos Estados Unidos, prometendo rapidez e segurança para viajantes e proprietários de imóveis. E esse é um ponto muito positivo para os usuários desse tipo de alojamento.

Entretanto, a natureza da contratação e a intensa rotatividade de hóspedes, em curto espaço de tempo, gera discussões sobre a relação entre hóspedes e os condomínios residenciais.  O trânsito extraordinário de pessoas não residentes dentro dos condomínios tem sido objeto de reclamação dos moradores porque os hóspedes, muitas vezes, não conhecem e não se sentem obrigados a cumprir as regras condominiais quanto ao uso do imóvel e horário de silêncio, por exemplo.

Segundo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, a contratação de uso temporário de imóveis, via plataformas digitais, assemelha-se aos serviços de hotelaria, não aos de locação. Nesse sentido, a decisão do STJ foi no sentido de que o condomínio poderá convencionar, por meio de assembleia, a regulação ou a vedação dessa contratação temporária.

O tema está longe de se pacificado, pois, aparentemente, opõe a exploração econômica ao direito de propriedade e ao sentido constitucional de que a propriedade é protegida pelo ordenamento jurídico tão somente enquanto possuir uma função social. Nesses casos, me filio à segunda hipótese.

Mais informações: https://youtu.be/flsKs_3mS3M

Andrea Teichmann Vizzotto Advocacia

[email protected]

andreavizzotto.adv.br

@andreavizzotto.adv

Continuar lendo

Artigos

A polêmica Portaria Ministerial 620

Redação Direito Diário

Publicado

em

A recente Portaria nº 620, de 01-11-2021, do Ministério do Trabalho e Previdência, chegou cheia de polêmicas. Isso porque normatizou, a nosso juízo de forma equivocada, entre outras, a proibição do empregador de exigir a carteira de vacinação dos empregados ou, então, de demiti-los por justa causa por não terem se vacinado.

A primeira pergunta que qualquer operador do Direito faria é a de saber a razão da edição dessa norma e a quem ela se dirige. E a quem ela se dirige mesmo? Ainda não encontramos qualquer razão jurídica para a proteção do interesse público a que a saúde coletiva se refere.

A portaria contém vários “considerandos” que funcionam como justificativas à edição da norma. Com o respeito devido, o elenco das justificativas não se ajusta ao objeto da normatização.

Ultrapassado esse ponto, o que se admite apenas para argumentar, o instrumento escolhido não se presta à normatização de relações de trabalho. A portaria não integra os instrumentos do processo legislativo previsto no artigo 59 da Constituição Federal. E nem poderia, porque a natureza das Portarias Ministeriais é a de ato administrativo regulatório interno. Por isso, sem efeitos externos, tampouco com eficácia de lei.

Não fossem esses argumentos básicos e insuperáveis, haveria, aqui, um aparente conflito de interesses da sociedade: de um lado o alegado direito à liberdade e, de outro, o direito à saúde coletiva. Ambas as garantias constitucionais devem ser compreendidas e compatibilizadas no seu real sentido.

O alegado direito à não vacinação – como derivado da liberdade – que fundamentaria o que a portaria define como prática discriminatória, não é absoluto. Portanto, não pode ser traduzido como a garantia ao indivíduo de fazer o que bem entender. O princípio da legalidade é o balizador da garantia à liberdade: ao cidadão é lícito fazer tudo aquilo que não foi objeto de proibição legal. Tampouco configura liberdade o atuar que poderá gear efeitos a terceiros.

Tal alegado direito à não vacinação contra a SARS-COV2 impõe ônus aos indivíduos. No caso concreto, resta preservado o direito à liberdade, mas sujeito às proibições sociais decorrentes da sua opção.

Do outro lado, há o direito universal à saúde, que engloba, por evidência, a política sanitária. Considerada a pandemia que assola o mundo, as medidas sanitárias que visam a minimizar, senão eliminar, a circulação do vírus. Com isso, protegerá a todos, vacinados e não vacinados.

Aliás, essa discussão é infértil, porque as vacinas são de prática obrigatória na maioria dos países, sem que isso viole o direito à liberdade. Esse, justamente por não ser absoluto, será sombreado sempre que o interesse público estiver presente, como é o caso. Ou seja, na ponderação dos direitos, prevalece – pela proteção a todos – a proteção à saúde.

Polêmica, a portaria parece ter vida curta, pois as Cortes Judiciárias, em outras situações, têm se posicionado em favor da vida.

Mais informações: https://www.youtube.com/watch?v=PnqlsS-xaFc

Andrea Teichmann Vizzotto Advocacia

www.andreavizzotto.adv.br/

[email protected]

@andreavizzotto.adv

Continuar lendo

Artigos

Todos os meses são cor de rosa

Redação Direito Diário

Publicado

em

O mês de outubro é rosa, mas todos os dias do ano devem ser também. O mês de outubro marca o período de conscientização para o diagnóstico precoce do câncer de mama.

As chances de cura de patologias malignas são grandes quando o diagnóstico é feito no estágio inicial. Os exames de rotina nos auxiliam nesse processo, já que a doença não escolhe gênero, idade, etnia, profissão, religião ou time de futebol. O câncer também não é somatização de mágoas, como alguns desinformados insistem em afirmar.

Receber o diagnóstico de câncer não é fácil. Também não precisa ser entendido como uma sentença de morte, até porque não é. Os inúmeros tratamentos existentes e em constante evolução, bem como as visitas aos médicos e realização de exames preventivos são as armas que temos para enfrentar a doença. Caso você esteja passando por este problema, procure se informar e se familiarizar com o mundo oncológico. É uma excelente forma de você tomar pé da situação e levar esse período temporário de forma mais leve e consciente.

A título ilustrativo, seguem algumas informações interessantes sobre o assunto.

É importante saber que tramita no Congresso Nacional o projeto de lei que institui o Estatuto da Pessoa com câncer que pretende otimizar o acesso aos tratamentos e medicamentos e demais direitos dos pacientes.

Atualmente, os pacientes com câncer, se empregados da atividade privada, possuem o direito ao saque do Fundo de Garantia e ao auxílio-doença, mediante apresentação de laudo médico. Todos os empregados possuem direito ao PIS/Pasep. Aqueles que recebem aposentadoria ou pensão possuem o direito à isenção de pagamento ao imposto de renda. Ainda com relação a impostos, em caso de deficiência ou invalidez, avaliada pelo órgão técnico e dependendo das legislações específicas, o paciente poderá requerer a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores-IPVA para a compra de veículos adaptados.

Nas situações previstas em lei, com cláusula específica em contrato habitacional, o paciente poderá buscar a quitação do financiamento do seu imóvel, financiado no Sistema Financeiro de Habitação.

Com relação ao atendimento pelo Sistema Único de Saúde, importante referir a “Lei dos 60 dias”, que obriga a instituição oferecer ao paciente a primeira etapa do tratamento nesse prazo. Aliás, os tratamentos oferecidos pelo SUS são muito semelhantes àqueles fornecidos pelos planos de saúde, o que é um alento.

Caso seja derrubado o veto presidencial, logo os pacientes oncológicos, nas situações previstas em lei, poderão substituir a quimioterapia intravenosa por quimioterapia oral, segundo a indicação médica.

Mas a pergunta que resta é: como acessar esses direitos sociais? Na maioria dos hospitais há uma equipe multidisciplinar que poderá auxiliar os pacientes, não apenas no tratamento da doença, mas também na orientação sobre os direitos dos pacientes com câncer.

Outro aspecto importante é procurar junto às instituições hospitalares ou em organizações não governamentais orientação psicológica, grupos de apoio e atividades próprias para os pacientes. A autoestima dos pacientes com câncer, inseridos em grupos de apoio, faz toda a diferença. São poucas as instituições desta natureza, mas, caso esteja em Porto Alegre, não deixe de procurar a Casa Camaleão.

Faça o seu tratamento, siga as orientações de todos os seus médicos, leve sua vida normalmente de modo bem colorido, de janeiro a janeiro.

Mais informações: https://youtu.be/nZdw-RsvdHY

Andrea Teichmann Vizzotto Advocacia

www.andreavizzotto.adv.br/

[email protected]

@andreavizzotto.adv

 

Continuar lendo

Trending

Direito Diário © 2015-2024. Todos os direitos reservados.