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Considerações sobre o instituto da preclusão
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 por Ingrid CarvalhoUma das bases de qualquer ordenamento jurídico é a garantia da segurança jurídica nas relações. O reflexo disso está nos institutos da prescrição e decadência, no direito material.
No âmbito processual, o foco deste artigo, há o reflexo da preclusão. Tal palavra vem do latim praeclusio, que significa “encerrar”. Encerrar a continuidade de algum ato. Com isso, podemos conjecturar o conceito desse instituto importantíssimo para o Direito Processual.
Como sabemos, todos nós podemos exercer o Direito de Ação, instrumentalizada no processo, para obter a prestação jurisdicional a fim de solucionar o conflito de interesses.
Seguindo esse raciocínio, verificamos que o processo é um andamento coerente e lógico de atos para atingir um determinado fim. Não há processo sem finalidade. É por isso que existem várias classificações doutrinárias sobre as fases processuais, que geralmente são: postulatória, saneadora, instrutória e decisória.
Com efeito, cada fase ultrapassada é automaticamente encerrada pela preclusão, que é um instituto para estabilizar situações processuais. Ela vincula tanto as partes quanto o próprio juiz. É o que disserta o Artigo 473 do CPC: “É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão.”.
Tal texto também está previsto no novo CPC, em seu Artigo 507: “É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.”.
Em tal instituto se opera três espécies: a consumativa, a temporal e a lógica.
Vamos buscar entender o porquê das denominações. Temos ciência de que “preclusão” significa encerrar, bem como é sabido que “consumativa” significa que algo já foi feito e estabelecido.
É o caso, por exemplo, da contestação. Ela é um ato uno que deve ser apresentado em apenas um momento. Uma vez apresentada, não poderá ser alterada ou complementada com outras informações, independente de ainda estar dentro do prazo. Vejamos a decisão a seguir:
[…] Em homenagem à preclusão consumativa, a apresentação da primeira contestação torna inviável o conhecimento da segunda, de modo a autorizar o desentranhamento da respectiva peça processual. Precedente jurisprudencial. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, DE PLANO. (Agravo de Instrumento Nº 70059350389, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 15/05/2014)
A outra espécie que existe é a preclusão temporal, que não se confunde com a prescrição. Esta é a neutralização da pretensão por não ter sido exercida dentro do prazo fixado em lei. É instituto de direito material. A preclusão temporal, por sua vez, ocorre dentro do processo, caracterizando-se como a perca de uma faculdade processual em decorrência do tempo.
Citaremos, a título de exemplo, o prazo de 15 dias da contestação. Se ela não for protocolada tempestivamente, não poderá ser apresentada depois, logo não poderá ser considerada, configurando a revelia. Segue a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:
[…] A defesa intempestiva é inválida, considerada como documento inexistente, e que, portanto, não poderia ser considerada para o julgamento da ação, de modo que nada justifica a sua permanência nos autos. Preclusão temporal. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Recurso não provido. (TJ-SP – AI: 990103094417 SP, Relator: Alexandre Lazzarini, Data de Julgamento: 28/09/2010, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/10/2010)
Quanto à preclusão lógica, ela versa sobre a incompatibilidade entre dois atos processuais. Por exemplo: a parte trazer argumentos e pedidos diferentes do que foi disposto na petição inicial, ou a parte recorrer de sentença que manifestadamente concordou. Segue mais uma decisão para consolidar o raciocínio:
[…] Não configurado o alegado cerceamento de defesa. O autor instado a requerer produção de provas em audiência, requereu, expressamente, o julgamento antecipado da lide. Se a considerava indispensável, deveria ter agido de forma diversa, para evitar a preclusão lógica. […] (TJ-SP – APL: 01563465320128260100 SP 0156346-53.2012.8.26.0100, Relator: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 09/09/2014, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/09/2014)
É claro que o instituto em questão não é absoluto. Existem situações em que ele não incide, quais sejam: questões de ordem pública (Artigo 301 CPC e Artigo 337 NCPC), questões sobre prescrição e decadência, e impedimento.
É interessante ressaltar que, em casos de nulidades de citações a preclusão pode incidir, mesmo que haja irregularidade. Se for verificado que a finalidade foi atingida, isto é, apesar do vício, nenhuma das partes se prejudicou e a citação atingiu sua finalidade, a preclusão consumativa aconteceu. Perceba que nesse caso ocorreu a aplicação prática do princípio da instrumentalidade das formas.
Por outro lado, se houve prejuízo, deve ser alegada a nulidade na primeira oportunidade, conforme prevê o Artigo 245 do CPC e 278 do NCPC: “A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.”.
Existe, também, outra espécie: a preclusão pro judicato, que envolve o juiz. Como magistrado, ele não está sujeito a preclusões temporais, pois não experimenta prazos processuais. Por outro lado, está sujeito à preclusão consumativa e até mesmo lógica.
O julgador não pode rever decisões já proferidas e nem contrariar decisões passadas sem fundamentação. Não se trata aqui de perca de faculdade processual, uma vez que o magistrado não é parte. Trata-se apenas de manter a ordem e a segurança jurídica por parte do estado-juiz.
Verificamos a exceção em ações que versam sobre liminares. Quando é proferida decisão interlocutória, o Douto Julgador poderá reformá-la ou até revogá-la, desde que existam elementos que justifiquem a nova decisão, sob pena de preclusão. Vejamos a brilhante explanação desta decisão do TRF da 4ª Região (grifo nosso):
[…] Quando ocorre a preclusão para o juiz, que pode assumir a feição de preclusão consumativa e, eventualmente, lógica, a doutrina costuma a ela se referir como preclusão pro judicato. Não há para o juiz preclusão temporal, já que ele não sofre nenhuma consequência processual pelo descumprimento dos prazos que lhe são impostos. Há, todavia, preclusão consumativa e, em casos excepcionais, lógica, pois o juiz, a não ser diante de novas alegações ou de fatos novos, não pode, em princípio, decidir contraditoriamente, cabendo à parte, se isso ocorrer, o controle desses atos pela via recursal. 3. Não há preclusão para o juiz: a) em matéria probatória; b) em questões de ordem pública ou apreciáveis de ofício; e c) no que diz respeito a erros de fato e de direito. 4. In casu, considerando que a questão relativa ao período de incidência dos juros de mora sobre o valor do principal já foi solvida por decisão anterior, não poderia o magistrado a quo tê-la modificado posteriormente, em razão de ter-se operado a preclusão para o juiz. 5. Apelo provido, para o fim de que prossiga a execução com a expedição de precatório complementar […](TRF-4 -AC: 53683 SC 2003.04.01.053683-9, Relator: CELSO KIPPER, Data de Julgamento: 14/10/2009, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 21/10/2009)
Em suma, concluímos que a preclusão é de suma importância para o Direito Processual, apesar de sua grande discrição na prática forense. Não é necessário grande esforço para verificar sua incidência, uma vez que tal instituto é guiado pelo bom senso e enraizado no princípio do devido processo legal. Entretanto, é necessária atenção para não ocorrer dissabores como os quais verificados nas jurisprudências citadas.
Referências: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=S%C3%A3o+tr%C3%AAs+as+esp%C3%A9cies+de+preclus%C3%A3o+temporal%2C+consumativa+e+l%C3%B3gica http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16833596/agravo-de-instrumento-ai-990103094417-sp http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/139227719/apelacao-apl-1563465320128260100-sp-0156346-5320128260100 modelo: BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 144028 - SP (2012/0002890-0). Apelante: Maria da Graça Bento Serra. Apelada: Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência e outros. Relator: Marco Buzzi. Distrito Federal, 3 de março de 2014.
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Dicas
O que torna uma lesão corporal grave ou gravíssima?
Publicado
4 semanas atrásem
10 de novembro de 2024É bem recorrente a menção em uma notícia jornalística à ocorrência de uma lesão corporal de natureza grave ou gravíssima. Tal situação pode gerar dúvidas nos interlocutores, uma vez que nem sempre é explicado o critério utilizado para a classificação das lesões corporais.
A bem da verdade, não há complicação nesta matéria, haja vista que os parágrafos 1º e 2º do artigo 129 do Código Penal, qual seja o que tipifica o crime de lesão corporal, enumera as qualificadoras do aludido delito.
Veja mais: Qual a diferença entre os 3 tipos de asfixia: esganadura, enforcamento e estrangulamento?
Veja mais: Lei Maria da Penha: o que se enquadra como violência doméstica e familiar?
Lesão Corporal Grave
No caso da lesão corporal de natureza grave, tem-se que sua pena base é de reclusão, de 1 a 5 anos, enquanto a pena base da lesão corporal simples é de detenção, de 3 meses a 1 ano.
Ainda neste diapasão, são 4 as possibilidades que ensejam a incidência desta modalidade qualificada: (I) incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias; (II) perigo de vida; (III) debilidade permanente de membro, sentido ou função; ou (IV) aceleração de parto.
Lesão Corporal Gravíssima
Com efeito, em havendo lesão corporal de natureza gravíssima, a pena base evidentemente aumenta ainda mais, passando a ser de reclusão, de 2 a 8 anos. No tocante ao número de cenários que culminam com sua aplicação, são 5 os casos: (I) incapacidade permanente para o trabalho; (II) enfermidade incurável; (III) perda ou inutilização do membro, sentido ou função; (IV) deformidade permanente; ou (V) aborto.
Diante do que foi exposto até então, são imprescindíveis algumas considerações. A primeira delas diz respeito à debilidade permanente de membro, sentido ou função. A observação a ser feita é referente a casos onde a debilidade ocorre em órgão que possui um par, como é o caso dos rins e dos olhos. Dito isto, ocorre lesão corporal gravíssima ainda que o agente somente cause a deterioração do órgão remanescente, como quando a vítima apenas tem um rim ou um olho.
Ora, é evidente que a perda de um olho não acarreta na perda da visão como um todo. É igualmente incontestável que, caso a vítima dependa apenas de um olho para enxergar e venha a perdê-lo, ocorre uma lesão corporal gravíssima, pois não houve apenas debilidade, mas sim a perda total da função. Na situação em tela, pouco importa se o agente concorreu para a perda da visão dos dois olhos, pois a perda do sentido ocorreu com a eliminação do olho remanescente.
O segundo e último adendo versa acerca da incapacidade permanente para o trabalho. Há divergência doutrinária neste tópico, pois parte da doutrina se posiciona no sentido de que apenas há o enquadramento da lesão corporal gravíssima se houver inaptidão para qualquer modalidade laborativa.
Em contraponto, uma segunda corrente doutrinária se mostra mais flexível. Esta aduz que a incapacidade permanente é uma diminuição efetiva da capacidade física comparada à que possuía a vítima antes da lesão. Alem disso, deve ser observado o campo do factualmente possível, e não o do teoricamente imaginável. Logo, para a aplicação da sanção penal, não seria possível exigir de um artista ou intelectual que passasse a trabalhar como pedreiro.
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Referências:
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 14ª Edição, 2014.
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Lei maria da penha: o que se enquadra como violência doméstica e familiar?
Publicado
1 mês atrásem
25 de outubro de 2024A Lei Maria da Penha foi consequência de anos de luta pela defesa das mulheres no âmbito doméstico. O nome da lei é uma homenagem feita a uma das vítimas, que passou a lutar pelo combate à violência contra as mulheres após ter sofrido duas tentativas de assassinato pelo marido, tendo ficado paraplégica em decorrência dos ataques.
Em 2006, foi sancionada a Lei 11.340, a qual disciplina meios de prevenir, punir e erradicar as formas de violência contra representantes do sexo feminino. Acontece que o dispositivo presente nessa lei possui delimitações que, muitas vezes, são ignoradas nas informações transmitidas popularmente.
Nesse sentido, atenta-se que o texto legal é claro ao definir que se trata de “violência doméstica e familiar”. Assim, diferentemente do que muitos podem pensar, não basta que tenha havido uma violência contra uma mulher para que o crime esteja caracterizado. Então, o que seria essa violência doméstica?
Os legisladores tiveram essa cautela, a fim de evitar maiores contradições acerca do tema. No artigo 5º da Lei Maria da Penha (11.340/2006), restam determinadas as hipóteses em que se configura a violência doméstica e a familiar.
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Portanto, constata-se que é necessário que haja ou uma relação íntima de afeto, ou uma relação de parentesco, ou uma coabitação, não precisando haver as três hipóteses concomitantemente. Ou seja, pelo menos um desse elementos tem que estar presente na situação para que a violência se enquadre na punição prevista na Lei Maria da Penha.
Assim, faz-se uma ressalva quanto ao caso de o agressor já ter convivido com a vítima em uma relação de afeto íntimo, é o caso, por exemplo, de ex-namorados. Nesses casos, tanto a doutrina quanto a jurisprudência majoritária entende que é preciso que haja um nexo causal entre a violência e relação existente anteriormente entre eles. Desse modo, o motivo que levou a agressão deve advir da convivência que um dia existiu.
Nessa perspectiva, o julgado do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), CC 103813 de 24/06/2009, ratifica esse entendimento quanto a necessidade de ser observado o nexo causal entre a agressão e o convívio anterior.
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADOS. VIOLÊNCIA COMETIDA EM RAZÃO DO INCONFORMISMO DO AGRESSOR COM O FIM DO RELACIONAMENTO. CONFIGURAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. APLICAÇÃO DA LEI 11.340/2006. COMPETÊNCIA DO SUSCITADO. 1. Configura violência contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei nº 11.340/2006, a agressão cometida por ex-namorado que não se conformou com o fim de relação de namoro, restando demonstrado nos autos o nexo causal entre a conduta agressiva do agente e a relação de intimidade que existia com a vítima. 2. In casu, a hipótese se amolda perfeitamente ao previsto no art. 5º, inciso III, da Lei nº 11.343/2006, já que caracterizada a relação íntima de afeto, em que o agressor conviveu com a ofendida por vinte e quatro anos, ainda que apenas como namorados, pois aludido dispositivo legal não exige a coabitação para a configuração da violência doméstica contra a mulher. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete -MG, o suscitado.
Portanto, constata-se a necessidade da observância desses termos que caracterizam a violência doméstica e familiar, as quais são elementos essenciais desse tipo, de modo que sua presença é indispensável para caracterização do crime previsto na Lei 11.340 de 2006.
Atualmente, é comum a mídia fazer referência ao crime de peculato, tendo em vista, infelizmente, os frequentes casos de desvio de dinheiro no país. Dessa forma, torna-se necessário entender melhor esse tipo penal, a fim de que não existam dúvidas sobre o que é incriminado por ele.
Inicialmente, cabe explicar o significado da palavra peculato: ela encontra sua origem no Direito Romano, época em que a subtração de bens pertencentes ao Estado era chamada de peculatus ou depeculatus.
Como anteriormente ainda não havia a moeda como símbolo de comercialização, o patrimônio estatal era composto, assim, por bois e carneiros (pecus), representando a riqueza pública por excelência.
O tipo em epígrafe localiza-se dentro do Título XI – Dos crimes contra a Administração Pública e do Capítulo I – Dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral.
Assim, o sujeito ativo do crime é próprio, só podendo ser praticado por funcionário público, porém a participação ou coautoria de outro agente o qual não seja funcionário, mas que conheça a condição do autor possibilita a comunicação da elementar do crime.
Destacam-se, nessa oportunidade, os tipos dos artigos 312 e 313 do Código Penal:
Peculato
Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.
1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
Peculato culposo
2º – Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
3º – No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
Peculato mediante erro de outrem
Art. 313 – Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
O artigo 312 em seu caput descreve, primeiramente, o peculato na modalidade apropriação o qual se relaciona com o tipo do artigo 168 do Código Penal (apropriação indébita). O agente passa a se comportar como proprietário do dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, que antes era apenas possuidor. Ressalta-se que esta posse deve estar relacionada ao cargo do agente, faz, assim, uso do cargo para obter a posse.
Ainda no caput é previsto o peculato-desvio. O sujeito desse crime confere à coisa destinação diversa da inicialmente prevista, tendo como finalidade algum proveito próprio ou de terceiro. Essa modalidade de peculato é o exemplo clássico, sendo o caso, por exemplo, de dar destinação diversa as verbas públicas, beneficiando-se de alguma forma.
Já o parágrafo primeiro é a modalidade do crime em questão a qual a doutrina nomeia como peculato-furto. O agente não tem a posse do bem, mas a sua posição de funcionário público lhe proporciona uma situação mais favorável para a subtração dela.
A segunda parte da modalidade, peculato-furto, exige o concurso necessário, haja vista que a atuação do funcionário restringe-se à concorrência dolosa para a subtração efetuada por terceira pessoa.
Há também o peculato-culposo, o qual é uma exceção a teoria monista, uma vez que estão, necessariamente, presente pelo menos dois agentes: o funcionário que responde pela modalidade culposa e a pessoa que está cometendo delito dolosamente.
Neste caso, o funcionário infringe o dever de cuidado objetivo, inerente aos crimes culposos, deixando de vigiar, como deveria, os bens da Administração que estão sob sua tutela.
Ainda sobre o tema, cabe destacar o artigo 313 do Código Penal mais conhecido como peculato-estelionato. O funcionário público apropria-se, indevidamente, de dinheiro ou qualquer outra utilidade, prevalecendo-se de sua função, mediante o aproveitamento ou manutenção do erro de outrem. O erro é a falsa percepção da realidade pela vítima.
O peculato segundo o entendimento dos tribunais superiores
Nessa toada, o Superior Tribunal de Justiça não entende como possível a aplicação do princípio da insignificância nos casos de crimes contra a Administração Pública, incluindo-se o peculato, havendo, inclusive, entendimento sumulado sobre o assunto.
O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública. (SÚMULA 599, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2017, DJe 27/11/2017)
Além disso, veja-se julgamento recente:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PECULATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 599/STJ.
Apesar de o bem subtraído ser avaliado em R$ 35,00, o delito foi praticado contra Administração Pública, em que houve o valoração negativa dos maus antecedentes e ainda o reconhecimento da reincidência, o que obsta o reconhecimento da atipicidade material, consoante a Súmula 599/STJ (“O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.”) 2. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp n. 2.067.513/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 14/9/2022, DJe de 20/9/2022.)
Já o Supremo Tribunal Federal reconhece a aplicação desse princípio, como causa de exclusão da tipicidade, havendo, contudo, necessidade de identificar no caso concreto os vetores que legitimam o reconhecimento do fato insignificante.
E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA – RELAÇÕES DESSA CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SUA DIMENSÃO MATERIAL COM OS PRINCÍPIOS DA FRAGMENTARIEDADE E DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO EM MATÉRIA PENAL – NECESSIDADE DE CONCRETA IDENTIFICAÇÃO, EM CADA SITUAÇÃO OCORRENTE, DOS VETORES QUE LEGITIMAM O RECONHECIMENTO DO FATO INSIGNIFICANTE (HC 84.412/SP, REL. MIN. CELSO DE MELLO, v.g.) – DOUTRINA – PRECEDENTES – CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DO MEIO AMBIENTE (ART. 68 DA LEI N. 9.605/98) – INOCORRÊNCIA, NO CASO, DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
(HC 150147 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12-04-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG 23-04-2019 PUBLIC 24-04-2019)
EMENTA: AÇÃO PENAL. Delito de peculato-furto. Apropriação, por carcereiro, de farol de milha que guarnecia motocicleta apreendida. Coisa estimada em treze reais. Res furtiva de valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de bagatela. Caracterização. Dano à probidade da administração. Irrelevância no caso. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento.
(HC 112388, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 21-08-2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 13-09-2012 PUBLIC 14-09-2012)
Veja aqui um pouco mais sobre a (In)Aplicabilidade do Princípio da Insignificância aos Crimes Contra a Administração Pública.
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Referências:
O que torna uma lesão corporal grave ou gravíssima?
O Vilipêndio ao Cadáver na Era Digital
Lei maria da penha: o que se enquadra como violência doméstica e familiar?
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