No atual cenário do Brasil, em que a crise econômica e política se confundem na cabeça da grande maioria da população, as propostas de modificação às Leis podem acabar ficando em segundo plano para quem não é da área. Todavia, o assunto é relevante para todos os brasileiros, porque traz repercussões, ainda que indiretas, na vida de cada cidadão.
As questões levantadas pela proposta de uma possível reforma trabalhista, contudo, podem implicar em severo retrocesso a esses direitos conquistados. Pontos com o aumento da jornada laboral para oitenta horas semanais e a negociação podendo ter mais efeito do que o legislado, em tese, colocariam os trabalhadores do século XXI em equiparação aos dos séculos que antecederam a revolução industrial.
Se o negociado passar a ter efeito sobre o legislado, isso significaria que mesmo a Lei definindo um direito, ele poderia ser reduzido mediante negociação coletiva. A hora extra, por exemplo, deve ser remunerada com um acréscimo de 50% sobre o valor da hora normal. Caso essa proposta seja aprovada, a hora extra poderia ser paga com acréscimo de apenas 10% se a negociação assim definir.
A justificativa de que essa é a única forma encontrada para o país sair da crise atual pode parecer plausível inicialmente. Contudo, facilmente surgem questionamentos acerca de se tratar apenas de uma situação temporária se ela for analisada levando-se em conta o caráter histórico do Direito do Trabalho em nível global.
O Direito surge da sociedade e se volta para ela, mas, ao longo das evoluções sociais, foi utilizado como justificativa legal para monopólio de poder. Em outras palavras, o Direito, que nasceu da sociedade, historicamente foi instrumento para legitimar a manutenção da classe dominante no poder. O Estado, em sua concepção história, tem mais casos de repressão aos direitos do trabalhadores do que de proteção.
Não se pode dizer que o direito de greve, de reunião em associações sindicais e de direitos considerados básicos, como salário mínimo, hora extra e ambiente adequado ao trabalho, são conquistas antigas. Se for levado em conta que o trabalho é mola mestra de toda e qualquer sociedade, independente de sua localização geográfica, são recentes essas garantias sociais.
O direito de liberdade, considerado um direito fundamental de primeira geração, abrange também o direito de defender o capital. É um direito livre, do qual não é necessária a intervenção do Estado porque ele se legitima sozinho. Por outro lado, os direito sociais, que se inserem na esfera de competência do Estado para serem garantidos, são de segunda geração. São detalhes históricos que fazem diferença no cenário atual.
Os direitos de segunda geração, inseridos na vigente Constituição, precisam de amparo do Estado para que possam ser efetivados. Eles não se realizam sozinhos, sendo necessárias políticas públicas para que a sociedade possa desfrutá-los. Neles se insere o trabalho digno, que deve ser exercido em condições garantidas pelo Estado.
A despeito do que a Constituição garante e das próprias garantias conquistadas através dos séculos, a proposta de reforma trabalhista implica diretamente em retrocesso de direitos individuais e sociais. Além disso, o Estado, com o seu inegável caráter político de manter a classe dominante no poder, não dá garantias de que, ainda que a crise seja passageira, que a reforma também tenha caráter temporário.
A situação atual merece atenção tanto na esfera polícia e social, já que além de serem intrinsicamente ligadas, pode implicar diretamente no retorno para uma limitação de direitos como há muito não se via. Requer atenção, tanto da sociedade como dos operadores do Direito, e vigilância constante para que direitos considerados conquistas marcantes não se tornem apenas detalhes na história do nosso país.
Referências Bibliográficas: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).