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Direito, Estado e Economia
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 por Ingrid CarvalhoO ser humano, após sedentarizar-se e começar suas primeiras atividades agrícolas, teve que lidar com diversos problemas desconhecidos até então no âmbito social. Seu período silvícola de coletor-caçador exigia somente uma organização perfunctória acerca dos recursos naturais que o cercava, caso a caça findasse, bastaria que se mudasse para um local onde ela era mais abundante: “Com efeito, as atividades humanas de que a Ciência Econômica se ocupa – a produção, a troca e distribuição de bens – ocorreram em todas as épocas: a sociedade não pode prescindir sem elas” (HEIMANN, 1976, p. 13).
Não era necessário um Direito mais robusto, como observado após sua sedentarização, pois suas relações sociais eram mais próximas devido à menor densidade populacional neste período. Tampouco uma organização política complexa como a figura do Estado moderno, pois inexistia a ideia de um território fixo (já que eram nômades) onde um poder maior pudesse exercer sua vontade sobre a de todos os membros do grupo de caçadores-coletores (DALLARI, 2015).
Com o passar dos séculos, após a sedentarização e a consequente fixação dos agrupamentos humanos em locais determinados principalmente por questões de recursos naturais, como água e terras férteis para as lavouras, o ser humano começa a aprender a gerir os recursos que o circundam, agora vistos como escassos. A densidade populacional aumenta, os laços sociais, antes próximos, tornam-se mais distantes, havendo a necessidade de uma regulação maior de como proceder na vida em sociedade.
Era necessário proteger a terra fértil de outros grupos invasores, e até mesmo relacionar-se com outros agrupamentos próximos para a manutenção desse espaço e suprimir necessidades anteriormente inexistentes. Esse texto se destina a estudar a relação entre três desses elementos: a Economia, o Direito e o Estado.
A sedentarização em um espaço para o cultivo das lavouras fez surgir a noção de território. Este, contudo, só se tornou elemento necessário à figura do Estado a partir de sua concepção moderna. Elucida Paulo Bonavides (2012) as diversas visões acerca do território na evolução estatal: no período dito medievo, era visto como uma extensão do direito de propriedade do nobre, para somente depois se submeter ao Estado, momento em que o território foi identificado como uma propriedade de natureza pública. Uma teoria mais moderna foi feita para estender o poder soberano nas extensões do seu espaço geográfico, denominada de teoria do território-espaço. Por fim, a visão normativista de Hans Kelsen (2009) pôs o território sob a égide da ordem jurídica estatal.
Prosseguindo o estudo, é imperioso buscar entender as origens estatais e sua concepção ao longo da História. Como já observado, o ser humano é frágil se conviver de maneira isolada na natureza, e essa necessidade de agrupar-se para sobreviver deu origem às primeiras organizações sociais. A figura do Estado surge a partir da complexidade de relações políticas e comerciais que foi se impondo diante das primeiras sociedades humanas, após fixarem-se em um espaço geográfico demarcado.
Segundo os jusnaturalistas clássicos, existe uma diferença entre a concepção da sociedade natural e política: a primeira estava vinculada ao homem em sua forma primitiva, enquanto que a segunda era a acepção dele, homem, convivendo dentro do Estado (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2002).
Existem diversas teorias elaboradas na tentativa de explanar a origem do Estado e seu desenvolvimento até a modernidade. Alguns pensadores alegam a origem do Estado através de um desenvolvimento natural dos estamentos humanos, enquanto outros, como Rousseau, devido a um pacto inicial baseado na vontade dos homens, denominado de Contrato Social (DALLARI, 2015).
A forma estatal mudou ao longo dos séculos, evoluindo da visão dos povos antigos, passando pelo medievo, até a ideia moderna do Estado. Dalmo Dallari (2015) elucida que os Estados antigos possuíam duas características peculiares: a unidade e a religiosidade. Quanto à primeira, explica o autor, que era inconcebível a noção de um fracionamento interior territorial ou de funções; no que tange à religiosidade, havendo um elo muito estreito entre religião e Estado, estes tinham suas bases sedimentadas precipuamente sobre ideias religiosas, sendo designados de Estados Teocráticos.
Com as denominadas invasões bárbaras, as bases do Império Romano começam a erodir, os habitantes dos centros urbanos migram para o campo na tentativa de se protegerem dos ataques frequentes. A Igreja Católica ganha força, e os cristãos, anteriormente oprimidos, ascendem ao poder e, consequentemente, influenciam de maneira mais forte o pensamento da sociedade à época, gerando uma nova forma de organização estatal.
A organização econômica baseada nos feudos e o pensamento cristão dominante minaram a forma anterior do Estado como “[…] instituição materialmente concentradora de coerção, apta a estampar um sistema de plenitude normativa e eficácia absoluta” (BONAVIDES,2015, p. 38). Essa mudança acarretou uma descentralização do poder entre os diversos feudos, mas, ao mesmo tempo, concentrando-o na Igreja Católica.
O fluxo de pensamento humano não parou de gerar ideias, o pensamento medieval estava sendo paulatinamente substituído, e, com essa nova onda de pensamentos erigidos pelos teóricos e pensadores da época, diversos novos conceitos vieram à tona.
Em 1513, a palavra “Estado” aparece em O Príncipe de Nicolau Maquiavel (2012). As discussões acerca do Estado continuaram e, em meados do século XVI, trouxeram a lume a primeira definição de soberania na obra de Jean Bodin (BONAVIDES, 2015). Posteriormente vieram outras, principalmente a partir do século XVII e XVIII, com os pensadores ditos Iluministas.
A identificação da soberania com uma vontade maior que a do próprio povo, ainda que fosse este o real detentor daquele poder, foi delimitada por Jean-Jacques Rousseau (2011), no seu livro “O Contrato Social”. Segundo o pensador florentino, ao desistir de sua liberdade natural, os homens, através de um contrato que une os interesses comuns de todos, adquirem a liberdade civil, pondo-se sob a égide da lei civil. Ao abdicarem de parte das suas vontades individuais para a formação do todo, o ser humano visa uma vontade maior que todas elas juntas: a vontade geral, diretamente ligada à necessidade de buscar o bem comum e cerne do Contrato.
Tem-se, com a delimitação do conceito de soberania, o nascimento do Estado moderno, que viu sua ascensão nas revoluções estadunidense de 1776 e francesa de 1789 (esta última sob forte influência de Rousseau). Um novo modelo econômico dá seus primeiros passos com a subida ao poder de uma nova classe social: a burguesia. O Estado que antes refletia as vontades e ideias dominantes apregoadas pela nobreza e o clero, passa a esboçar o retrato burguês (BONAVIDES, 2015).
O Estado é uma criação humana para o homem, portanto, impossível de existir sem esse elemento em seu centro. Conforme exposto, seja através de uma necessidade natural, seja através de um pacto social, o ser humano externa de alguma maneira a sua vontade para que o Estado exista e permaneça vivo.
Em síntese, como já anteriormente observado, são três os elementos estatais: o território, o povo e a soberania. O primeiro é seu espaço físico, a terra sobre a qual o grupo humano se assentou para sobreviver. O segundo, como já elucidado anteriormente, compõe-se das pessoas que fazem parte daquele agrupamento assentado. E, por fim, a soberania é a própria vontade do Estado a ser manifestada de maneira interna e externa, como independência.
Hans Kelsen, jurista austríaco, em sua obra Teoria Pura do Direito (2012) observou que todas essas características estatais são expressas através de outra criação do gênio humano: o Direito. O pensador defende a ideia de que o próprio Estado se identifica com o ordenamento jurídico:
Para ser um Estado a ordem jurídica necessita de ter o caráter de uma organização no sentido estrito da palavra, quer dizer, tem de instituir órgãos funcionando segundo o princípio da divisão do trabalho para criação e aplicação das normas que a formam; tem de apresentar um certo grau de centralização. O Estado é uma ordem jurídica relativamente centralizada (KELSEN, 2012, p. 317).
A visão kelseniana de Estado, conforme se observa no supramencionado, põe o Direito em concomitância com a figura do Estado. Eles estão imbricados, um não é anterior ou posterior ao outro, ambos convivem de maneira simultânea e, além disso, são fruto um do outro: tanto o Estado cria o Direito, através de normas postas através de sua vontade, como o Direito dá as formas do Estado:
Como comunidade social, o Estado […] compõe-se de três elementos: a população, o território e o poder, que é exercido por um governo estadual independente. Todos estes três elementos só podem ser definidos juridicamente, isto é, eles apenas podem ser apreendidos como vigência e domínio de vigência (validade) de uma ordem jurídica (KELSEN, 2012, p. 318).
De acordo com o exposto, o Estado somente detém sua existência a partir do momento em que começa a valer uma ordem jurídica naquele determinado espaço geográfico o qual ocupa. Este, também, definido juridicamente. Já foi explanado no início do capítulo sobre a visão do pensador austríaco acerca do território, e, utilizando-a como gancho para associação das ideias até aqui coligidas, tem-se que o próprio Estado, ao definir suas fronteiras, delimita também sua existência espacial, pois exercerá seu poder soberano em toda aquela parcela de terra que denominou de território.
A população, como denomina o autor, elemento intrínseco e necessário à existência do Estado, também é albergada pela ordem jurídica estabelecida (KELSEN, 2012). Somente fará parte do povo aqueles indivíduos que se enquadrarem na conceituação jurídica oferecida pelo Direito, caso contrário, não será ele considerado membro daquele determinado grupo social. Os critérios são variáveis de acordo com o período histórico. De acordo com a atual Constituição brasileira, é necessário observar uma série de requisitos para ser considerado membro da sociedade brasileira, dentre eles o de nascer em território nacional.
A vontade geral, identificada por Rousseau (2011), irá se manifestar através da vontade do Estado, e ela se faz por força do Direito. Entretanto, ao Direito também incumbe determinar como será exercido esse poder, quem será seu real detentor e quais os procedimentos necessários para se angariar o poder:
O que faz com que uma relação designada como poder estatal se distinga de outras relações de poder é a circunstância de ela ser juridicamente regulada o que significa que os indivíduos que, como governo do Estado, recebem poder, recebem competência de uma ordem jurídica para exercerem aquele poder através da criação e aplicação de normas jurídicas. […] O chamado poder estatal é a vigência de uma ordem jurídica estatal efetiva. (KELSEN, 2012, p. 320).
Como é necessária uma ordem jurídica para fornecer os elementos-chave da realização estatal, o Direito mescla-se com o próprio Estado, garantindo-lhe a existência, sendo-lhe, pois, indispensável. Conclui-se desse raciocínio que a manifestação jurídica tem como escopo dar forma ao Estado, dizendo o que deve ser feito em relação a determinadas ocasiões e condutas praticadas pelos particulares. Ela é a ligação do indivíduo, membro do tecido social, com a ideia abstrata do Estado, dando-lhe certa concretude.
Todavia, existem diversos fatores que influenciam na criação do direito e, por conseguinte, na do Estado. Dentre eles, estão os fatores econômicos, vinculados diretamente com os recursos encontrados naquele determinado território estatal, e como geri-los. A vontade do Estado então se manifesta através de códigos e leis para açambarcar aquela realidade circundante (NADER, 2013).
A Economia albergada pela vontade do Estado
Conforme já explanado, a sedentarização humana trouxe diversas mudanças na realidade dos povos caçadores-coletores. A fixação em uma área geográfica fez com que houvesse uma maior concentração de pessoas em um mesmo espaço e a prática agrícola fez com que eles se desenvolvessem de maneira mais salutar e sem correr mais tantos riscos quanto na época em que viviam de constantes migrações. Entretanto, outros problemas surgiram, como, por exemplo, a quantidade finita de recursos naturais naquela área ocupada ensejou a necessidade de se buscar uma maneira de geri-los adequadamente.
O vagido do conhecimento econômico nasce dessa imprescindibilidade de manter constantes as reservas dos materiais básicos para a existência humana, como a madeira para construção de casas, as terras férteis para a produção de alimentos, os rios para assegurar o abastecimento de água daquela sociedade, etc.
Com o desenvolvimento social, foram acrescentadas novas necessidades às primitivas, e devido a isso, uma nova concepção de gerência dos recursos foi elaborada. Era preciso decidir também sobre como utilizá-los para melhor aproveitá-los, definindo qual seria sua finalidade, já que, por exemplo, com a madeira erguem-se casas, mas também faz-se mobílias diversas.
A evolução social fez exsurgir que as necessidades humanas tendem ao infinito, sendo substituídas ou mesmo agregadas por novas, sendo assim:
Economia é o estudo das escolhas feitas por pessoas quando existe escassez, ou seja, quando existem limites ao que os indivíduos podem obter. A escassez é uma situação na qual os recursos – tudo aquilo que usamos para produzir bens e serviços – são limitados em quantidade, mas podem ser usados de diferentes maneiras. Devido à limitação de recursos, torna-se necessário sacrificar a obtenção de um bem ou de um serviço pela obtenção de outro (O’SULLIVAN; SHEFFRIN, 2004, p. 2, grifo original).
Sendo fruto das ideias humanas, a Economia nasce como ramo do conhecimento imprescindível à organização social. Saber como utilizar os recursos naturais auxiliou na evolução das organizações humanas, fê-los esquecer do passado de caça e pesca em que o risco de morte era constante. No entanto, essa ciência não se resume somente ao fator da terra, expande seus braços para albergar o próprio trabalho humano.
Sabe-se que existe um limite físico e temporal para as forças humanas, então era preciso fazer com que o homem usasse sua força de maneira adequada a produzir o máximo possível sem, no entanto, desgastá-lo ao ponto de incapacitá-lo para o labor. Ao longo dos séculos, foram diversas as fórmulas utilizadas para isto: da escravidão dos antigos, passando pela servidão do medievo até ao trabalho assalariado que conhecemos nos dias de hoje. Para além, a mão-de-obra foi mudando conforme o centro de poder econômico foi trocando, dos aristocratas aos nobres, destes à burguesia moderna.
O centro de poder econômico, como acima explanado, mudou de acordo com a evolução e a consequente modificação das sociedades humanas. No medievo, por exemplo, estava centrada nas grandes glebas feudais, na qual a nobreza utilizava a mão-de-obra através da prática da servidão, em que o servo cultivava nas terras do nobre e lhe devia uma parte da produção dali extraída.
Hodiernamente, existe uma nova realidade centrada na ideia do capital, sendo este definido como “[…] correspondente ao conjunto dos edifícios, máquinas, equipamentos e instalações que a sociedade dispõe para efetuar a produção” (VICENCONTI, 2007, p.6). Todos esses três fatores, recursos naturais, trabalho e, modernamente, o capital, formam o que se denomina fatores de produção, ou seja, aquilo de que dispõe aquela sociedade para poder suprir as suas necessidades.
A evolução das ideias humanas acerca de como organizar esses fatores fez nascer a ideia do que se denomina de sistema econômico, isto é, “a forma como a sociedade está organizada para desenvolver as atividades econômicas, […], são as atividades de produção, circulação, distribuição e o consumo de bens e serviços” (VICENCONTI, 2007, p.6). É, pois, fruto do pensamento humano, não possuindo fórmulas exatas, não podendo ser a ele aplicadas métodos empíricos das ditas ciências exatas.
O Brasil adota o sistema capitalista baseado no livre mercado como método de melhor empregar os fatores econômicos aqui encontrados, o que significa dizer que há uma lógica assentada na não interferência estatal na seara econômica, deixando a produção ser guiada pela oferta e procura:
Nós confiamos com total segurança que a liberdade de comércio, sem qualquer atenção por parte do governo, sempre nos suprirá de vinho quando for do nosso ensejo; e podemos confiar com a mesma segurança que ela sempre vai nos suprir de todo ouro e prata que possamos adquirir ou empregar, seja na circulação de nossos artigos, seja em outros usos. A quantidade de cada artigo que a indústria humana pode adquirir ou produzir regula-se naturalmente em cada país pela demanda efetiva ou de acordo com a demanda daqueles que estão dispostos a pagar por toda a renda [de terras], trabalho e lucro que devem ser pagos para prepará-lo e levá-lo ao mercado (SMITH, 2013, p. 32).
Entretanto, para que seja dada existência ao livre mercado no âmbito estatal, é necessário que este, por meio de sua manifestação volitiva, o Direito, faça-o nascer. Com a tomada do poder pela burguesia em meados do século XVIII, um novo sistema econômico nasceu, e as ideias reinantes defendidas pelos teóricos iluministas fizeram as bases do novo mundo que estava a nascer a partir daquele momento.
Para que fosse dada maior segurança nos negócios, foi retirado o poder absoluto da figura do rei, tripartindo-o. Leis sendo criadas pelo arbítrio da majestade não soavam com a previsibilidade necessária a um bom cenário comercial. Era preciso, outrossim, a segurança de que os contratos acordados livremente seriam cumpridos, então foi gerada a noção de que o Estado deveria de alguma forma fazer valer o pacto entre as partes.
Para que as atividades mercantis ficassem livres como pretendia Adam Smith (2013), o Estado precisou insculpir em sua ordem jurídica que se absteria dessas relações. Além disso, a propriedade clamava por proteção, fez-se direito fundamental de todo homem a propriedade privada. Segundo Eros Grau (2014, p. 36, grifo original): “[…] o mercado – além de lugar e princípio de organização social – é instituição jurídica. Sua consistência é função da segurança e certeza jurídicas que essa institucionalização instala, permitindo a previsibilidade de comportamentos e o cálculo econômico.”
Já foi demonstrado que uma das características do Estado é a sua dimensionalidade geográfica, denominada de território. Nela é que serão encontrados os recursos a serem geridos pela Economia, as matérias-primas, a força de trabalho humano e, consequentemente, o capital. E dentro desse espaço se faz valer a vontade estatal, portanto, a ciência social econômica se encontra de mãos dadas com o Direito, devendo este, como explanado, garantir os meios necessários para a existência do Sistema Capitalista de mercado.
Percebe-se que não há de se dizer que a Economia é um campo estranho à figura do Estado. Ela necessita dele para regulamentar as relações dos indivíduos com os fatores econômicos, seja de maneira abstencionista, seja de maneira mais “intervencionista”, garantindo a propriedade privada dos meios de produção e a livre circulação de mercadorias, bem como a própria subsistência da lei da oferta e da procura apregoada pelo liberalismo econômico. O Sistema capitalista de produção pode ser caracterizado como:
[…] um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção, propiciadora de acúmulo de poupança com finalidade de investimento de grandes massas monetárias, dentro de uma organização de livre mercado, através de uma organização permanente e racional. O capitalismo pode ser visto sob um prisma jurídico, e significa o estatuto jurídico que adota o princípio da propriedade privada dos meios de produção (FONSECA, 1995, p. 172, grifo original).
A não interferência do Estado na esfera econômica e a crença na mão invisível de Adam Smith (2013) guiaram os primeiros passos da revolução burguesa, até o início do século XX, quando ocorreu a queda da bolsa de Nova York, e uma nova visão acerca dos processos econômicos foi posta através de uma ótica onde o Estado necessitava “intervir” economicamente.
Vale ressaltar que essa visão intervencionista somente se pressupõe se for admitida a existência de que a economia é estranha na relação com o Estado. Neste trabalho, entretanto, essa visão somente será utilizada para fins didáticos e para um melhor entendimento acerca do tema em estudo. A palavra utilizada para se referir a essa “interferência” será a “regulamentação” (no sentido de “normatizar”) do mercado por parte do Estado.
Existem duas maneiras de o Estado regulamentar a economia de mercado, direta ou indiretamente. A primeira pode ser conceituada como a entrada do próprio ente estatal na disputa de mercado, criando, através de leis, empresas públicas ou sociedades de economia mista sob regimes diversos de exploração das riquezas, por monopólio ou mesmo livre concorrência. A segunda é um modo indireto, por meio de leis que dispõe acerca da fiscalização, incentivos e planejamentos econômicos (FONSECA, 1995).
Conclusão
O Direito e a Economia encontram-se imbricados tanto quanto ambos à figura do Estado. Esse, utilizando-se de seu poder soberano manifestado a partir da vontade geral, faz brotar o Direito que irá, por conseguinte, dispor acerca da maneira como irá o Estado se comportar diante do fenômeno econômico. A gerência dos fatores econômicos é ordenada de maneira abstencionista ou regulamentada, por exemplo através da tributação ou criação de leis antitruste, que protegem o livre mercado de sua autofagia. Além disso, é necessário a segurança jurídica para que os negócios possam ser feitos de maneira previsível, melhorando, desta maneira, os cálculos acerca dos benefícios a longo prazo daquela transação. Portanto, esses três elementos da realidade humana são interconectados e se influenciam entre si.
Referências bibliográficas BOBBIO Norberto; MATTEUCCI Nicola; PASQUINO Gianfranco. Dicionário de política. 12 ed. Brasil: Imprensa Oficial SP, Editora UnB, 2002. BONAVIDES, Paulo. Teoria geral do estado. Brasil: Malheiros editores, 2015. ______. Ciência política. Brasil: Malheiros editores, 2012. DALLARI, Dalmo. Elementos de teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 2013. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. Rio de Janeiro: forense, 1995. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. Brasil: Malheiro editores, 2014). HEIMANN, Eduard. História das doutrinas econômicas: uma introdução à teoria econômica. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1976. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 8 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2010. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 35. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. O’SULLIVAN, Arthur; SHEFRIN, Steven; NISHIJIMA, Maislei. Introdução à economia: princípios fundamentais. Trad. Maria Lúcia G. L. Rosa. São Paulo: Prentice Hall, 2004. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Trad. de Eduardo Brandão. São Paulo: Penguin Classics, 2011. SMITH, Adam. A mão invisível. Trad. Paulo Geinger. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2013. VICENCONTI, Paulo Eduardo Vilchez; NEVES, Silvério das. Introdução à economia. São Paulo: Frase Editora, 2007. WEBER, Max. História geral da economia. São Paulo: Mestre Jou, 1968.
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Vilipêndio a cadáver é um crime que reflete a relação da sociedade com a dignidade humana, mesmo após a morte. Desde tempos antigos, civilizações atribuem um valor sagrado aos rituais fúnebres e ao corpo dos falecidos, entendendo que o respeito a esses aspectos é essencial para honrar não só a memória dos mortos, mas também a paz e a moral dos vivos.
Assim, leis surgiram para proteger essa dignidade, garantindo que o corpo e o descanso do falecido sejam preservados de qualquer ataque ou tratamento desrespeitoso. Vamos entender um pouco mais sobre isso.
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Abordagem histórica do vilipêndio ao cadáver
O sentimento que o homem tem em relação aos seus pares atravessou os séculos, gerações e a seleção natural. É uma característica intrínseca ao homo sapiens a capacidade de se afeiçoar aos outros de sua mesma espécie, permitindo que laços sejam criados como forma de facilitar a convivência em sociedade.
É por meio dele que se constroem os pilares das relações humanas, que vão guiar os homens por toda a vida e permitir que eles se unam com base tanto pela relação sanguínea quanto pela afetiva.
Esse sentimento não desparece após a morte de um ente querido, pelo contrário. Não são raras às vezes em que a dor da perda é responsável por unir e aproximar. O ritual fúnebre é a forma pelo qual as pessoas se despedem e isso é característica de todos os povos, independente de raça ou religião.
É nesse momento em que se cultua sua memória, integridade, história e imagem, de forma que esses valores transcendam sua morte. Além de ser uma forma de preservar a imagem do morto, também é o meio encontrado para acalentar os familiares pela dor da perda, que é sempre inevitável.
O culto aos mortos é comum a quase todas as épocas e quase todos os povos, vindo da Grécia antiga o costume de guardar luto, acender velas, levar coroas e flores. Segundo relato de Freud, o luto é uma forma de sobrevivência. É a forma usada pelos os que sobrevivem para lidar com a perda de alguém que continuará a ser querido, mesmo que não se encontre mais presente junto aos demais.
Se cadáver é o corpo humano que viveu, então o respeito que se deve aos mortos é consequência da vida que eles tiveram, da sua memória e do que fizeram em vida.
Vilipêndio ao cadáver e o Direito
No sentido tanto de proteger tanto a memória do morto quanto preservar os seus familiares nesse momento delicado, o Código Penal traz, em seu Título V, os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos.
O legislador uniu essas duas espécies de crimes em um só Título por conta da afinidade entre eles, já que o sentimento religioso e o respeito aos mortos consistem valores éticos e morais que se assemelham, posto que o tributo que se dá a eles advém de um caráter religioso que se propagou ao longo dos séculos, abordando, assim, o vilipêndio ao cadáver.
O artigo 212 do referido diploma legal apresenta a tipificação relacionada ao vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas, cominando pena de detenção de um a três anos, além de multa. O bem jurídico tutelado nesse caso é o sentimento de respeito aos mortos, já que o de cujus não é considerado titular de direito.
Assim, tutelar esse direito possui um caráter social e por isso que o sujeito passivo dos crimes contra o respeito aos mortos também é o Estado, já que ele é a personificação da coletividade e tem a missão de protegê-la como um dos seus interesses primordiais. O vilipêndio ao cadáver, segundo Rogério Sanches da Cunha, em Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P. 433, se define como:
É crime de execução livre, podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362).
Assim, a tipificação legal do vilipêndio é clara em nosso ordenamento jurídico e não deixa margem para dúvidas quanto a sua interpretação. Todavia, com o advento da internet e da rápida disseminação de imagens e informações, o vilipêndio ao cadáver ganhou novas formas de ser praticada.
Vilipêndio ao cadáver no mundo digital
O compartilhamento de fotos e vídeos que claramente desrespeitam a imagem do morto se propaga de firma assombrosa pela rede mundial de computadores em questão de minutos. Em casos de acidentes ou crimes brutais, muitas vezes as imagens chegam às redes sociais antes mesmo que as autoridades policiais e locais sejam comunicadas do ocorrido.
Este fato acaba gerando empecilhos às investigações, já que na tentativa macabra de registrar o ocorrido, as pessoas acabam contaminando a cena do crime e, consequentemente, prejudicando as investigações, tudo em prol de um motivo injustificável.
Não se pode alegar, entretanto, que essa forma de cometer o vilipêndio ao cadáver é uma das mazelas do século XXI. Antigamente a prática já existia, mas como as informações não se propagavam tão rapidamente, as imagens eram armazenadas em disquetes ou CD’s e levavam anos para serem expostas.
Hoje, ao contrário, a facilidade com que os arquivos digitais podem ser compartilhados, copiados e propagados atropela as ponderações sobre o certo e errado, bem e mal, engraçado e depreciativo.
Não é raro o internauta se deparar com imagens de corpos completamente desfigurados, que circulam pelas redes sociais de forma incessante, em um claro desrespeito à memória do morto e ao sentimento de pesar da família.
Assim, a família, além de ter que lidar com a dor da perda, ainda precisa suportar a situação vexatória de ver imagens do ente querido expostas aos olhos do mundo. Um momento provado torna-se público da pior maneia possível, gerando traumas e danos de difícil reparação.
O vilipêndio ao cadáver que acontece por meio do compartilhamento das fotos ou vídeos, entretanto, apesar de ser fato atípico para o Direito Penal, se insere na seara do Direito Civil e gera ilícito, já que quem provoca dano a outrem é obrigado a repará-lo, conforme se depreende dos artigos 186 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), os quais seguem transcritos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
O dano em questão trata-se, no caso do vilipêndio, da situação vexatória que a família do morto sofre ao se deparar com fotos ou vídeos do ente querido sendo compartilhados indiscriminadamente como se fossem motivo de diversão aos olhos de um público que se satisfaz com o sofrimento alheio. Este é o motivo pelo qual a conduta de divulgar merece tanto repúdio quanto a de quem fornece as imagens.
Dessa forma, busca o Estado, na sua qualidade de protetor da sociedade, preservar a memória do morto e evitar a situação vexatória pela qual a família passa. Quando isso não se configura possível, deve o Estado reparar o sofrimento causado à família da vítima como forma de modelo corretivo para evitar que tais condutas continuem a ser praticadas.
A atitude de quem divulga e compartilha tais imagens é reprovada jurídica e socialmente, com punições para ambos os casos. Não é por a internet ser um território aparentemente livre e onde todos podem expor suas opiniões que os direitos perdem as suas garantias fundamentais, motivo pelo qual se torna necessário ponderar antes de compartilhar e facilitar a propagação de qualquer conteúdo, e em especial os que são visivelmente prejudiciais e vexatórios. As responsabilizações cíveis e criminais, dependendo da conduta, existem e são aplicadas, mas a maioria das pessoas infelizmente só dá conta disso quando já é tarde demais.
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Referências:
BRASIL. Código Penal Brasileiro (1940). Código Penal Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 1940.
BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
SOUZA, Gláucia Martinhago Borges Ferreira de. A era digital e o vilipêndio ao cadáver. Disponível em: <http://gaumb.jusbrasil.com.br/artigos/184622172/a-era-digital-e-o-vilipendio-a-cadaver>. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
CUNHA, Rogério Sanches da. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P.433
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Artigos
A Convenção de Nova York e a necessidade de atualizações
Publicado
3 meses atrásem
1 de setembro de 2024A Convenção de Nova York foi instituída em 1958 e, desde aquela época, o seu texto não foi modificado de forma direta. Somente em 2006 foi reunida uma Assembleia Geral que emitiu um documento explicitando como deveria ser a interpretação de alguns dispositivos jurídicos deste tratado à luz do desenvolvimento tecnológico das últimas décadas.
Esta atualização, entretanto, em nenhum momento fez menção ao artigo 1º da Convenção de Nova York, sendo este justamente o dispositivo jurídico que impediria a aplicação deste tratado para as sentenças arbitrais eletrônicas. Alguns defendem que este acordo não necessitaria de atualizações. Na verdade, o que seria mandatório era a instituição de uma nova convenção voltada exclusivamente para a arbitragem eletrônica.
Apesar da clara dificuldade de este acordo vir a ser elaborado, e da esperada demora para que a convenção venha a ser reconhecida amplamente na comunidade internacional, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional tem defendido essa tese para as arbitragens envolvendo relações consumeristas. Em 2013, este órgão internacional publicou um documento em que defendia essa posição:
The Working Group may also wish to recall that at its twenty-second session, albeit in the context of arbitral awards arising out of ODR procedures, it considered that a need existed to address mechanisms that were simpler than the enforcement mechanism provided by the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards (New York, 1958), given the need for a practical and expeditious mechanism in the context of low-value, high-volume transactions.1
Pode-se perceber, portanto, que esta não é a solução que melhor se alinha com o pleno desenvolvimento da arbitragem eletrônica na seara internacional. O melhor, portanto, seria atualizar o art. 1º da Convenção de Nova York para que o mesmo passe a abranger o processo arbitral eletrônico.
Outro artigo da Convenção de Nova York que necessita de atualização é a alínea d do seu artigo 5º, que assim estipula:
Article V. Recognition and enforcement of the award may be refused, at the request of the party against whom it is invoked, only if that party furnishes to the competent authority where the recognition and enforcement is sought, proof that:
(…)
(d) The composition of the arbitral authority or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties, or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place;2
No âmbito da arbitragem eletrônica, caso as partes não tenham definido como o procedimento será regulado, pode ser muito difícil discernir se o processo arbitral esteve de acordo com a lei do local da arbitragem. Afinal, conforme tratou-se em outra parte deste trabalho, a definição desta pode ser extremamente dificultosa.
Logo, na prática jurídica, a solução mais viável atualmente seria obrigar as partes de um processo arbitral eletrônico a sempre definirem da maneira mais completa possível como a arbitragem irá proceder.
Esta obrigatoriedade pode prejudicar a popularidade daquela, pois, com isso, cria-se mais uma condição para que este tipo de processo venha a ocorrer de modo legítimo, dificultando, pois, a sucessão do mesmo. Apesar disso, esta solução seria a que causaria menos dano para a arbitragem eletrônica no âmbito internacional.
Além disso, a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional estipula em seu artigo 20:
Article 20. The parties are free to agree on the place of arbitration. Failing such agreement, the place of arbitration shall be determined by the arbitral tribunal having regard to the circumstances of the case, including the convenience of the parties.3
Logo, segundo esta lei-modelo, é perfeitamente cabível às partes escolherem o local em que o processo arbitral ocorrerá, havendo, portanto, a aplicação do que parte da doutrina chama de forum shopping, ou seja, a escolha do foro mais favorável por parte do autor (Del’Olmo, 2014, p. 398).
É válido ressaltar, ainda, que a lei-modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional serve como base para a lei de arbitragem de mais de 60 países, estando presente em todos os continentes (Moses, 2012, p. 6-7). Com isso, demonstra-se que a necessidade da escolha do local do processo arbitral eletrônico estaria de acordo com o atual estágio de desenvolvimento da arbitragem internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in Investment Treaty Law. 1ª ed. London: Cambridge University Press, 2011;
DEL’OLMO, F. S. Curso de Direito Internacional Privado. 10.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
EMERSON, Franklin D. History of Arbitration Practice and Law. In: Cleveland State Law Review. Cleveland,vol. 19, nº 19, p. 155-164. Junho 1970. Disponível em: <http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2726&context=clevstlrev> Acesso em: 18. mar. 2016.
GABBAY, Daniela Monteiro; MAZZONETTO, Nathalia ; KOBAYASHI, Patrícia Shiguemi . Desafios e Cuidados na Redação das Cláusulas de Arbitragem. In: Fabrício Bertini Pasquot Polido; Maristela Basso. (Org.). Arbitragem Comercial: Princípios, Instituições e Procedimentos, a Prática no CAM-CCBC. 1ed.São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. 1, p. 93-130
GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
HERBOCZKOVÁ, Jana. Certain Aspects of Online Arbitration. In: Masaryk University Law Review. Praga, vol. 1, n. 2, p. 1-12. Julho 2010. Disponível em: < http://www.law.muni.cz/sborniky/dp08/files/pdf/mezinaro/herboczkova.pdf> Acesso em 19. mai. 2016;
HEUVEL, Esther Van Den. Online Dispute Resolution as a Solution to Cross-Border E-Disputes an Introduction to ODR. OECD REPORT. Paris, vol. 1. n. 1. p. 1-31. Abril de 2003. Disponível em: <www.oecd.org/internet/consumer/1878940.pdf> Acesso em: 10 abril. 2016;
KACKER, Ujjwal; SALUJA, Taran. Online Arbitration For Resolving E-Commerce Disputes: Gateway To The Future. Indian Journal of Arbitration Law. Mumbai, vol. 3. nº 1. p. 31-44. Abril de 2014. Disponível em: < http://goo.gl/FtHi0A > Acesso em 20. mar. 2016;
Artigos
O que é uma Associação Criminosa para o Direito em 2024
Publicado
3 meses atrásem
27 de agosto de 2024A associação criminosa, no direito brasileiro, é configurada quando três ou mais pessoas se unem de forma estável e permanente com o objetivo de praticar crimes. Esse tipo de associação não se refere a um crime isolado, mas à criação de uma organização que visa à prática de atividades ilícitas de maneira contínua e coordenada.
Veja-se como está disposto no Código Penal, litteris:
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Elementos Característicos da Associação Criminosa
Em primeiro lugar, para configurar a associação criminosa, é necessário que haja a participação de, no mínimo, três pessoas. Se o grupo for formado por apenas duas pessoas, pode caracterizar-se como “concurso de pessoas” em vez de associação criminosa.
Outro aspecto essencial para que seja possível a tipificação é que a associação criminosa deve ter como finalidade a prática de crimes. A existência de um propósito comum e a estabilidade do grupo são fundamentais para a configuração do delito.
Além disso, diferente da mera coautoria em um crime específico, a associação criminosa exige uma relação contínua e duradoura entre os membros, com a intenção de cometer crimes de forma reiterada.
Concurso de Pessoas, Organização Criminosa e Associação Criminosa
É importante diferenciar a associação criminosa de outros crimes semelhantes, como o crime de organização criminosa, previsto na Lei nº 12.850/2013.
A organização criminosa, além de exigir um número maior de participantes (mínimo de quatro pessoas), envolve uma estrutura organizada, com divisão de tarefas e objetivo de praticar crimes graves, especialmente aqueles previstos no rol da lei de organizações criminosas.
No caso da associação criminosa, como já observamos, não é necessário uma organização minuciosa, bastando um conluio de pessoas que tenham por objetivo comum a prática de crimes de maneira habitual.
Ademais, outra importante diferença que possa ser apontada entre o crime de associação criminosa e concurso de pessoas; é que na associação criminosa pouco importa se os crimes, para os quais foi constituída, foram ou não praticados.
Além do vínculo associativo e da pluralidade de agentes, o tipo requer, ainda, que a associação tenha uma finalidade especial, qual seja, a de praticar crimes, e para a realização do tipo não necessitam serem da mesma espécie. Insista-se, os crimes, para que se aperfeiçoe o tipo, não necessitam que tenham sido executados, haja vista que a proteção vislumbrada pelo tipo é a da paz pública.
Para o Superior Tribunal de Justiça, é essencial que seja comprovada a estabilidade e a permanência para fins de caracterização da associação criminosa, veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, para a subsunção do comportamento do acusado ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imperiosa a demonstração da estabilidade e da permanência da associação criminosa.
2. Na espécie, não foram apontados elementos concretos que revelassem vínculo estável, habitual e permanente dos acusados para a prática do comércio de estupefacientes. O referido vínculo foi presumido pela Corte estadual em razão da quantidade dos entorpecentes, da forma de seu acondicionamento e do tempo decorrido no transporte interestadual, não ficando demonstrado o dolo associativo duradouro com objetivo de fomentar o tráfico, mediante uma estrutura organizada e divisão de tarefas.
3. Para se alcançar essa conclusão, não é necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, pois a dissonância existente entre a jurisprudência desta Corte Superior e o entendimento das instâncias ordinárias revela-se unicamente jurídica, sendo possível constatá-la da simples leitura da sentença condenatória e do voto condutor do acórdão impugnado, a partir das premissas fáticas neles fixadas.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 862.806/AC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.)
Interessante observar um pouco mais sobre as diferenças entre organizações criminosas e associações criminosas aqui.
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Outros Aspectos Importantes
O art. 8° da Lei 8.072/90 prevê uma circunstância qualificadora, que eleva a pena de reclusão para três a seis anos, quando a associação visar a prática de crimes hediondos ou a eles equiparados.
Importante, ainda, não confundir o crime previsto no Código Penal com o estipulado na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) e na Lei n. 12.830/13 (art. 1º, parágrafo 2º). A Lei 11.343/2006, no seu art. 35, pune com reclusão de 3 a 1 0 anos associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas (art. 33) ou de maquinários (art. 34). Nas mesmas penas incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 (financiamento do tráfico).
A Lei n° 12.850/13 define, em seu art. 1 °, § 2°, a organização criminosa como sendo a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.
No art. 2°, referida Lei pune, com reclusão de três a oito anos, e multa, as condutas de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.
Por fim, como já foi dito, é imprescindível observar com atenção cada uma das elementares típicas dos crimes aqui narrados. O art. 288 traz uma previsão geral para o crime de associação criminosa, enquanto que nos demais tipos da legislação esparsa vislumbra-se a aplicação específica em situações peculiares, ainda que possam guardar semelhanças, esses são tipos que possuem elementares diversas.
Importante atentar-se sempre para o princípio da especialidade e as situações fáticas de cada caso concreto para que se amolde ao tipo penal mais adequado.
Não esqueçamos que o bem jurídico tutelado pelo tipo do art. 288 do CP é a paz pública. A pena cominada ao delito admite a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95). A ação penal será pública incondicionada.
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REFERÊNCIAS:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa – 13. ed. rec., ampl. e atual. de acordo com as Leis n. 12.653, 12.720, de 2012 – São Paulo, Saraiva, 2013, 537 p.
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