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Sobre as Violências do Estatuto do Desarmamento

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 por Ingrid CarvalhoA lei 10.826 de 2003, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento, foi criada com o intuito de reduzir os índices de violência dificultando a aquisição legal de armas pela população. Na época da promulgação desse instituto jurídico, houve muita comemoração por parte do governo brasileiro. Mas hoje não há o que se comemorar, haja vista que a lei em análise não diminuiu a criminalidade e pratica violências jurídicas contra quem deveria ser por ele beneficiado: o cidadão. Nesse artigo, de modo sucinto, pretendo apontar algumas delas.
Violência aos direitos humanos
Em 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento composto pela vontade de 58 Estados membros – entre eles o Brasil [1] – que define os direitos básicos para o ser humano a fim de promover uma vida digna para todos os habitantes do mundo, independente de raça, cor, credo, orientação política ou sexual. “Em seu artigo 3º a Declaração afirma que: “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. O artigo 8º, do mesmo diploma, declara: “Toda pessoa tem o direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.” Pode-se observar nessa Declaração, de âmbito universal, o reconhecimento do direito à segurança pessoal como parte integrante de suas garantias, bem como a tutela dos tribunais nacionais competentes de quaisquer atos que violem direitos fundamentais. Abrigando a mesma carga axiológica, foi anunciada ao público em 26 de agosto de 1789 na França, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão serviu como um marco histórico que delimitou o fim do antigo regime monárquico e o início do regime republicano, baseado nos ideais da emblemática Revolução Francesa. O professor Bruno Konder Comparato explica [2]:
Ela está intimamente relacionada com a Revolução Francesa. Para ter uma ideia da importância que os revolucionários atribuíam ao tema dos direitos, basta a constatação de que os deputados passaram cerca de 10 dias reunidos na Assembléia Nacional francesa debatendo os artigos que compõem o texto da declaração. Isso com o país ainda a ferro e a fogo após a tomada da Bastilha em 14 de julho do mesmo ano.
O artigo 2º dessa Declaração revolucionária nos diz: “O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis ao homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Bem, o Estatuto do desarmamento pratica uma clara violência aos artigos mencionados. Primeiro ele violenta o direito à segurança pessoal estabelecido no artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois nenhum Estado foi nem será capaz de estar em todos os lugares ao mesmo tempo para garantir a segurança de todos os seus governados. Logo, o direito à segurança pessoal engloba o livre direito ao armamento individual. Em sequência, a lei 10.826/03 esbofeteia a quatro direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão: à liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão. Esses direitos são nela classificados como direitos naturais e imprescritíveis. Naturais porque nascem com os indivíduos de modo a fazer parte da natureza deles. Imprescritíveis porque são direitos insuscetíveis de revogação pela passagem do tempo. Ora, para proteger à propriedade os cidadãos, em situações excepcionais, devem ter o direito de se proteger individualmente. Para se proteger eles necessitam exercer o livre direito de se armar, caso queiram. Para ter segurança os indivíduos não podem delegá-la de modo exclusivo ao Estado. Caso queiram e haja a necessidade, devem ter a opção de recorrer à proteção pessoal mediante o uso de armas. Para resistir à opressão, os cidadãos precisam ter meios para se proteger até mesmo contra o Estado, caso ele se torne opressor. Dessa forma, pode-se concluir que o Estatuto do Desarmamento viola a documentos clássicos que inserem o direito à autodefesa entre os direitos humanos básicos que devem ser tutelados em todo o mundo. Além disso, o artigo 8º da Declaração dos Direitos Humanos garante meio jurídicos para remediar a atos que violem direitos fundamentais. Dentro de um contexto brasileiro, a lei 10.826/03 violenta a direitos fundamentais que são caros à Constituição Federal. Vejamos no tópico seguinte.
Violência aos direitos fundamentais
A Constituição Federal de 1988 trouxe, em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais, subdivididos em cinco capítulos. No artigo 5º da Carta Magna estão previstos os Direitos individuais e coletivos, subdivisão dos Direitos Fundamentais. Esse artigo prevê, em seu caput, o direito à segurança como um bem jurídico inviolável. Nele também há a disposição que garante a inviolabilidade do direito à liberdade, à propriedade e à igualdade. Essa previsão se alinha ao disposto nas Declarações Universais citadas no tópico anterior. Na verdade o raciocínio entre os diplomas é semelhante, haja vista a correspondência entre os direitos tutelados. Não há propriedade, liberdade e vida sem que haja a possibilidade da segurança pessoal, uma vez que o Estado não é capaz de sustentar a efetividade dessa garantia para todos os seus governados. Vê-se, assim, a violência que o Estatuto do Desarmamento realiza contra os Direitos Fundamentais, os quais possuem características próprias que devem aqui ser consideradas [3]. Esse trabalho se limita à referência e conceituação de três delas: a imprescritibilidade, a irrenunciabilidade e a universalidade. A imprescritibilidade já foi mencionada, mas vale reiterá-la a fim de melhor compreender a matéria. Pela imprescritibilidade garante-se aos Direitos Fundamentais o status de atemporalidade, pois ser imprescritível significa não se sujeitar à perda da eficácia em razão do decurso temporal. Assim, o contexto histórico não pode revogá-los. A irrenunciabilidade indica a impossibilidade dos Direitos Fundamentais sofrerem qualquer tipo de renúncia e a universalidade estabelece a aplicação dos Direitos Fundamentais a todos os homens, independentemente de cultura, cor, sexo, credo, disposição política ou filosófica. Desse modo, posicionamentos ideológicos, filosóficos, culturais ou religiosos não têm o condão de minimizar, muito menos de suplantar a força normativa dos Direitos Fundamentais. Logo, entende-se que o Estatuto do Desarmamento comete uma inadmissível violência contra o que há de mais valioso ao direito, tanto em sua dimensão natural quanto positivada. O artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece que os tribunais nacionais competentes devem viabilizar remédios efetivos contra atos que violem Direitos Fundamentais reconhecidos pela constituição ou pela lei. Qual seria, no caso brasileiro, o remédio jurídico viável para sanar aos danos causados pela lei ora em estudo? Vejamos, antes, a violência produzida pela lei 10.826/03 ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Violência à Dignidade da Pessoa Humana e à Constituição Federal
O conceito da dignidade da pessoa humana é abrangente e complexo. Cabe aqui expor que o reconhecimento e proteção da dignidade da pessoa humana pelo Direito é resultado da evolução do pensamento humano. O postulado da dignidade da pessoa humana sempre existiu, pois está acoplado de modo inerente à existência dos homens, ainda que não fosse reconhecido por culturas anteriores [4]. José Afonso da Silva explica [5]:
O valor da dignidade da pessoa humana – resultante do traço distintivo do ser humano, dotado de razão e consciência, embora tenha suas raízes no pensamento clássico, vincula-se à tradição bimilenar do pensamento cristão, ao enfatizar cada Homem relacionado com um Deus que também é pessoa. Dessa verdade teológica, que identifica o homem à imagem e semelhança do Criador, derivam sua eminente dignidade e grandeza, bem como seu lugar na história e na sociedade. Por isso, a dignidade da pessoa humana não é, no âmbito do Direito, só o ser humano é o centro de imputação jurídica, valor supremo da ordem jurídica.
A Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo 1º III, como fundamento da República Federativa do Brasil o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Foi a partir da Constituição de 1988 que os Direitos Fundamentais passaram a ser reconhecidos como o núcleo da proteção da dignidade da pessoa humana. Por conseguinte, qualquer violação aos Direitos Fundamentais implica na violação ao princípio basilar do Estado Democrático de Direito e, por consequência lógica, afronta à atual Carta Magna. Os três: Dignidade da Pessoa humana, Direitos Fundamentais e a Constituição Federal, funcionam em nosso ordenamento jurídico de modo interdependente. Mas de que forma o Estatuto do Desarmamento viola (violenta) ao princípio da Dignidade Humana? Afinal, esse diploma não foi criado para resguardá-lo? Bem, a Constituição Federal em seu artigo 144 dispõe que a Segurança Pública “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.” Esse dispositivo, ao fim, elenca as polícias destinadas à finalidade de garantir a preservação da ordem pública. O fato é que o Estado Brasileiro não consegue cumprir o estabelecido na Constituição, não consegue garantir sequer o mínimo de dignidade aos cidadãos que perpassa à tranquilidade no exercício de locomoção ao sair diariamente às ruas. Peter Haberle esclarece [6]:
(…) uma Constituição que se compromete com a dignidade humana lança, com isso, os contornos da sua compreensão do estado e do Direito e estabelece uma premissa antropológico-cultural. Respeito e proteção da dignidade humana como dever (jurídico) fundamental do Estado Constitucional constitui a norma fundamental do Estado, porém é mais do que isso: ela fundamenta também a sociedade constituída e eventualmente a ser constituída. Ela gera uma força protetiva pluridimensional, de acordo com a situação de perigo que ameaça os bens jurídicos de estatura constitucional.
Nesse sentido, o Estatuto do Desarmamento violenta ao princípio da Dignidade Humana e consequentemente à Constituição, quando não cumpre o seu papel de reduzir os índices de criminalidade. Redução que foi proposta pelo Estatuto do Desarmamento ao dificultar o acesso às armas para a maioria da população. Os dados falam por si mesmos. De acordo com o “Mapa da Violência” de 2016, fruto de estudos realizados pela organização Mapa da Violência [7], o número de mortes causadas por armas de fogo, após o Estatuto do Desarmamento, impressiona. Esse artigo não pretende aprofundar os números, mas no mapa da violência foram coletados dados de 1980 até o ano de 2014. Entre o ano de edição do Estatuto do Desarmamento (2003) e 2014 houve um aumento de mais de 17% no número de homicídios causados por armas de fogo, saltando de 34.921 homicídios em 2003 para 42. 291 homicídios em 2014. A fim de atualizar esse índice, em 2018 a quantidade de homicídios superou a marca de 60 mil em um ano, conforme o IPEA (Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Conforme esses institutos de pesquisa, o impacto das armas de fogo também chega a níveis alarmantes em nosso país. Em 1980 a proporção dos homicídios por armas de fogo girava na casa dos 40%, desde 2003 o número se mantém em 71,6%. Ou seja, em pleno Regime Militar os índices eram bem menores do que à época da edição do Estatuto do Desarmamento e, após a vigência dele, não houve redução nos números [8]. Dessa forma, verifica-se a clara violência promovida pela lei em análise ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, visto que não garantiu o mínimo de segurança à população ao mesmo tempo em que a privou de exercer o direito de possuir ou portar armas como meio de autodefesa. A violência a esse princípio basilar de nosso ordenamento implica na violência aos Direitos Fundamentais e à Carta Magna, que os abarca e deles se utiliza para a interpretação e aplicação das normas jurídicas como um todo.
Violência à soberania popular
O artigo 14 da Constituição Federal estabelece o princípio da soberania popular que pode ser compreendido como o Espírito da Constituição traçado no preâmbulo, pois declara que os representantes do povo brasileiro reuniram-se em Assembleia Nacional Constituinte para a instituição do Estado Democrático [9]. Soberania, dentro do arcabouço jurídico constitucional, significa ter caráter ou qualidade do que é soberano, ou seja, do que possui autoridade suprema dentro de um sistema ou organismo político-social. Popular é o que se relaciona ao povo, ao que é próprio do povo. Assim, o princípio da soberania popular se refere à autoridade suprema que é atribuída ao povo dentro do sistema constitucional brasileiro. Logo, nos termos da Carta Magna, a soberania política no Brasil pertence ao povo, a mais ninguém. O artigo 1º em seus incisos I e II estabelece a soberania e a cidadania como fundamentos da República Federativa do Brasil na qualidade de Estado Democrático de Direito. Os incisos do artigo 14, que institui a soberania política popular, explica a forma como essa soberania será exercida no Brasil. Para a discussão concernente a esse artigo, destaque-se o inciso II combinado ao caput do artigo 14: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos nos termos da lei, mediante: referendo.” Ora, dentro desse exercício soberano a população brasileira, no ano de 2005, foi consultada acerca da proibição do comércio de armas de fogo e munições no Brasil. O resultado foi contrário à proibição, conforme dados do TSE [10]:
No dia 23 de outubro de 2005, o povo brasileiro foi consultado sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munições no país. A alteração do art. 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) tornava proibida a comercialização de armas de fogo e munições em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º do estatuto. Como o novo texto causaria impacto sobre a indústria de armas do país e sobre a sociedade brasileira, o povo deveria concordar ou não com ele. Os brasileiros rejeitaram a alteração na lei.
Apesar da maioria do povo ter se posicionado de forma contrária à proibição do comércio de armas e munições no Brasil, o Estatuto do Desarmamento restringiu o acesso a elas às entidades previstas em seu artigo 6º, desprezando claramente a força suprema da soberania popular que se manifestou, legitimamente, no referendo de 2005. Assim, mais uma violência jurídica da lei 10.826/03 se torna patente. Para concluir, falta responder à questão do remédio jurídico aplicado aos danos causados pelo Estatuto do Desarmamento. Bem, esse é um tema que merece ser desenvolvido em artigo apropriado. Mas a resposta se localiza entre a revogação da lei analisada, por meio de uma Declaração de Inconstitucionalidade, e a manutenção dela mediante várias alterações, as quais perpassam o arbítrio do Poder Legislativo.
Notas:
[1] RIBEIRO, Amarolina. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/declaracao-universal-dos-direitos-humanos.htm> Acesso: 24/11/18.
[2] COSTA, Renata. Como surgiu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão? Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/320/como-surgiu-a-declaracao-dos-direitos-do-homem-e-do-cidadao Acesso: 24/11/18.
[3] SILVA, Flávia Martins André Da. Direitos Fundamentais. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2627/Direitos-Fundamentais> Acesso: 24/11/18.
[4] BALLAO, Ivone Lemisz. Reflexão sobre o principio da dignidade humana à luz da Constituição Federal. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5649/O-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana> Acesso: 24/11/18.
[5] SILVA, Jose Afonso da. “A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia” In: Revista de Direito Administrativo, vol. 212 (abril/junho, 1998), p.89.
[6] HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal, apud Nery Junior, Andrade Nery. São Paulo: Editora RT, 2014.
[7] MAPA DA VIOLÊNCIA 2016. Homicídios por arma de fogo no Brasil. Disponível em: < www.mapadaviolencia.org.br> Acesso: 24/11/18.
[8] SALGADO, Daniel. Atlas da Violência 2018: Brasil tem taxa de homicídio 30 vezes maior do que a Europa. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/atlas-da-violencia-2018-brasil-tem-taxa-de-homicidio-30-vezes-maior-do-que-europa-22747176> Acesso: 24/11/18.
[9] PINTO, Almir Pazzianoto. Soberania popular. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI117849,61044-Soberania+popular > Acesso: 25/11/18.
[10] Tribunal Superior Eleitoral. Referendo de 2005. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos/referendo-2005/referendo-2005-1> Acesso: 26/11/18.
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O 4 regimes de casamento legais no Brasil
Publicado
7 meses atrásem
3 de julho de 2024Por
Rafael Nogueira
O casamento é a união entre duas pessoas com o fim de formar-se uma família, sendo um instituto milenar. Atualmente, há 4 regimes de casamento legalmente previstos no código civil em que os nubentes podem convencionar: comunhão universal, comunhão parcial, participação final nos aquestos e separação de bens.
No Brasil, havia a limitação de que somente poderiam casar pessoas de sexos diferentes, contudo, em 2011, o STF decidiu favoravelmente sobre o a união homoafetiva, reconhecendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
- Ver mais:
- Família e dupla paternidade, segundo o STF
- O novo CPC e as mudanças no direito de família
- O que é domicílio para o Direito Civil 2002?
Nesse sentido, temos, como bem explica Flávio Tartuce (ebook, 2017):
O casamento pode ser conceituado como a união de duas pessoas, reconhecida e regulamentada pelo Estado, formada com o objetivo de constituição de uma família e baseado em um vínculo de afeto.
Os nubentes podem escolher 4 regimes diferentes de comunhão de bens: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação de bens e participação final nos aquestos. De acordo com o art. 1640, caso os nubentes não optem por um dos 4 regimes, irá ser aplicado o regime da comunhão parcial de bens. Comentemos brevemente sobre cada um deles..
Regimes de Casamento: Comunhão Parcial de Bens
A regra básica da comunhão parcial de bens é: são comuns os bens havidos na constância do casamento, exceto os incomunicáveis. Nesse sentido, temos nessa união 3 “blocos”: i) os bens que o cônjuge 1 possuía antes do casamento e seus bens incomunicáveis; ii) os bens que o cônjuge 2 possuía antes do casamento e seus bens incomunicáveis; iii) os bens que pertencem a ambos os cônjuges (os aquestros). Esquematizando, pode-se ver pelo seguinte gráfico:

Já os bens incomunicáveis estão descritos no art. 1659, CC:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Todos os demais bens do casal (havidos após a celebração do casamento) são de propriedade de ambos. Nesse sentido, é necessária a anuência de ambos para a celebração de atos que impliquem cessão do uso ou gozo de tais bens (art. 1663, §2º).
Ademais, os bens comuns respondem pelas obrigações contraídas por qualquer dos cônjuges para atender a encargos ou despesas decorrentes de administração ou de imposição legal. Caso seja contraída dívida por um dos cônjuges na administração de seu patrimônio pessoal ou em prol de seu benefício, os bens comuns não ficarão obrigados.
Regimes de Casamento: Comunhão Universal de Bens
A Comunhão Universal de Bens era o regime legal adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro até a entrada em vigor da Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77), quando a comunhão parcial de bens passou a ser a disciplina geral dos casamentos (art. 1.640, CC).
Conforme descrito nos art. 1.667 à 1.671 do Código Civil, tal regime em análise consiste basicamente na comunicação total dos bens tanto dos bens anteriores quanto dos presentes durante o casamento, incluindo dívidas passivas de ambos (art. 1.667, CC). Nesse sentido, bens recebidos por herança ou doação também se comunicam.
No parágrafo anterior foi dito que basicamente todos os bens se comunicam, contudo o art. 1.668 do CC traz algumas exceções a essa regra:
Art. 1.668. São excluídos da comunhão:
I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;
III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;
IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;
V – Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.
Esta lista merece ainda um destaque: de acordo com o art. 1.848 do CC, a cláusula de incomunicabilidade somente poderá existir se houver justa causa declarada no testamento. Contudo, tal incomunicabilidade não se estende aos frutos eventuais do bem.
Em caso de extinção da comunhão universal, após a divisão do ativo e do passivo, estará encerrada a responsabilidade de cada um dos cônjuges com os credores do outro, de acordo com o art. 1.671, do CC.
Entendimentos do STJ
Merece destaque nesse momento quatro situações em que o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre bens que são ou não comunicáveis em tal regime de bens.
Inicialmente, temos que há a comunicação das quotas de sociedade de advogados quando estas forem adquiridas por um dos cônjuges na vigência do casamento por união universal de bens:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE SOBREPARTILHA. PRETENSÃO DE PARTILHAR QUOTAS SOCIAIS DA SOCIEDADE DE ADVOGADOS ENTÃO PERTENCENTES AO VARÃO. POSSIBILIDADE DE DIVISÃO DO CONTEÚDO ECONÔMICO DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA (NÃO SE LHE CONFERINDO O DIREITO À DISSOLUÇÃO COMPULSÓRIA DA SOCIEDADE, PARA TAL PROPÓSITO). RECURSO ESPECIAL PROVIDO. […]
3.1 In casu, afigura-se incontroverso que a aquisição das quotas sociais da sociedade de advogados pelo recorrido deu-se na constância do casamento, cujo regime de bens era o da comunhão universal. Desse modo, se a obtenção da participação societária decorreu naturalmente dos esforços e patrimônios comuns dos então consortes, sua divisão entre os cônjuges, por ocasião de sua separação, é medida de justiça e consonante com a lei de regência.
3.2 Naturalmente, há que se preservar o caráter personalíssimo dessas sociedades, obstando-se a atribuição da qualidade de sócio a terceiros que, nessa condição, não detenham com o demais a denominada affectio societatis. Inexistindo, todavia, outro modo de se proceder à quitação do débito ou de implementar o direito à meação ou à sucessão, o direito destes terceiros (credor pessoal do sócio, ex-cônjuge e herdeiros) são efetivados por meio de mecanismos legais (dissolução da sociedade, participação nos lucros, etc) a fim de amealhar o valor correspondente à participação societária. […]
4. Recurso especial provido, para, reconhecendo, em tese, o direito da cônjuge, casada em comunhão universal de bens, à partilha do conteúdo econômico das quotas sociais da sociedade de advogados então pertencentes ao seu ex-marido (não se lhe conferindo, todavia, o direito à dissolução compulsória da sociedade), determinar que o Tribunal de origem prossiga no julgamento das questões remanescentes veiculadas no recurso de apelação.
(STJ – REsp 1531288/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 17/12/2015)
Favorável a comunicação também foi o entendimento sobre as verbas trabalhistas e o FGTS, assim como ocorre no regime da comunhão parcial de bens:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL EM DIVÓRCIO. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL. PARTILHA DE VERBAS RESCISÓRIAS E FGTS. PROCEDÊNCIA. I. Partilhável a indenização trabalhista auferida na constância do casamento pelo regime da comunhão universal (art. 265 do Código Civil de 1916). II. Precedentes do STJ. III. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ – REsp 781.384/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 04/08/2009)
No tocante as verbas previdenciárias de aposentadoria do INSS, as quais nasceram e foram pleiteadas na constância do casamento, mas recebidas após a separação do casal, o tribunal também entendeu pela sua comunicação:
RECURSO ESPECIAL – DIREITO DE FAMÍLIA – COMUNHÃO UNIVERSAL – FRUTOS CIVIS – VERBAS RECEBIDAS A TÍTULO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – DIREITO QUE NASCEU E FOI PLEITEADO PELO VARÃO DURANTE O CASAMENTO – INCLUSÃO NA PARTILHA DE BENS – RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. No regime da comunhão universal de bens, as verbas percebidas a título de benefício previdenciário resultantes de um direito que nasceu e foi pleiteado durante a constância do casamento devem entrar na partilha, ainda que recebidas após a ruptura da vida conjugal. 2. Recurso especial não conhecido.
(STJ – REsp 918.173/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/06/2008, DJe 23/06/2008)
Contudo, com relação a pensões previdenciárias por invalidez, o STJ se pronunciou contrário a sua comunicação:
Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de separação judicial. Comunhão universal de bens. Partilha. Exclusão da indenização ou pensão mensal decorrente de seguro por invalidez. Interpretação do art. 263, I, do CC/16. – A indenização, ou pensão mensal, decorrente de seguro por invalidez não integra a comunhão universal de bens, nos termos do art. 263, I, do CC/16. – Entendimento diverso provocaria um comprometimento da subsistência do segurado, com a diminuição da renda destinada ao seu sustento após a invalidez, e, ao mesmo tempo, ensejaria o enriquecimento indevido do ex-cônjuge, porquanto seria um bem conseguido por esse apenas às custas do sofrimento e do prejuízo pessoal daquele. Recurso especial conhecido e provido.
(STJ – REsp 631.475/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2007, DJ 08/02/2008, p. 662)
Por fim, o Superior Tribunal de Justiça analisou a situação dos valores recebidos a título de indenização advinda de anistia política do período militar e entendeu que tais verbas são comunicáveis. É o que se vê no Informativo nº 469:
Trata-se de REsp em que a questão centra-se em saber se as verbas a serem percebidas pelo recorrente a título de indenização oriunda de anistia política devem ser objeto de partilha de bens em decorrência de dissolução de sociedade conjugal constituída sob o regime de comunhão universal de bens.
No julgamento do especial, ressaltou a Min. Relatora, entre outras questões, que o ato do Estado consistente no afastamento do recorrente das Forças Armadas, com a consequente perda dos rendimentos que auferia dessa atividade, não se circunscreveu apenas à sua esfera pessoal, espraiou seus efeitos deletérios também à sua família, notadamente à recorrida, então seu cônjuge, pois as vicissitudes decorrentes da perda da atividade laboral do varão recaíram sobre ambos. Registrou, ainda, ser inconsistente o argumento do recorrente de que seu direito nascera somente com o advento da CF/1988, pois, na verdade, esse direito já lhe pertencia, ou seja, já havia ingressado na esfera de seu patrimônio e que, ex vi legis, apenas foi declarado em momento posterior ao término da relação conjugal entre as partes.
Destarte, entendeu que os valores percebidos pelo recorrente a título de indenização decorrente de anistia política devem ser considerados para efeitos da meação. Diante disso, a Turma negou provimento ao recurso.
(STJ – REsp 1.205.188-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/4/2011.)
Regimes de Casamento: Separação de Bens
O regime da Separação de Bens é disciplinado pelos art. 1.687 e 1.688, do CC, consistido na regra básica de que não haverá comunicação de qualquer bem dos cônjuges na constância do casamento. Nesse sentido, cabe a cada um a administração de seus bens de forma exclusiva, podendo livremente aliená-los ou gravá-los de ônus real.
Tal regime de casamento poderá ser convencional (acordado livremente entre os nubentes) ou ser legal (obrigatório). O art. 1.641, do CC, traz as hipóteses nas quais a separação de bens é imposta:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Independente de ser separação legal ou convencional, o art. 1.688 esclarece que ambos os cônjuges devem contribuir para as despesas do casal na proporção de seus rendimentos, salvo se houver previsão contrária no pacto antenupcial. Contudo, como bem explica Flávio Tartuce (2017, ebook), o pacto antenupcial não pode trazer uma situação irrazoável quanto a divisão de despesas:
[…] Mesmo sendo clara a norma, no sentido de que cabe regra em contrário no pacto antenupcial, conclui-se que o pacto não pode trazer situação de enorme desproporção, no sentido de que o cônjuge em pior condição financeira terá que arcar com todas as despesas da união. Este último caso, de patente onerosidade excessiva, gera a nulidade absoluta da cláusula constante da convenção antenupcial, pelo que prescreve o outrora comentado art. 1.655 do CC.
Sociedade de Fato e a Separação de Bens
Uma última questão relevante seria sobre a existência ou não de uma sociedade de fato entre os cônjuges que tenham escolhido o casamento com o regime da separação bens. Essa é uma questão bastante controversa, havendo julgados nos dois sentido.
Contrário a comunicação dos bens, temos (grifo nosso):
CASAMENTO. PACTO ANTENUPCIAL. SEPARAÇÃO DE BENS. SOCIEDADE DE FATO.
RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. DIVISÃO DOS AQÜESTOS. – A cláusula do pacto antenupcial que exclui a comunicação dos aqüestos impede o reconhecimento de uma sociedade de fato entre marido e mulher para o efeito de dividir os bens adquiridos depois do casamento. Precedentes.
(STJ – REsp 404.088/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJ 28/05/2007, p. 320)
Por outro lado, também há o entendimento favorável à comunicação (grifo nosso):
CIVIL E PROCESSUAL. INVENTÁRIO. PARTILHA DE BENS. REGIME VOLUNTÁRIO DE CASAMENTO. SEPARAÇÃO DE BENS. PACTO ANTENUPCIAL. IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DO DE CUJUS ADQUIRIDO MEDIANTE PERMUTA DE PATRIMÔNIO (CABEÇAS DE GADO) FORMADO PELO ESFORÇO COMUM DO CASAL. SOCIEDADE DE FATO SOBRE O BEM. DIREITO À MEAÇÃO RECONHECIDO. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ.
I. O regime jurídico da separação de bens voluntariamente estabelecido é imutável e deve ser observado, admitindo-se, todavia, excepcionalmente, a participação patrimonial de um cônjuge sobre bem do outro, se efetivamente demonstrada, de modo concreto, a aquisição patrimonial pelo esforço comum, caso dos autos, em que uma das fazendas foi comprada mediante permuta com cabeças de gado que pertenciam ao casal. II. Impossibilidade de revisão fática, ante o óbice da Súmula n. 7 do STJ. III. Recurso especial não conhecido.
(STJ – REsp 286.514/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 02/08/2007, DJ 22/10/2007, p. 276)
Em face dessa controvérsia, Tartuce (2017, ebook) concorda com a opinião favorável à comunicação de bens entre os cônjuges:
Como se constata, os julgamentos que admitem a divisão de alguns bens entendem que esta é possível desde que seja provado o efetivo esforço patrimonial comum, ao contrário da interpretação que tem sido dada à Súmula 377 do STF, para o regime da separação legal de bens no casamento (como visto anteriormente). Assim, se seguida a última interpretação, que conta com o meu apoio, o cônjuge deve provar que o bem foi adquirido por sua contribuição patrimonial concreta e efetiva, ônus que lhe cabe.
Prevalecendo a última solução, os bens e rendimentos que devem compor a sociedade de fato são aqueles que foram adquiridos pelo esforço de ambos os cônjuges, cabendo a prova por quem alega o direito no caso concreto. […]
Regimes de Casamento: Participação Final nos Aquestros
Na constância do casamento com tal regime de bens há uma separação total de bens. Contudo, no caso de uma dissolução do casamento e da sociedade conjugal, ocorre algo próximo ao regulado no regime da comunhão parcial de bens, onde cada cônjuge terá direito a uma parte daqueles bens onerosos (aquestos) para os quais colaborou para a aquisição. É importante frisar que tal esforço deverá ser provado.
Nesse sentido, podemos ilustrar a questão patrimonial da seguinte forma:

Deve-se destacar, conforme exposto no esquema, que os momentos decisivos para o regime da participação final nos aquestos não são “antes” e “depois” do casamento, mas “durante o casamento” e “dissolução do casamento e da sociedade conjugal”. Essa é uma das diferenças entre esse regime de bens e os demais: o “confronto” que interessa é entre o da dissolução e o da união em si. Conforme bem explica Tartuce (2017, ebook):
De início, no regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, cabendo-lhe, à época da dissolução do casamento e da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento (art. 1.672 do CC). Desse modo, não há dúvidas de que durante o casamento há uma separação de bens. No caso de dissolução, não há propriamente uma meação, como estabelece o Código Civil, mas uma participação de acordo com a contribuição de cada um para a aquisição do patrimônio, a título oneroso.
De acordo com o art. 1.673 do CC, temos que o patrimônio próprio de cada cônjuge corresponde aos bens que cada um possuía ao casar somados aos por ele adquiridos na constância do casamento. Como o sistema aqui é semelhante ao da separação de bens, a administração de seu patrimônio é exclusiva de cada cônjuge.
A exceção a tal regra se encontra no art. 1.674, do CC:
I – os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram;
II – os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;
III – as dívidas relativas a esses bens.
Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis.
Quando da ocasião de se determinar o montante dos aquestos, deverá ser computado o valor das doações feitas por um dos cônjuges sem a necessária autorização do outro . Nessa situação, “o bem poderá ser reivindicado pelo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros, ou declarado no monte partilhável, por valor equivalente ao da época da dissolução” (art. 1.675 do CC).
Com relação às dívidas posteriores ao casamento e que forem contraídas por apenas um dos cônjuges, conforme o art. 1.677 do CC, somente este responderá, salvo se houver prova de que tal débito se reverteu em benefício para o casal. Caso um cônjuge venha a solver dívida do outro utilizando-se do seu patrimônio, nos moldes do art. 1.678 do CC, tal valor deverá ser atualizado e imputado à meação do outro, numa eventual dissolução.
Merecem destaque também os dizeres do art. 1.680 (domínio dos bens móveis) e do art. 1.681 (propriedade dos bens imóveis), ambos do Código Civil:
Art. 1.680. As coisas móveis, em face de terceiros, presumem-se do domínio do cônjuge devedor, salvo se o bem for de uso pessoal do outro.
Art. 1.681. Os bens imóveis são de propriedade do cônjuge cujo nome constar no registro.
Parágrafo único. Impugnada a titularidade, caberá ao cônjuge proprietário provar a aquisição regular dos bens.
O montante dos aquestos deve ser verificado à data em que cessou a convivência, no caso de divórcio (art. 1.683 do CC). Não sendo possível nem conveniente a divisão de todos os bens em natureza, deve-se calcular o valor de alguns ou todos para se proceda a reposição em dinheiro ao cônjuge não-proprietário. Caso seja impossível também realizar a reposição em dinheiro, serão avaliados e alienados tantos bens quanto bastarem, mediante autorização judicial (art. 1.684 do CC).
As dívidas de um cônjuge não obrigam o outro ou seus herdeiros, desde que o débito seja superior à meação do devedor (art. 1686 do CC). Ou seja, tal regime associa os cônjuges nos ganhos patrimoniais e não nas perdas.
Meação?
O Código Civil faz referência à “meação” em vários momentos quando está descrevendo o regime da participação final nos aquestos. Entretanto, ao tratar da indisponibilidade do direito a meação, o art. 1.682 do CC traz uma nítida intenção protetiva, o que a aproxima de um direito de crédito, conforme bem explica Tartuce (2017, ebook):
[…] Diante do comando legal em questão e do fato de a lei mencionar a meação, comenta Silmara Juny Chinellato que:
“A intenção protetiva da lei é inequívoca ao tratar como indisponível o direito à meação. O Código Civil, no Capítulo que trata da participação final nos aquestos, alude sempre à ‘meação’, fazendo crer que tanto ela, propriamente dita, como o direito ao crédito de um cônjuge em relação aos bens do outro serão feitos em partes iguais. Não deveria considerar um e outro, indistintamente, como ‘meação’, reservando esse termo apenas para os bens adquiridos em comunhão, como prevê o art. 1.672: bens adquiridos pelo casal a título oneroso.
A Doutrina e a Jurisprudência deverão fazer a necessária distinção, tomando por modelo os ensinamentos de doutrinadores e julgadores de outros países que adotaram o regime de sociedade de aquestos, de sociedade de ganhos ou participação final nos aquestos. Melhor seria que, por pacto antenupcial, os cônjuges esclarecessem a forma de cálculo de participação. Se se distinguirem meação e participação nos ganhos, poderá ser aceito quanto diferenciado para esta última, já que com referência à meação propriamente dita não é admitida renúncia, o que importa, por conseguinte, não poder ser fixada em porcentagem final” (CHINELLATO, Silmara Juny. Comentários…, 2004, p. 380).
As palavras da renomada professora da USP confirmam o que antes foi comentado quanto ao uso da expressão “meação” pela lei. De fato, não há meação, mas participação, um crédito a favor do consorte.
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Language | Português |
Number Of Pages | 1568 |
Publication Date | 1900-01-01T00:00:01Z |

Referências:
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
Imagem: Pixabay.
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OAB Diária – 38º Exame de Ordem – Direito Penal #4
Publicado
1 ano atrásem
24 de janeiro de 2024Por
Rafael Nogueira
Você já conhece o nosso projeto OAB Diária? Ele é voltado para você que está se preparando para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, onde iremos postar semanalmente uma questão e o gabarito comentado para darmos uma alavancada na sua preparação.
Esta iniciativa, promovida pelo site Direito Diário, veio para auxiliar na sua preparação, de maneira totalmente gratuita, com resolução de questões e comentários dos advogados que trabalham para o periódico.
A resolução de questões é o melhor método para potencializar o aprendizado, bem como entender o que a banca examinadora pretende exigir dos seus candidatos.
Hoje iremos analisar uma questão de Direito Penal do Exame Unificado XXXVIII, de 2023. Vamos juntos?
Questão OAB
Banca: FGV Prova: OAB 2023 – Exame da Ordem Unificado XXXVIII – Primeira Fase – Matéria: Direito Penal #4
Após rigorosa fiscalização, uma empresa provedora de Internet verificou que sua rede de wifi com senha bloqueada estava sendo indevidamente utilizada por um grupo de pessoas. Após notícia de fato formulada pela empresa, a Delegacia de Polícia instaurou Inquérito, tendo o Delegado Titular proferido relatório final pelo indiciamento dos envolvidos pelo crime de furto, na figura do Art. 155, § 3º, do Código Penal: “Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”.
Diante do caso descrito, é correto afirmar que o indiciamento pelo crime de furto é:
A) inadmissível, tendo em vista que no Direito Penal não cabe analogia in malam partem.
B) admissível, tendo em vista que no Direito Penal cabe analogia in bonam partem.
C) inadmissível, pois a conduta dos investigados constitui fato atípico, tendo em vista a incidência do Princípio da Legalidade Estrita.
D) admissível, pois se trata de hipótese de interpretação analógica, cabível no Direito Penal.

Resolução
A questão trata essencialmente de Crimes Contra o Patrimônio. Mais especificamente, é necessário o conhecimento sobre o Furto, previsto no art. 155, CP.
Para responder a essa questão vejamos inicialmente a descrição legal desse delito e de seu parágrafo 3º:
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. […]
§ 3º – Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
Logo, vemos que é sim possível o furto de energia elétrica ou qualquer outra energia que tenha valor econômico. Contudo, a questão trata de sinal de wifi, que não energia. Seria então necessário aplicar métodos de interpretação e meios de integração normativas. Em direito penal, é possível a interpretação analógica, contudo o método da analogia somente é possível em benefício do réu.
Importante ressaltar que este não há jurisprudência pacífica equiparando site de internet à energia. Este que vos escreve encontrou julgados afirmando tanto pela possibilidade de equiparação, via interpretação analógica, quanto pela sua impossibilidade[1].
Dessa forma, por não haver entendimento pacífico sobre o tema, é inviável escolher qualquer dos itens. Em face disso, a questão foi anulada.
Gabarito: Questão ANULADA.
[1] SINAL DE INTERNET – FURTO MEDIANTE FRAUDE – NÃO CONFIGURAÇÃO – NÃO EQUIPARAÇÃO DE SINAL DE INTERNET A ENERGIA – ANALOGIA IN MALAM P ARTEM – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTE STF – ABSOLVIÇÃO – POSSIBILIDADE – SENTENÇA REFORMADA 1)- NÃO OCORRE FURTO DE SINAL DE INTERNET POR NÃO AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E POR NÃO SER POSSÍVEL SUA APROPRIAÇÃO. 2)- SINAL DE INTERNET NÃO PODE SER EQUIPARADO A ENERGIA ELÉTRICA. 3)- NÃO É POSSÍVEL APLICAÇÃO DE ANALOGIA EM LEIS QUE RESTRINJAM DIREITOS, PREJUDICANDO O RÉU. 4)- NÃO SENDO A CONDUTA DO APELANTE TÍPICA, A ABSOLVIÇÃO É MEDIDA QUE SE IMPÕE. 5)- RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-DF – APR: XXXXX20108070001 DF XXXXX-87.2010.807.0001, Relator: LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS, Data de Julgamento: 02/06/2011, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: 10/06/2011, DJ-e Pág. 253) [grifo nosso]
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO. Sentença que absolveu sumariamente o apelado do crime previsto no art. 155, § 3º, do Código Penal, com fulcro no inciso III do artigo 397 do Código de Processo Penal, por entender atípica a conduta narrada na denúncia. O Ministério Público busca a reforma da sentença, com o consequente prosseguimento do processo em seus ulteriores termos. Para tanto, alega que a subtração de sinal de internet é fato típico. Revela a denúncia que o recorrido há aproximadamente um ano distribuía sinal de internet (Velox) para oito residências da Comunidade Pavão-Pavãozinho, recebendo R$ 40,00 (quarenta reais) mensais de cada usuário. Essa conduta adequa-se perfeitamente ao tipo penal descrito no art. 155, § 3º, do Código Penal, em sua parte final. Não se trata de analogia in malam partem, mas sim de interpretação analógica, autorizada no art. 3º do Código de Processo Penal. No caso, o furto de sinal de internet é válido para encaixar-se na figura típica em questão, pois é uma forma de energia por equiparação com valor econômico. Precedente do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o crime de furto de sinal de TV a cabo. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO, para reformar a sentença e determinar o prosseguimento da ação penal perante o juiz tabelar, em observância ao princípio do livre convencimento motivado do julgador. (TJ-RJ – APL: XXXXX20118190001 RJ XXXXX-34.2011.8.19.0001, Relator: DES. SIRO DARLAN DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 18/11/2014, SÉTIMA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 27/11/2014 15:06) [grifo nosso]
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Sem categoria
OAB Diária – 38º Exame de Ordem – D. Processual Penal #3
Publicado
1 ano atrásem
17 de janeiro de 2024Por
Rafael Nogueira
Você já conhece o nosso projeto OAB Diária? Ele é voltado para você que está se preparando para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, onde iremos postar semanalmente uma questão e o gabarito comentado para darmos uma alavancada na sua preparação.
Esta iniciativa, promovida pelo site Direito Diário, veio para auxiliar na sua preparação, de maneira totalmente gratuita, com resolução de questões e comentários dos advogados que trabalham para o periódico.
A resolução de questões é o melhor método para potencializar o aprendizado, bem como entender o que a banca examinadora pretende exigir dos seus candidatos.
Hoje iremos analisar uma questão de Direito Processual Penal do Exame Unificado XXXVIII da OAB, de 2023. Vamos juntos?
Questão OAB
Banca: FGV Prova: OAB 2023 – Exame da Ordem Unificado XXXVIII – Primeira Fase – Matéria: Direito Processual Penal #3
João dirigia seu veículo, um Porsche Cayenne ano 2015, por uma rodovia quando, em abordagem de rotina, foi parado pela Polícia Militar. João exibiu sua carteira nacional de habilitação e o certificado de registro e licenciamento de veículo (CRLV) do ano corrente.
Após consulta ao sistema, o que é feito rotineiramente em abordagens na estrada, a Polícia Militar constatou que o CRLV era falso e o veículo era produto de roubo. João admitiu que pagou cerca de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) pelo veículo, avaliado em R$ 400.000,00, mas que não sabia que o veículo havia sido roubado, exibindo o respectivo recibo.
Sabe-se que a pena do crime de receptação é de 1 a 4 anos e multa; e que a pena do crime de uso de documento público falso é de 2 a 6 anos e multa.
Considerando a situação hipotética acima, assinale a opção que contém as regras processuais penais corretamente aplicáveis ao caso.
A) A circunstância de o acusado ter adquirido o bem por preço muito inferior ao valor de mercado configura indício da prática de receptação.
B) O delito de receptação, por expressa disposição legal, impõe a inversão do ônus da prova à defesa, cabendo a esta produzir a prova no sentido do desconhecimento da origem ilícita do bem.
C) A comprovação da materialidade do delito de uso de documento materialmente falso prescinde de produção de prova pericial.
D) O processo deve ser desmembrado, pois é cabível suspensão condicional do processo à receptação, devendo o feito prosseguir em relação ao uso de documento falso.

Resolução
A questão trata essencialmente do Procedimento em Crimes Contra o Patrimônio. Mais especificamente, é necessário o conhecimento sobre o crime de Receptação, previsto no art. 180, CP.
Para responder a essa questão é necessário o simples conhecimento da letra da lei, mais especificamente de seu parágrafo 3º (grifo nosso):
Receptação
Art. 180 – Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: […]
§3º – Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.
Dessa forma, resta claro que João incorreu no crime de Receptação, previsto no art. 180, §3º, CP.
Gabarito: Letra A.
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