Regime de bens e herança: o golpe do baú

Conhecido amplamente no mundo real e fictício, objeto de inspiração literária e cinematográfica, o famoso “golpe do baú” tem sua reputação desenvolvida há séculos, constituindo-se no ato de consumar casamento com objetivo de auferir ganhos de caráter econômico. Em simples palavras, casar pensando no dinheiro que virá com o futuro cônjuge.

O casamento é um dos institutos mais tradicionais do Direito, devendo ser preservado de conspurcações com interesse exclusivamente material. Tendo em vista as diversas formas possíveis de obter vantagens em um matrimônio, o Código Civil busca ofuscar essas tentativas. Ele impõe obstáculos, por vezes, ao regime de bens aplicado ao casamento.

Separação de bens para maiores de 70 anos

Estabelece o CC/2002 que o regime de separação de bens no casamento é obrigatório para pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento, para pessoa maior de 70 anos e para quem depender de suprimento judicial para casar, de modo a tolher o possível “golpe do baú” por parte dos cônjuges interesseiros.

Essa disposição é bastante criticada, pois transparece que a pessoa maior de 70 anos (o dispositivo anteriormente trazia a idade de 60 anos) é incapaz de se casar sem haver fins econômicos por traz da relação. Além disso, subentende-se que a pessoa idosa é a mais rica, quando é possível que seja a mais nova a mais abastada. Isso pode prejudicar a própria subsistência do cônjuge idoso por ser o regime de bens necessariamente o de separação total.

O cônjuge sobrevivente

Vale tratar dessa temática analisando a situação do falecimento da pessoa. Atente-se, nesse ponto, para os chamados herdeiros necessários, sendo o cônjuge casado em regime de comunhão parcial de bens concorrente com os descendentes e ascendentes, cabendo-lhe a mesma quantia dos bens particulares que cabe a cada um dos descendentes ou ascendentes. Estes, porém, recebem integralmente a metade dos bens do casal que pertencia ao falecido.

Existem críticas a esse posicionamento, defendido pelo Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o artigo 1.829, inciso I, do Código Civil. Para alguns, a participação do cônjuge sobrevivente deve ser em todo o acervo herdado, não apenas os bens particulares.

Comente-se, assim, sobre o instituto da meação, no qual o cônjuge meeiro tem direito à metade dos bens do casal. Não deve ser confundida com a herança do de cujus, pois a meação não pertence ao cônjuge falecido para dela dispor.

Essa participação do cônjuge sobrevivente não existe quando o regime de bens for o de separação de bens ou comunhão universal de bens.

Poderá o meeiro da comunhão universal de bens ser contemplado, ainda, como herdeiro em testamento, não como herdeiro necessário, enquanto quem casou em comunhão parcial de bens terá direito à metade dos bens adquiridos pelo casal após o casamento, além de ser herdeiro necessário.

Assim sendo, o cônjuge interesseiro, se casar em regime de comunhão universal, terá direito a metade de tudo que o casal e o falecido possuir. Caso seja regime de comunhão parcial, será herdeiro necessário, cabendo-lhe, além da metade dos bens do casal, um mínimo de 25% dos bens pessoais do falecido, conforme disposto na legislação civil.

Exclusão da sucessão

Todavia, a Lei é clara quando diz que serão excluídos da sucessão os autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso ou tentativa contra o de cujus, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; os que acusaram caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorreram em crime contra sua honra ou de seu cônjuge ou companheiro; e os que inibiram ou obstaram, por violência ou meios fraudulentos, o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Dessa forma, caso o cônjuge interesseiro busque por meios vis garantir seu quinhão, será vedado a ele qualquer direito à herança.

Bens não herdados

Alguns bens não são partilhados com o cônjuge, como é o caso da herança, dos proventos do trabalho pessoal de cada um e da doação feita a um dos cônjuges. No regime de comunhão parcial, a herança é exclusiva do herdeiro, não sendo de propriedade do cônjuge. Dessa forma, em caso de divórcio, os bens herdados não entram na divisão de patrimônio.

Isso significa que, caso a herança seja uma quantia em dinheiro e o herdeiro adquira um imóvel com esse valor, o imóvel também não será dividido com o cônjuge. Isso somente acontecerá caso haja dinheiro do casal investido no referido imóvel. Assim, a quantidade herdada pertence exclusivamente ao herdeiro e o que o casal investiu será dividido entre os dois. Caso os dois tenham investido dinheiro de herança, a cada um caberá somente a quantia investida.

Entretanto, caso o regime de bens seja o de comunhão universal, metade dos bens herdados serão do cônjuge. Dessa forma, no divórcio, eles serão divididos entre o casal. Somente serão excluídos da comunhão os bens herdados com cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar.

Considere-se, ainda, o regime de separação total de bens, no qual não há comunhão alguma entre os bens dos cônjuges. Assim, o cônjuge interesseiro somente receberá patrimônio como doação ou como herança por meio de testamento, cuja vontade é absoluta.

Na união estável

Mencione-se, por fim, a união estável, sobre a qual a lei versa:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Vale trazer a Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, indicando que “comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.

Compreendendo a legislação de modo geral, perceber-se uma preocupação em preservar o patrimônio de um possível “golpe do baú”. Apesar disso, é possível que o cônjuge interesseiro possa se valer dos institutos jurídicos para garantir o que é seu.

O que alguns podem considerar intromissão por parte do Estado na vida particular das pessoas, em especial no que tange à obrigatoriedade do regime de separação de bens para nubentes com mais de 70 anos, outros consideram como importante para que os bens não sejam depredados ou gastos. No fim, depende da pessoa confiar ao outro seu patrimônio ou não.

Referências:

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília.
IBDFAM. Na comunhão parcial, cônjuge só tem direito aos bens adquiridos antes do casamento. Ibdfam, 27 de maio de 2015. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/5650/Na+comunh%C3%A3o+parcial,+c%C3%B4njuge+s%C3%B3+tem+direito++aos+bens+adquiridos+antes+do+casamento>. Acesso em 28 jul 2016.

Imagem:

CASAMENTO. In: Produzindo. Disponível em: <http://www.produzindo.net/wp-content/uploads/2010/03/casamento.jpg>. Acesso em 08 ago 2016.
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