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MP 927 (Coronavírus) e seus efeitos nos contratos de trabalho.

Redação Direito Diário

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Atualizado pela última vez em

 por Ingrid Carvalho

Os impactos da MP nº 927/2020 nos contratos de trabalho – Por Arthur Fortunato.

Muito se discutia sobre a flexibilização de dispositivos da CLT para frear ou amenizar os efeitos danosos trazidos pela pandemia do COVID-19 (coronavírus) às relações de emprego.

Apesar de a CLT prever algumas situações específicas em caso de força maior ou fato fortuito visando preservar essas relações, o cenário de incertezas e inseguranças, tanto para os empregadores e principalmente para os trabalhadores era grande e assustador.

Diante disso e com o intuito de evitar a dispensa em massa de trabalhadores pelas empresas e também de amenizar os impactos financeiros para estas, em tempos de calamidade e emergência na saúde pública (Decreto nº 6 de 20/03/2020 e Lei 13.979/2020), é que foi publicada no dia 22/03/2020 a Medida Provisória de nº 927/2020, da qual passamos a discorrer ponto a ponto.

Da vigência.

A  MP 927/2020 terá sua vigência diferida no tempo enquanto durar o estado de calamidade pública, que conforme decreto legislativo nº 6, art. 1º, é até 31 de dezembro de 2020.

Além disso, o estado de calamidade consta expressamente do parágrafo único do art. 1º da MP 927/2020 como hipótese de força maior, do artigo 501 da CLT, autorizando outras medidas previstas no texto trabalhista além das elencadas no texto da MP.

Da abrangência.

A medida provisória dispõe em seu artigo 32 que suas disposições abrangem o trabalhador rural (Lei  6.019/74), trabalhador temporário (Lei 5.889/73) e no que couber ao doméstico (Lei complementar nº 150), ressalvando que se aplica em relação à jornada, banco de horas e férias. Obviamente, aos empregados públicos, já que regidos pela CLT.

Da prevalência do acordo individual sobre o legislado e o negociado coletivamente.

Prevê a MP que empregador e empregado podem formalizar acordo individual escrito com a finalidade de garantia de emprego, tendo este preponderância sobre instrumentos normativos legais e negociais, respeitando, claro, os limites constitucionais.

Das medidas de enfrentamento dos efeitos econômicos advindos do estado de calamidade pública.

Elenca o artigo 3º da MP 927/2020 as medidas que podem ser adotadas pelos empregadores para amenizar o impacto financeiro advindo da situação em que se encontra o país, e são elas:

O Teletrabalho.

O empregador tem agora a faculdade de alterar o regime de trabalho do empregado, se compatível com sua atividade, ao teletrabalho, ao trabalho remoto ou qualquer tipo de trabalho à distância, independentemente de acordo ou convenção coletiva, não sendo obrigado ainda a registrar essa alteração no contrato de trabalho.

Portanto, basta que o empregador avise o empregado com 48h de antecedência (por escrito ou por meio eletrônico) da mudança de regime de trabalho, podendo cessar a qualquer tempo, voltando ao regime normal (art. 4º, caput, e §2º da MP 927/2020).

E quanto às despesas dos equipamentos utilizados para o trabalho (Computador, internet, insumos etc), quem paga?

A MP 927/2020, em seu artigo 4º, §3º, dispôs que os custos com aquisição, manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos e toda infraestrutura necessária e adequada ao trabalho, bem como o reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito firmado antes do início do novo regime ou em até 30 dias a contar da mudança deste.

Em seu artigo 4º, dispõe que se o empregado não possui os equipamentos ou infraestrutura necessárias para realização do trabalho o empregador poderá fornecê-los em regime de comodato e também pagar por serviços de infraestrutura, sem que isso caracterize verba de natureza salarial.

Caso o empregador não possa fornecer os equipamentos em regime de comodato para que o empregado possa trabalhar à distância, o tempo da jornada normal do trabalhador será computado como tempo à disposição do empregador, devendo ser pago normalmente.

Extrai-se daí que é facultado ao empregador fornecer as ferramentas de trabalho ao trabalhador para que este possa desenvolver suas atividades à distância, mas caso não aas forneça, deve pagar o empregado normalmente, pois que a jornada normal do trabalhador será computada como tempo à disposição, já que não possui os equipamentos para execução do trabalho e não os teve fornecidos pelo empregador.

No parágrafo 5º do mesmo artigo 4º da MP 927/2020, dispõe que o uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal não constitui tempo à disposição, prontidão ou sobreaviso e assim não deverá ser pago.

Outra novidade é a autorização de trabalho à distância para estagiários e aprendizes, vedado pela Lei 11.788/08, já que necessária a supervisão, agora há a flexibilização para permitir que também os estagiários e aprendizes possam trabalhar à distância, devendo ser supervisionados também à distância.

Há ressalva expressa na MP para que não se apliquem as regulamentações sobre teleatendimento e telemarketing ao teletrabalho, em razão das particularidades e peculiaridades em relação àqueles, sobretudo jornada de trabalho diferenciada.

Antecipação das férias individuais.

Aqui reside o dispositivo que mais deve ser aplicado pelas empresas neste momento de calamidade, a antecipação das férias individuais, pelas vantagens trazidas pela MP 927.

Dispõe o artigo 6º da MP que durante o estado de calamidade pública, o empregador informará ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado, flexibilizando os requisitos do artigo 135 da CLT.

As férias, no entanto, não poderão ser concedidas em períodos inferiores a cinco dias corridos e poderão ser concedidas pelo empregador ainda que o período aquisitivo não tenha transcorrido completamente.

Além disso, a MP prevê que poderão ser negociados entre empregado e empregador mediante acordo individual escrito, a antecipação de períodos futuros de férias, antecipando férias de períodos aquisitivos que ainda estão por vir.

O §3º do artigo 6º determina que o empregador dê prioridade de férias aos trabalhadores que estão no grupo de risco do coronavírus (idosos e pessoas com doenças crônicas, pessoais com imunidade baixa, etc).

Estabelece o §4º do mesmo artigo que durante o estado de calamidade pública o empregador poderá suspender as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais da área da saúde ou aqueles que desempenham funções essenciais, mediante comunicado formal a ser entregue ao trabalhador com antecedência de 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico.

Acerca do pagamento das férias houve grande flexibilização, por isso essa parte da MP será bastante usada pelos empregadores. O pagamento da remuneração das férias pode ser feito a critério do empregador até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias, ou seja, data já legalmente estabelecida para recebimento do salário, não havendo qualquer ônus antecipado à empresa que conceder férias individuais.

Além disso, o terço constitucional de férias pode ser pago pelo empregador, a seu critério, no momento do pagamento da remuneração relativa às férias ou até a data que é devida a gratificação natalina (art. 1º da Lei nº 4.749/65), ou seja, até 20 de dezembro.

Mas e se eu quiser “vender” parte das minhas férias? O parágrafo único do artigo 8º da MP dispõe que eventual requerimento por parte do empregado de conversão de um terço de férias em abono pecuniário estará sujeito à concordância do empregador, aplicável o prazo a que se refere o caput do artigo 8º, ou seja, o empregado poderá receber o abono até 20 de dezembro pelo empregador.

Caso o funcionário seja dispensado posteriormente, e ainda não tenha recebido o abano pecuniário ou o terço de férias, o empregador deve pagar na rescisão tais valores, não havendo que se aguardar até 20 de dezembro para recebe-los.

Importante lembrar ainda que cabe ao empregador decidir se antecipa ou não férias do empregado, portanto, se assim decidir o empregador, cabe ao empregado acatar a decisão.

Concessão de férias coletivas.

Em relação às férias coletivas não houve grandes mudanças, e daí porque referido dispositivo não deve ser muito utilizado, sobretudo por ser mais oneroso.

Em relação às férias coletivas a MP 927/2020 somente flexibilizou o prazo de comunicação, para 48 horas de antecedência que antes era de 15 dias, o limite de períodos anuais e a duração mínima desses períodos, que na CLT (art. 139) são apenas 2 períodos anuais de no mínimo 10 dias.

A MP dispensou também a comunicação prévia ao órgão do Ministério da Economia e aos sindicatos.

Não há, portanto, flexibilização em relação ao pagamento do terço constitucional e da respectiva remuneração de férias, mantendo-se os demais termos conforme artigo 135 da CLT, razão pela qual férias coletivas se tornam mais onerosas neste momento para empresas com muitos funcionários.

A antecipação dos feriados.

Outra alternativa para manutenção dos empregos e manutenção das empresas no período de calamidade é a antecipação dos feriados não religiosos tanto federais, estaduais, municipais e distritais, devendo o empregador notificar por escrito ou por meio eletrônico os empregados, com quarenta e oito horas de antecedência, indicando os feriados que estão sendo antecipados.

Tal medida tem que ser autorizada pelo empregado, através de acordo individual escrito com o empregador, caso concorde com a antecipação.

Há também autorização do artigo 13, §1º da MP para que os feriados não religiosos possam ser utilizados para compensação de saldo em banco de horas.

Banco de horas.

Com a MP 927/2020 o prazo para compensação das horas constantes de banco de horas será de até 18 meses, contados do encerramento do estado de calamidade pública (31/12/2020), prazo este que antes era de até 6 meses para acordos individuais e até 1 ano se fosse por força de acordo ou convenção coletiva (art. 59, §§2º e 5º da CLT).

A compensação das horas será feita por prorrogação de até 2 horas na jornada, não podendo a jornada exceder dez horas diárias.

A compensação pode ser determinada pelo empregador independente de autorização em convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo de trabalho.

O intuito de tal dispositivo é a criação de banco de horas exclusivo para o período de calamidade, já que poderá haver interrupções nas atividades empresariais pelo tempo que for necessário, com um prazo mais dilatado para compensação dessas horas.

Suspensão das exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho.

No referido ponto houve flexibilização da realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e exames complementares, com exceção do exame demissional, que deverão ser realizados em até 60 dias após o fim da calamidade

Houve também flexibilização dos treinamentos periódicos dos empregados, por ocasião das normas regulamentadoras, que poderão ser realizados em até 90 dias do encerramento do estado de calamidade, podendo ainda ser feitos por ensino à distância.

As CIPA’s poderão ser mantidas até o fim do estado de calamidade e os processos de eleição para novos membros que estiverem em curso poderão ser suspensos.

Suspensão do contrato de trabalho e salário do empregado.

O ponto mais polêmico da MP reside em seu artigo 18, que permite, durante o estado de calamidade, a suspensão do contrato de trabalho, ou seja, o funcionário não trabalha e também não recebe a respectiva contraprestação.

Tal suspensão se daria para participação do empregado a curso ou programa de qualificação profissional por até quatro meses, prazo máximo em que duraria também a suspensão.

Referida suspensão não dependeria de acordo ou convenção coletiva, bastando apenas acordo individual e que se constasse da carteira de trabalho a suspensão para qualificação.

Poderia ainda o empregador conceder ao empregado uma ajuda compensatória, sem natureza salarial, cujo valor deveria ser definido entre empregado e empregador.

Referido dispositivo, na atual conjuntura do país, obviamente, não foi visto com bons olhos, sendo alvo de duras críticas, razão pela qual, no dia 23/03/2020 foi editada a Medida Provisória 928/2020, revogando referido art. 18 da MP 927/2020, sem maiores prejuízos aos empregados em relação a tal ponto.

FGTS.

A medida provisória também diferiu o prazo para depósitos de FGTS das competências de março, abril e maio, podendo ser recolhidas, inclusive, em seis parcelas a partir de julho/2020, suspendendo a exigibilidade do recolhimento, neste momento, pelos empregadores.

Caso haja rescisão do contrato de trabalho nesse interregno, os recolhimentos terão de ser feitos, não havendo incidência de multas e encargos.

Jornada dos profissionais da saúde.

O artigo 26 da MP, autoriza, mediante acordo individual escrito entre empregado e empregador a prorrogação de jornada dos profissionais da saúde, mesmo em atividade insalubre, autorizando adotar escalas de horas suplementares que podem ir da 13ª a 24ª hora do intervalo, sem qualquer penalidade administrativa, garantido o direito ao repouso semanal remunerado.

O que quer dizer que os profissionais da saúde, mesmo aqueles expostos a agente nocivos, poderão laborar até 24 horas, em escala. Essas horas suplementares poderão fazer parte de banco de horas, a serem compensadas em até dezoito meses após o encerramento do estado de calamidade ou poderão ser remuneradas como extras.

Acidente de trabalho.

O artigo 29 da MP diz que os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto se comprovado o nexo causal. Ao assim proceder, não há presunção de que a contaminação é equiparada a acidente de trabalho, pelo fato de que o vírus de dissemina exponencialmente e o risco de contágio é potencialmente alto. Assim sendo, se comprovado o nexo entre a doença e o trabalho, é possível a caracterização como acidente de trabalho e todos seus consectários (percebimento de benefício acidentário, estabilidade de emprego, recolhimento do FGTS do período de afastamento e dano moral e material, se for o caso).

Da flexibilização da fiscalização do trabalho.

O artigo 31 da MP torna maleável a fiscalização do trabalho, excetuando-se as situações de autuação por não anotação de CTPS, situação consideradas graves, acidente de trabalho fatal e trabalho em condição análoga à de escravo.

Antecipação do 13º dos que recebem benefício do INSS.

Trata o artigo 34 e 35 da MP sobre o adiantamento do abono dos que recebem benefícios do INSS, sendo que a primeira parcela, de 50% do valor do benefício, será paga juntamente com os benefícios da competência de abril, que são pagos até o 5º dia útil de maio e os outros 50% serão pagos juntamente com os benefícios da competência de maio, ou seja, até o 5º dia útil de junho.

Da convalidação das medidas adotadas pelos empregadores antes da emenda.

Dispõe o artigo 36 da MP que ficam convalidadas as medidas trabalhistas as medidas trabalhistas adotadas pelos empregadores até 30 dias antes da publicação da emenda (22/02/2020 em diante), desde que não contrariem as disposições da emenda.

Conclusão.

Diante do cenário de calamidade que o país se encontra, medidas devem ser tomadas tanto para garantir a saúde financeira das empresas, geradoras de empregos, quanto para garantir também o emprego e o salário dos trabalhadores. Neste momento, o bom senso, a proporcionalidade e a razoabilidade devem imperar, para que não haja retrocesso nos direitos básicos sociais, sobretudo daqueles que mais necessitam em um momento como o atual.

O instante é de união, diálogo e concessões mútuas. Mais medidas deverão vir, que sejam proporcionais e razoáveis e que possam amenizar, de fato, os impactos da crise tanto ao trabalhador quanto ao empregador.

Há vários pedidos de aditivos à presente emenda 927/2020, aguardemos os próximos capítulos.

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O Vilipêndio ao Cadáver na Era Digital

Redação Direito Diário

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em

vilipêndio ao cadáver

Vilipêndio a cadáver é um crime que reflete a relação da sociedade com a dignidade humana, mesmo após a morte. Desde tempos antigos, civilizações atribuem um valor sagrado aos rituais fúnebres e ao corpo dos falecidos, entendendo que o respeito a esses aspectos é essencial para honrar não só a memória dos mortos, mas também a paz e a moral dos vivos.

Assim, leis surgiram para proteger essa dignidade, garantindo que o corpo e o descanso do falecido sejam preservados de qualquer ataque ou tratamento desrespeitoso. Vamos entender um pouco mais sobre isso.

Veja mais: Direito Digital e LGPD: livros para ficar por dentro em 2024

Abordagem histórica do vilipêndio ao cadáver

O sentimento que o homem tem em relação aos seus pares atravessou os séculos, gerações e a seleção natural. É uma característica intrínseca ao homo sapiens a capacidade de se afeiçoar aos outros de sua mesma espécie, permitindo que laços sejam criados como forma de facilitar a convivência em sociedade.

É por meio dele que se constroem os pilares das relações humanas, que vão guiar os homens por toda a vida e permitir que eles se unam com base tanto pela relação sanguínea quanto pela afetiva.

Esse sentimento não desparece após a morte de um ente querido, pelo contrário. Não são raras às vezes em que a dor da perda é responsável por unir e aproximar. O ritual fúnebre é a forma pelo qual as pessoas se despedem e isso é característica de todos os povos, independente de raça ou religião.

É nesse momento em que se cultua sua memória, integridade, história e imagem, de forma que esses valores transcendam sua morte. Além de ser uma forma de preservar a imagem do morto, também é o meio encontrado para acalentar os familiares pela dor da perda, que é sempre inevitável.

O culto aos mortos é comum a quase todas as épocas e quase todos os povos, vindo da Grécia antiga o costume de guardar luto, acender velas, levar coroas e flores. Segundo relato de Freud, o luto é uma forma de sobrevivência. É a forma usada pelos os que sobrevivem para lidar com a perda de alguém que continuará a ser querido, mesmo que não se encontre mais presente junto aos demais.

Se cadáver é o corpo humano que viveu, então o respeito que se deve aos mortos é consequência da vida que eles tiveram, da sua memória e do que fizeram em vida.

Vilipêndio ao cadáver e o Direito

No sentido tanto de proteger tanto a memória do morto quanto preservar os seus familiares nesse momento delicado, o Código Penal traz, em seu Título V, os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos.

O legislador uniu essas duas espécies de crimes em um só Título por conta da afinidade entre eles, já que o sentimento religioso e o respeito aos mortos consistem valores éticos e morais que se assemelham, posto que o tributo que se dá a eles advém de um caráter religioso que se propagou ao longo dos séculos, abordando, assim, o vilipêndio ao cadáver.

O artigo 212 do referido diploma legal apresenta a tipificação relacionada ao vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas, cominando pena de detenção de um a três anos, além de multa. O bem jurídico tutelado nesse caso é o sentimento de respeito aos mortos, já que o de cujus não é considerado titular de direito.

Assim, tutelar esse direito possui um caráter social e por isso que o sujeito passivo dos crimes contra o respeito aos mortos também é o Estado, já que ele é a personificação da coletividade e tem a missão de protegê-la como um dos seus interesses primordiais. O vilipêndio ao cadáver, segundo Rogério Sanches da Cunha, em Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P. 433, se define como:

É crime de execução livre, podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362).

Assim, a tipificação legal do vilipêndio é clara em nosso ordenamento jurídico e não deixa margem para dúvidas quanto a sua interpretação. Todavia, com o advento da internet e da rápida disseminação de imagens e informações, o vilipêndio ao cadáver ganhou novas formas de ser praticada.

Vilipêndio ao cadáver no mundo digital

O compartilhamento de fotos e vídeos que claramente desrespeitam a imagem do morto se propaga de firma assombrosa pela rede mundial de computadores em questão de minutos. Em casos de acidentes ou crimes brutais, muitas vezes as imagens chegam às redes sociais antes mesmo que as autoridades policiais e locais sejam comunicadas do ocorrido.

Este fato acaba gerando empecilhos às investigações, já que na tentativa macabra de registrar o ocorrido, as pessoas acabam contaminando a cena do crime e, consequentemente, prejudicando as investigações, tudo em prol de um motivo injustificável.

Não se pode alegar, entretanto, que essa forma de cometer o vilipêndio ao cadáver é uma das mazelas do século XXI. Antigamente a prática já existia, mas como as informações não se propagavam tão rapidamente, as imagens eram armazenadas em disquetes ou CD’s e levavam anos para serem expostas.

Hoje, ao contrário, a facilidade com que os arquivos digitais podem ser compartilhados, copiados e propagados atropela as ponderações sobre o certo e errado, bem e mal, engraçado e depreciativo.

Não é raro o internauta se deparar com imagens de corpos completamente desfigurados, que circulam pelas redes sociais de forma incessante, em um claro desrespeito à memória do morto e ao sentimento de pesar da família.

Assim, a família, além de ter que lidar com a dor da perda, ainda precisa suportar a situação vexatória de ver imagens do ente querido expostas aos olhos do mundo. Um momento provado torna-se público da pior maneia possível, gerando traumas e danos de difícil reparação.

O vilipêndio ao cadáver que acontece por meio do compartilhamento das fotos ou vídeos, entretanto, apesar de ser fato atípico para o Direito Penal, se insere na seara do Direito Civil e gera ilícito, já que quem provoca dano a outrem é obrigado a repará-lo, conforme se depreende dos artigos 186 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), os quais seguem transcritos:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

O dano em questão trata-se, no caso do vilipêndio, da situação vexatória que a família do morto sofre ao se deparar com fotos ou vídeos do ente querido sendo compartilhados indiscriminadamente como se fossem motivo de diversão aos olhos de um público que se satisfaz com o sofrimento alheio. Este é o motivo pelo qual a conduta de divulgar merece tanto repúdio quanto a de quem fornece as imagens.

Dessa forma, busca o Estado, na sua qualidade de protetor da sociedade, preservar a memória do morto e evitar a situação vexatória pela qual a família passa. Quando isso não se configura possível, deve o Estado reparar o sofrimento causado à família da vítima como forma de modelo corretivo para evitar que tais condutas continuem a ser praticadas.

A atitude de quem divulga e compartilha tais imagens é reprovada jurídica e socialmente, com punições para ambos os casos. Não é por a internet ser um território aparentemente livre e onde todos podem expor suas opiniões que os direitos perdem as suas garantias fundamentais, motivo pelo qual se torna necessário ponderar antes de compartilhar e facilitar a propagação de qualquer conteúdo, e em especial os que são visivelmente prejudiciais e vexatórios. As responsabilizações cíveis e criminais, dependendo da conduta, existem e são aplicadas, mas a maioria das pessoas infelizmente só dá conta disso quando já é tarde demais.

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Referências:

BRASIL. Código Penal Brasileiro (1940). Código Penal Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 1940.
BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
SOUZA, Gláucia Martinhago Borges Ferreira de.  A era digital e o vilipêndio ao cadáver. Disponível em: <http://gaumb.jusbrasil.com.br/artigos/184622172/a-era-digital-e-o-vilipendio-a-cadaver>. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
CUNHA, Rogério Sanches da. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P.433
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A Convenção de Nova York e a necessidade de atualizações

Redação Direito Diário

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A Convenção de Nova York foi instituída em 1958 e, desde aquela época, o seu texto não foi modificado de forma direta. Somente em 2006 foi reunida uma Assembleia Geral que emitiu um documento explicitando como deveria ser a interpretação de alguns dispositivos jurídicos deste tratado à luz do desenvolvimento tecnológico das últimas décadas.

Esta atualização, entretanto, em nenhum momento fez menção ao artigo 1º da Convenção de Nova York, sendo este justamente o dispositivo jurídico que impediria a aplicação deste tratado para as sentenças arbitrais eletrônicas. Alguns defendem que este acordo não necessitaria de atualizações. Na verdade, o que seria mandatório era a instituição de uma nova convenção voltada exclusivamente para a arbitragem eletrônica.

Apesar da clara dificuldade de este acordo vir a ser elaborado, e da esperada demora para que a convenção venha a ser reconhecida amplamente na comunidade internacional, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional tem defendido essa tese para as arbitragens envolvendo relações consumeristas. Em 2013, este órgão internacional publicou um documento em que defendia essa posição:

The Working Group may also wish to recall that at its twenty-second session, albeit in the context of arbitral awards arising out of ODR procedures, it considered that a need existed to address mechanisms that were simpler than the enforcement mechanism provided by the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards (New York, 1958), given the need for a practical and expeditious mechanism in the context of low-value, high-volume transactions.1

Pode-se perceber, portanto, que esta não é a solução que melhor se alinha com o pleno desenvolvimento da arbitragem eletrônica na seara internacional. O melhor, portanto, seria atualizar o art. 1º da Convenção de Nova York para que o mesmo passe a abranger o processo arbitral eletrônico.

Outro artigo da Convenção de Nova York que necessita de atualização é a alínea d do seu artigo 5º, que assim estipula:

Article V. Recognition and enforcement of the award may be refused, at the request of the party against whom it is invoked, only if that party furnishes to the competent authority where the recognition and enforcement is sought, proof that:

(…)

(d) The composition of the arbitral authority or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties, or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place;2

 No âmbito da arbitragem eletrônica, caso as partes não tenham definido como o procedimento será regulado, pode ser muito difícil discernir se o processo arbitral esteve de acordo com a lei do local da arbitragem. Afinal, conforme tratou-se em outra parte deste trabalho, a definição desta pode ser extremamente dificultosa.

Logo, na prática jurídica, a solução mais viável atualmente seria obrigar as partes de um processo arbitral eletrônico a sempre definirem da maneira mais completa possível como a arbitragem irá proceder.

Esta obrigatoriedade pode prejudicar a popularidade daquela, pois, com isso, cria-se mais uma condição para que este tipo de processo venha a ocorrer de modo legítimo, dificultando, pois, a sucessão do mesmo. Apesar disso, esta solução seria a que causaria menos dano para a arbitragem eletrônica no âmbito internacional.

Além disso, a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional estipula em seu artigo 20:

Article 20. The parties are free to agree on the place of arbitration. Failing such agreement, the place of arbitration shall be determined by the arbitral tribunal having regard to the circumstances of the case, including the convenience of the parties.3

 Logo, segundo esta lei-modelo, é perfeitamente cabível às partes escolherem o local em que o processo arbitral ocorrerá, havendo, portanto, a aplicação do que parte da doutrina chama de forum shopping, ou seja, a escolha do foro mais favorável por parte do autor (Del’Olmo, 2014, p. 398).

É válido ressaltar, ainda, que a lei-modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional serve como base para a lei de arbitragem de mais de 60 países, estando presente em todos os continentes (Moses, 2012, p. 6-7). Com isso, demonstra-se que a necessidade da escolha do local do processo arbitral eletrônico estaria de acordo com o atual estágio de desenvolvimento da arbitragem internacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in Investment Treaty Law. 1ª ed. London: Cambridge University Press, 2011; 
DEL’OLMO, F. S. Curso de Direito Internacional Privado. 10.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
EMERSON, Franklin D. History of Arbitration Practice and Law. In: Cleveland State Law Review. Cleveland,vol. 19,  nº 19, p. 155-164. Junho 1970. Disponível em: <http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2726&context=clevstlrev>  Acesso em: 18. mar. 2016.

 GABBAY, Daniela Monteiro; MAZZONETTO, Nathalia ; KOBAYASHI, Patrícia Shiguemi . Desafios e Cuidados na Redação das Cláusulas de Arbitragem. In: Fabrício Bertini Pasquot Polido; Maristela Basso. (Org.). Arbitragem Comercial: Princípios, Instituições e Procedimentos, a Prática no CAM-CCBC. 1ed.São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. 1, p. 93-130 
GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª ed.  São Paulo: Malheiros, 2009.

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O que é uma Associação Criminosa para o Direito em 2024

Redação Direito Diário

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associação criminosa

A associação criminosa, no direito brasileiro, é configurada quando três ou mais pessoas se unem de forma estável e permanente com o objetivo de praticar crimes. Esse tipo de associação não se refere a um crime isolado, mas à criação de uma organização que visa à prática de atividades ilícitas de maneira contínua e coordenada.

Veja-se como está disposto no Código Penal, litteris:

Art. 288.  Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.  

Parágrafo único.  A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.

Elementos Característicos da Associação Criminosa

Em primeiro lugar, para configurar a associação criminosa, é necessário que haja a participação de, no mínimo, três pessoas. Se o grupo for formado por apenas duas pessoas, pode caracterizar-se como “concurso de pessoas” em vez de associação criminosa.

Outro aspecto essencial para que seja possível a tipificação é que a associação criminosa deve ter como finalidade a prática de crimes. A existência de um propósito comum e a estabilidade do grupo são fundamentais para a configuração do delito.

Além disso, diferente da mera coautoria em um crime específico, a associação criminosa exige uma relação contínua e duradoura entre os membros, com a intenção de cometer crimes de forma reiterada.

Concurso de Pessoas, Organização Criminosa e Associação Criminosa

É importante diferenciar a associação criminosa de outros crimes semelhantes, como o crime de organização criminosa, previsto na Lei nº 12.850/2013.

A organização criminosa, além de exigir um número maior de participantes (mínimo de quatro pessoas), envolve uma estrutura organizada, com divisão de tarefas e objetivo de praticar crimes graves, especialmente aqueles previstos no rol da lei de organizações criminosas.

No caso da associação criminosa, como já observamos, não é necessário uma organização minuciosa, bastando um conluio de pessoas que tenham por objetivo comum a prática de crimes de maneira habitual.

Ademais, outra importante diferença que possa ser apontada entre o crime de associação criminosa e concurso de pessoas; é que na associação criminosa pouco importa se os crimes, para os quais foi constituída, foram ou não praticados.

Além do vínculo associativo e da pluralidade de agentes, o tipo requer, ainda, que a associação tenha uma finalidade especial, qual seja, a de praticar crimes, e para a realização do tipo não necessitam serem da mesma espécie. Insista-se, os crimes, para que se aperfeiçoe o tipo, não necessitam que tenham sido executados, haja vista que a proteção vislumbrada pelo tipo é a da paz pública.

Para o Superior Tribunal de Justiça, é essencial que seja comprovada a estabilidade e a permanência para fins de caracterização da associação criminosa, veja-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, para a subsunção do comportamento do acusado ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imperiosa a demonstração da estabilidade e da permanência da associação criminosa.

2. Na espécie, não foram apontados elementos concretos que revelassem vínculo estável, habitual e permanente dos acusados para a prática do comércio de estupefacientes. O referido vínculo foi presumido pela Corte estadual em razão da quantidade dos entorpecentes, da forma de seu acondicionamento e do tempo decorrido no transporte interestadual, não ficando demonstrado o dolo associativo duradouro com objetivo de fomentar o tráfico, mediante uma estrutura organizada e divisão de tarefas.

3. Para se alcançar essa conclusão, não é necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, pois a dissonância existente entre a jurisprudência desta Corte Superior e o entendimento das instâncias ordinárias revela-se unicamente jurídica, sendo possível constatá-la da simples leitura da sentença condenatória e do voto condutor do acórdão impugnado, a partir das premissas fáticas neles fixadas.

4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 862.806/AC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.)

Interessante observar um pouco mais sobre as diferenças entre organizações criminosas e associações criminosas aqui.

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Outros Aspectos Importantes

O art. 8° da Lei 8.072/90 prevê uma circunstância qualificadora, que eleva a pena de reclusão para três a seis anos, quando a associação visar a prática de crimes hediondos ou a eles equiparados.

Importante, ainda, não confundir o crime previsto no Código Penal com o estipulado na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) e na Lei n. 12.830/13 (art. 1º, parágrafo 2º). A Lei 11.343/2006, no seu art. 35, pune com reclusão de 3 a 1 0 anos associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas (art. 33) ou de maquinários (art. 34). Nas mesmas penas incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 (financiamento do tráfico).

A Lei n° 12.850/13 define, em seu art. 1 °, § 2°, a organização criminosa como sendo a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.

No art. 2°, referida Lei pune, com reclusão de três a oito anos, e multa, as condutas de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.

Por fim, como já foi dito, é imprescindível observar com atenção cada uma das elementares típicas dos crimes aqui narrados. O art. 288 traz uma previsão geral para o crime de associação criminosa, enquanto que nos demais tipos da legislação esparsa vislumbra-se a aplicação específica em situações peculiares, ainda que possam guardar semelhanças, esses são tipos que possuem elementares diversas.

Importante atentar-se sempre para o princípio da especialidade e as situações fáticas de cada caso concreto para que se amolde ao tipo penal mais adequado.

Não esqueçamos que o bem jurídico tutelado pelo tipo do art. 288 do CP é a paz pública. A pena cominada ao delito admite a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95). A ação penal será pública incondicionada.

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REFERÊNCIAS: 
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa – 13. ed. rec., ampl. e atual. de acordo com as Leis n. 12.653, 12.720, de 2012 – São Paulo, Saraiva, 2013, 537 p.
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