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Jurisprudencial

STJ anula punição imposta a presidiário que criava pombos em sua cela

Redação Direito Diário

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 por Ingrid Carvalho

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou punição aplicada a um presidiário pelas autoridades de uma penitenciária do interior de São Paulo. O motivo da punição seria um fato inusitado: o homem abrigava três pombos em sua cela.

A celeuma começou no dia 9 de dezembro de 2012, quando agentes penitenciários apreenderam três pombos que se encontravam debaixo da cama do detento. Foi então que instauraram procedimento administrativo disciplinar (PAD) contra o preso, em que se considerou que este cometera falta grave com base no art. 50, VI, da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984, mais conhecida como LEP). Tal dispositivo afirma que comete falta grave o condenado a pena privativa de liberdade que desobedece ou desrespeita qualquer ordem ou tarefa ordenada por servidor competente.

As autoridades teriam ordenado ao presidiário que entregasse os pombos por temerem que fossem usados como pombos-correio para transporte de objetos ilícitos. Ao serem supostamente desobedecidas, as autoridades instauraram o PAD que culminou com o reconhecimento de falta disciplinar de natureza grave e, por esse motivo, foi decretada a perda de 1/3 dos dias remidos, bem como reiniciada a contagem de prazo para fins de progressão de regime. O Juízo da Vara de Execuções Criminais de Sorocaba, interior de São Paulo, acabou por reconhecer essa punição.

A defesa interpusera agravo em execução penal tentando reverter a situação. Porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a punição, afirmando que, além de as aves serem capazes de transmitir doenças graves aos detentos, “pombas podem, em tese, ser usadas para outros fins, de sorte que a mera posse de tais aves no ambiente carcerário, seja a que título for, representa comportamento claro de desobediência à ordem e disciplina que regem um estabelecimento prisional”.

Foi então que a Defensoria Pública do estado de São Paulo impetrara habeas corpus alegando que o presidiário estaria sofrendo constrangimento ilegal, pois a conduta de portar aves em estabelecimento prisional seria totalmente atípica. Além disso, o apenado, segundo a impetrante, não portava qualquer objeto ilícito. A possibilidade de utilização dos pombos para fins ilegais seria mera suposição das autoridades, além de que esta não teria prolatado qualquer ordem direta e específica para que o apenado retirasse as aves.

A Sexta Turma do STJ, uma das duas turmas que lida com causas criminais da referida corte, ao julgar o habeas corpus, não deu a ele conhecimento, por estar sendo utilizado como sucedâneo recursal. Porém, concedera ex officio a ordem, anulando a falta grave imposta e tudo o mais dela decorrente.

O relator do habeas corpus, ministro Rogerio Schietti Cruz, afirmara, em seu voto, que, não obstante haver casos em que pombos realmente são usados para transporte ilícito de objetos para dentro de estabelecimento prisional, no presente caso, não houve qualquer comprovação de que réu estaria usando as aves para essa finalidade, mesmo este tendo assumido que um dos pombos realmente o pertencia.

O ministro complementa afirmando que as faltas graves estão taxativamente previstas no art. 50 da LEP, não admitindo, consoante jurisprudência do próprio STJ, interpretação extensiva para acrescentar condutas lá não previstas.

Por fim, afirmara Schietti que não houve sequer violação ao art. 50, VI, da LEP, pois não houve qualquer comprovação de que o preso efetivamente desobedecera alguma ordem direta destinada a ele por alguma autoridade administrativa competente, além de que não teria desrespeitado algum servidor ou qualquer outra pessoa, ou até mesmo deixado de executar alguma tarefa a ele imposta. Portanto, o caso relatado não se configuraria como falta grave, mas sem prejuízo de alguma falta disciplinar leve ou média que poderia se configurar.

Como afirmou o próprio ministro em seu voto, o uso de pombos-correio por presidiários parece ser uma prática cada vez mais comum. Um caso bastante recente ocorreu no dia 4 de agosto, em que um pombo fora encontrado em uma penitenciária da Zona Sul de São Paulo com um colete especialmente costurado para ele, em que carregava, nas costas, um celular. Segundo as autoridades da penitenciária, o animal direcionava-se a uma cela, mas caíra de cansaço por não ser acostumado a carregar um aparelho celular.


Referências

http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Sexta-Turma-afasta-puni%C3%A7%C3%A3o-de-preso-que-mantinha-pombos-embaixo-da-cama


Jurisprudencial

STJ: 5 Fatos Sobre Jurisprudência Dominante e Modulação

A jurisprudência dominante no STJ agora terá nova definição.

Redação Direito Diário

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STJ: 5 Fatos Sobre Jurisprudência Dominante e Modulação

A modulação de teses no STJ refere-se à adaptação das decisões judiciais em relação ao tempo e espaço, proporcionando segurança jurídica e previsibilidade. Defensores argumentam que ela garante equidade e respeita expectativas legítimas dos contribuintes. No entanto, críticos apontam que a modulação pode gerar insegurança para casos novos e aumentar a complexidade do sistema jurídico, além de possivelmente conflitar com princípios essenciais do direito. A discussão sobre a modulação é vital para entender sua aplicação e impacto no direito tributário brasileiro.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) está prestes a definir o conceito de jurisprudência dominante, um termo que pode parecer técnico, mas que tem implicações profundas para o direito tributário e a forma como as teses jurídicas são aplicadas no Brasil. Essa decisão não apenas influencia o entendimento da modulação temporal de teses, mas também pode redefinir a trajetória que muitos contribuintes enfrentam em suas obrigações fiscais. No cenário atual, a necessidade de clareza sobre o que é considerado jurisprudência dominante é mais relevante do que nunca, especialmente para aqueles que têm questões pendentes diante da corte. A corte, conhecida por suas decisões que moldam o panorama jurídico do país, cercada por um abismo de interpretações divergentes, começa a mapear um caminho para a uniformidade.

O que é jurisprudência dominante?

A jurisprudência dominante é um conceito jurídico que se refere à interpretação e aplicação uniforme de normas em decisões judiciais. Esse tipo de jurisprudência surge quando um determinado entendimento é consolidado nas decisões de um tribunal superior, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Brasil. Quando a jurisprudência se torna dominante, ela fornece previsibilidade e segurança jurídica para os cidadãos e empresas.

Características da Jurisprudência Dominante

Para que uma jurisprudência seja considerada dominante, alguns fatores são essenciais:

  1. Uniformidade: As decisões devem seguir um padrão consistente, evitando contradições.
  2. Repetição: O entendimento deve ser reiterado em várias decisões ao longo do tempo.
  3. Aceitação: A aceitação por uma ampla maioria de casos similares reforça a ideia de que a jurisprudência é dominante.

Importância da Jurisprudência Dominante

A jurisprudência dominante é importante porque proporciona:

  • Segurança Jurídica: Os cidadãos e empresas podem tomar decisões com maior segurança quando conhecem a interpretação predominante de uma norma.
  • Previsibilidade: Saber qual será o desfecho de uma demanda judicial torna o ambiente jurídico mais previsível.
  • Eficiência: Com um entendimento consolidado, os processos judiciais tendem a ser mais rápidos, uma vez que há menos divergências a serem resolvidas.

Esses aspectos fazem da jurisprudência dominante uma peça chave no funcionamento do sistema judicial e na relação entre o Estado e os cidadãos.

Critérios para modulação de teses

A modulação de teses é um mecanismo importante que permite ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) adaptar suas decisões e aplicações judiciais em situações diversas. Esse processo envolve critérios que ajudam a definir como e quando as decisões judiciais devem ser aplicadas de forma temporal e espacial. A seguir, são apresentados os principais critérios utilizados para modulação de teses.

Principais Critérios para Modulação de Teses

  1. Transição gradual: Este critério permite que as mudanças nas decisões sejam implementadas de forma faseada. A ideia é evitar prejuízos imediatos a decisões já tomadas ou que tenham causado expectativa legítima nos envolvidos.
  2. Impacto social: O STJ avalia o impacto das suas decisões nas relações sociais e econômicas. Se a aplicação da tese dominante causar conflitos sociais ou gerar insegurança, a modulação é necessária.
  3. Natureza da norma: As normas em questão são analisadas para entender sua relevância e a necessidade de modulação. Normas de natureza geral podem requerer modulação diferente de normas específicas.

Prazos de Implementação

A definição de prazos para a modulação de teses é crucial. É essencial estabelecer um período razoável para que todos os envolvidos possam se adaptar à nova interpretação da norma. Fatores como a complexidade das questões e o número de casos pendentes são considerados.

Exemplos de Modulação de Teses

Historicamente, o STJ tem utilizado a modulação para garantir equidade. Por exemplo, em decisões relacionadas a tributos, a modulação pode ser aplicada para ajustar a aplicação de uma nova interpretação de forma que os contribuintes não sejam surpreendidos.

Desafios na Modulação

Um dos principais desafios na modulação de teses é encontrar o equilíbrio entre a necessidade de segurança jurídica e a busca por justiça. A cada caso, o STJ deve pesar os benefícios e as desvantagens da modulação, levando em conta as especificidades de cada situação.

Impacto da jurisprudência na tributação

A jurisprudência tem um impacto significativo na tributação no Brasil. As decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) influenciam diretamente a interpretação e aplicação das leis tributárias. Isso significa que as regras fiscais podem mudar com as novas teses que são firmadas, afetando tanto os contribuidores quanto a administração pública.

Alteração de Compreensão sobre Normas Fiscais

As teses firmadas pelo STJ podem reinterpretar normas fiscais já existentes. Quando o tribunal define uma nova interpretação, isso pode resultar em:

  1. Revisão de débitos tributários: Contribuintes podem ter que revisar seus débitos, ajustando valores a pagar.
  2. Restituições: Em alguns casos, as novas interpretações podem levar à restituição de valores pagos a mais.
  3. Planejamento Tributário: As empresas precisam adaptar seu planejamento tributário para se alinhar às novas decisões.

Segurança Jurídica

A previsibilidade das decisões do STJ fornece segurança jurídica. Quando a jurisprudência se torna dominante, os contribuintes podem confiar que essa interpretação será mantida entre diferentes casos. Isso é crucial para garantir que todos sigam as mesmas regras e para promover um ambiente de negócios estável.

Casos Recentes e Suas Consequências

Nos últimos anos, várias decisões impactaram diretamente a tributação. Exemplos incluem:

  • Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins: Essa decisão mudou a forma como esses tributos são calculados, levando a novos debates sobre a legalidade e a aplicação dessa regra.
  • Limitação da aplicabilidade de multa: As decisões do STJ sobre multas tributárias têm alterado a forma como a Receita Federal trata e aplica sanções.

Essas mudanças demonstram como a jurisprudência pode ter efeitos profundos em diferentes aspectos da tributação.

Casos emblemáticos no STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu vários casos emblemáticos que moldaram a jurisprudência dominante no Brasil. Estes casos não apenas estabeleceram novas interpretações legais, mas também influenciaram o comportamento de contribuintes e a atuação da administração tributária.

Casos de Relevância no Âmbito Tributário

Entre os casos mais emblemáticos, destacam-se:

  1. Recurso Especial nº 1.221.170: Neste caso, o STJ decidiu que o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins. Essa decisão teve um impacto direto nas empresas, resultando em uma grande quantidade de ações judiciais e restituções de valores pagos a mais.
  2. Recurso Especial nº 1.624.087: Este recurso tratou da controvérsia acerca da dedutibilidade das despesas com o chamado ‘fundo de pensão’ para fins de apuração do lucro real. O STJ decidiu que tais despesas são dedutíveis, influenciando o planejamento tributário das empresas.

Decisões Sobre Multas e Penalidades

Outro aspecto importante envolve as decisões do STJ em relação a multas e penalidades tributárias. Exemplos incluem:

  • Limitação de Multas: O STJ decidiu que a imposição de multas deverá respeitar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o que representa uma mudança significativa na prática fiscal.
  • Discricionariedade da Administração Fiscal: O tribunal também analisou a discricionariedade da administradora tributária em suas ações, limitando a aplicação de penalidades em documentos que não configuravam infração tributária.

Os Efeitos das Decisões do STJ

As decisões emblemáticas do STJ tendem a gerar efeitos que vão além dos casos individuais. Elas possibilitam uma reflexão sobre as normas tributárias em uso e instigam um debate tanto na esfera judicial quanto na administrativa. Isso resulta em uma maior harmonização na aplicação do direito tributário no Brasil.

Opiniões divergentes sobre a modulação

A modulação de teses é um tema que gera diferentes opiniões entre juristas, advogados e acadêmicos. Embora muitos reconheçam a importância da modulação para trazer segurança jurídica, existem críticas e preocupações sobre como isso pode ser aplicado na prática.

Argumentos a Favor da Modulação

Os defensores da modulação ressaltam diversos benefícios, como:

  • Segurança Jurídica: A modulação oferece previsibilidade, permitindo que os contribuintes saibam como as mudanças nas interpretações das normas afetarão suas obrigações tributárias.
  • Permanência de Anteriores Decisões: A possibilidade de fazer valer decisões anteriores ajuda a evitar a insegurança que poderia surgir com a nova interpretação imediata das regras.
  • Equidade: A modulação pode proteger os interesses de indivíduos que poderiam ser prejudicados caso uma nova tese fosse aplicada sem consideração às circunstâncias passadas.

Críticas à Modulação

Por outro lado, existem críticas relevantes à modulação de teses, que incluem:

  1. Insegurança para Casos Novos: A aplicação de regras antigas em novas situações pode levar a resultados injustos, especialmente para contribuidores que não estão cientes das interpretações anteriores.
  2. Complexidade do Sistema Jurídico: A necessidade de entender quando e como a modulação se aplica pode tornar o sistema tributário ainda mais complexo para contribuintes e advogados.
  3. Possível Conflito com Princípios Jurídicos: A modulação pode parecer contradizer princípios essenciais do direito, como a isonomia e a segurança, caso não seja aplicada de forma criteriosa.

Visões sobre o Futuro da Modulação

A discussão sobre modulação de teses no STJ continuará a evoluir. Há quem defenda um maior controle e supervisão sobre como a modulação é aplicada, enquanto outros acreditam que mais flexibilidade é necessária para adaptar-se às realidades do sistema judicial.

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Interdisciplinar

As origens da Hermenêutica Jurídica

Redação Direito Diário

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Interpretação e Hermenêutica Jurídica

Com o intuito de dar ao leitor um conhecimento mais amplo acerca do vasto conteúdo da hermenêutica jurídica, teceremos breves comentários sobre as suas origens.

Veja mais textos de Hermenêutica Jurídica e Direito Constitucional:

Hermenêutica na Grécia Antiga

A ciência da interpretação teve origem na teologia pagã de algumas civilizações da Idade Antiga. Dentre elas, podemos destacar a civilização grega.[1] Nos templos helênicos, era comum a existência de feiticeiros e adivinhos que abriam o ventre de animais mortos na tentativa de realizar previsões acerca do destino das pessoas.

Segundo o professor Glauco Barreira, “esse procedimento estava em sintonia com a concepção cosmológica e determinista que se tinha do mundo. Desse modo, a crença no destino ‘tornava’ os acontecimentos futuros inevitáveis […]”[2].

Neste contexto, a hermenêutica era utilizada em duas situações distintas. Na primeira, ela era usada pelos feiticeiros e adivinhos para interpretarem as mensagens referentes ao destino das pessoas. Na segunda, pelos próprios assistentes destes feiticeiros, que precisavam interpretar os pronunciamentos destes adivinhos, visto que eles faziam previsões com uma linguagem demasiadamente abstrata.

Hermenêutica e o Cristianismo

Com a ascensão do cristianismo[3], a hermenêutica passou a ser utilizada para a interpretação da Bíblia. Surgiram, nessa época, os primeiros intérpretes do livro sagrado cristão. Após a confecção do Novo Testamento, foram criadas várias ramificações do cristianismo original e, com elas, várias formas de se interpretar a Bíblia.

Tal fato proporcionou o desenvolvimento da hermenêutica bíblica. Na gênesis dessa hermenêutica, se destacaram duas correntes: a Escola de Alexandria e a Escola de Antioquia. A respeito dessas correntes hermenêuticas, Glauco Barreira afirma:

Entre os cristãos, inicialmente, existiam duas grandes escolas de hermenêutica bíblica: a Escola de Alexandria e a Escola de Antioquia. A primeira, tinha Clemente e Orígenes como seus grandes corifeus. Estes procuravam conciliar a mensagem cristã com a filosofia grega e, para a consumação de tal objetivo, alegorizavam os relatos históricos contidos na Escritura. Enquanto isso, os seguidores da Escola da Antioquia, prestigiando a compreensão mais óbvia dos textos, favoreciam uma interpretação mais literal. Acreditavam que, na Bíblia, existiam alegorias, no entanto, distinguiam a interpretação das Escrituras alegóricas da interpretação alegórica da Escritura.[4]

Podemos perceber, portanto, que a Escola de Antioquia possuía traços semelhantes com o que viria a ser a Escola da Exegese, pois ambas defendiam uma interpretação mais literal dos textos que essas correntes estudavam.

Entretanto, é válido ressaltar que essas escolas possuíam motivos distintos para defenderem essa interpretação literal.

Durante a Idade Média, surgiram alguns célebres intérpretes do livro sagrado cristão, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, que deram grandes contribuições para a hermenêutica teológica cristã. Após isso, com o advento da Reforma Protestante, cresceu o número de igrejas independentes da Igreja Católica e, com isso, aumentou o número de interpretações diferentes da Bíblia.

Tal fato propiciou um desenvolvimento, nunca antes visto, da hermenêutica bíblica e o surgimento de vários filósofos que eram estudiosos do livro sagrado cristão. Podemos perceber, pois, que a introdução da hermenêutica no campo da Filosofia era somente questão de tempo.

A Filosofia e a Hermenêutica

A ciência da interpretação foi introduzida na Filosofia por Friedrich Schleiermacher. Tal fato ocorreu devido à forma de interpretação da Bíblia que este filósofo sustentava. Na sua visão, o livro sagrado dos cristãos deveria ser interpretado “como um simples texto de natureza histórico-literária[…]”[5].

Segundo Schleiermacher, esse tipo de acepção de sentido do texto poderia e deveria ser utilizada na interpretação de qualquer obra. Ao fazer tal afirmação, esse autor abriu caminho para a introdução da Hermenêutica na Filosofia e, posteriormente, no Direito.

Hermenêutica Jurídica

Durante o período de inserção da Hermenêutica no direito, ganhou força um movimento que propunha a codificação do Direito. Tal movimento era formado por jurisconsultos que eram muito influenciados por vários ideais iluministas. Dentre eles, podemos destacar: o princípio da certeza do direito, o da autoridade e o da separação de poderes.

Todas essas ideias proporcionaram as bases teóricas para a criação do Código Napoleônico, que, ressalta-se, ainda está em vigor na França, e para o surgimento do movimento hermenêutico conhecido como a Escola da Exegese. Podemos citar com um dos motivos para a grande difusão, no meio acadêmico, das ideias desta corrente científica a obrigatoriedade do ensino deste código nas universidades francesas.

A respeito da obrigatoriedade do ensino dos ideais exegistas na França do início do século XIX, Bonnecase (1924, p.19 apud BOBBIO, 1961, p.82) afirma:

Deduz-se do discurso de Blondeau que o governo imperial quase que ordenou a exegese [grifo nosso], tendo as Faculdades de Direito por primeiro objetivo lutar contra as tendências filosóficas que se manifestavam, precariamente, aliás, na maior parte do tempo, no curso de legislação das escolas centrais[6]

Percebemos pela parte grifada o quanto era importante, para Napoleão Bonaparte, o ensino dos preceitos exegistas nas universidades. Tal fato justifica-se pelos ideais da Escola da Exegese proporcionarem um controle maior da população pelo Estado, contribuindo para a noção de que “o Direito e o Código Civil eram uma das formas de dominação de que Napoleão dispunha.”[7].

Além disso, é válido ressaltar que alguns dos principais expoentes da Escola da Exegese, como Alexandre Duranton, Charles Aubry e Frédéric Charles Rau, eram professores universitários na França pós-revolucionária.

A Hermenêutica Jurídica nos Tribunais Superiores

A interpretação de normas legais e constitucionais é amplamente utilizada pelos Tribunais Superiores pátrios, por meio de métodos hermenêuticos, para a melhor aplicação nos casos concretos. Vejamos aqui um exemplo do STF:

EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. HERMENÊUTICA. CONTRIBUIÇÃO AO PIS E COFINS. NÃO INCIDÊNCIA. TELEOLOGIA DA NORMA. VARIAÇÃO CAMBIAL POSITIVA. OPERAÇÃO DE EXPORTAÇÃO.

I – Esta Suprema Corte, nas inúmeras oportunidades em que debatida a questão da hermenêutica constitucional aplicada ao tema das imunidades, adotou a interpretação teleológica do instituto, a emprestar-lhe abrangência maior, com escopo de assegurar à norma supralegal máxima efetividade.

II – O contrato de câmbio constitui negócio inerente à exportação, diretamente associado aos negócios realizados em moeda estrangeira. Consubstancia etapa inafastável do processo de exportação de bens e serviços, pois todas as transações com residentes no exterior pressupõem a efetivação de uma operação cambial, consistente na troca de moedas.

III – O legislador constituinte – ao contemplar na redação do art. 149, § 2º, I, da Lei Maior as “receitas decorrentes de exportação” – conferiu maior amplitude à desoneração constitucional, suprimindo do alcance da competência impositiva federal todas as receitas que resultem da exportação, que nela encontrem a sua causa, representando consequências financeiras do negócio jurídico de compra e venda internacional. A intenção plasmada na Carta Política é a de desonerar as exportações por completo, a fim de que as empresas brasileiras não sejam coagidas a exportarem os tributos que, de outra forma, onerariam as operações de exportação, quer de modo direto, quer indireto.
[…]

(RE 627815, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 23-05-2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-192 DIVULG 30-09-2013 PUBLIC 01-10-2013 RTJ VOL-00228-01 PP-00678)

Vejamos agora um exemplo do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DIREITO PENAL. FURTO. PRECEDENTE JUDICIAL VINCULATÓRIO. REEXAME DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. NECESSIDADE. HERMENÊUTICA JURÍDICA. NÃO INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO REPOUSO NOTURNO NO FURTO QUALIFICADO. AUMENTO DE PENA EM RAZÃO DE FURTO COMETIDO DURANTE O REPOUSO NOTURNO. DESPROPORCIONALIDADE.

1. Na formulação de precedente judicial, sobretudo diante de sua carga vinculatória, as orientações jurisprudenciais, ainda que reiteradas, devem ser reexaminadas para que se mantenham ou se adéquem à possibilidade de evolução de entendimento.

2. A interpretação sistemática pelo viés topográfico revela que a causa de aumento de pena relativa ao cometimento do crime de furto durante o repouso noturno, prevista no art. 155, § 1º, do CP, não incide nas hipóteses de furto qualificado, previstas no art. 155, § 4º, do CP. […]

5. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp n. 1.888.756/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Seção, julgado em 25/5/2022, DJe de 27/6/2022.)

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    Referências Bibliográficas

    BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995.
    BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27. ed. – São Paulo: Malheiros
    BORGES, José Ademir Campos. O processo do conhecimento humano e as correntes do pensamento jurídico. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 685, 21 maio 2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6751>. Acesso em: 13 set. 2012.
    LIMA, Iara Menezes. Escola da Exegese. In: Revista brasileira de estudos políticos, Belo Horizonte, n. 97, jan 2008. Disponível em: http://www.pos.direito.ufmg.br/rbep/097105122.pdf. Acesso em set 2012.
    MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição. 3. ed. - Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.
    ________________. Hermenêutica Jurídica Clássica. 2. ed. – Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.
    MELO, Liana Holanda de. Hermenêutica jurídica: a escola da exegese e o mito da neutralidade. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 85, fev 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9031&revista_caderno=15>. Acesso em set 2012.
    Imagem: Pixabay
    [1]  É válido ressaltar que a própria palavra “hermenêutica” tem origem grega. Essa palavra possui similaridades com a grafia do nome do deus grego “Hermes”. Este deus foi, segundo a mitologia grega, o inventor da linguagem e da escrita. Tal fato corrobora com a afirmação de que a origem da hermenêutica possui estreitas ligações com a teologia pagã.
    [2]  MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição, p. 33-34
    [3] Iremos nos ater ao cristianismo devido a sua maior presença no Brasil. Todavia, é válido ressaltar que essa religião não foi a única a se preocupar com a interpretaçao de seu livro sagrado. Dentre essas religiões, podemos citar o Islamismo, com a existência do Tafsir, que era o texto de comentário, escrito pelos mufassires, sobre o Corão, a religião Hindu, com o desenvolvimento da Escola de Mimamsa e o judaísmo, com o trabalho de interpretação do Torá pelos doutores da lei judaica.
    [4]  MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Op.cit., p. 34-35
    [5]  MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Op.cit., p. 37
    [6] BONNECASE, Julien. L'école de l'exégèse en droit civil. In: BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito:  São Paulo: Ícone, 1995. p. 82.
    [7] MELO, Liana Holanda de. Hermenêutica jurídica: a escola da exegese e o mito da neutralidade. In:Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 85, fev 2011.
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    Jurisprudencial

    O direito fundamental à liberdade no ordenamento jurídico brasileiro

    Redação Direito Diário

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    O sistema jurídico universal pauta o direito de liberdade como essencial à condição humana. No texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a liberdade está expressa como fundamental à dignidade da pessoa humana. Nessa linha, o pacto social e democrático brasileiro de 1988, já no preâmbulo, expressa a liberdade como valor essencial à sociedade brasileira. No artigo 5º, caput, juntamente com a direito à igualdade, está o de liberdade como um dos pilares do sistema jurídico brasileiro. Todavia, não se constitui em direito absoluto, ilimitado ou descolado de qualquer limite de respeito ao próximo.

     O ser humano é um animal social e político, já dizia Aristóteles. Isso significa dizer que o viver e ser na sociedade demanda o respeito mútuo, a fraternidade e a solidariedade, também dogmas jurídicos das sociedades democráticas.

    No Brasil, o necessário convívio social se reflete na proteção difusa e coletiva dos direitos e deveres constitucionais. Ou seja, a proteção à liberdade está diretamente relacionada à sistemática dos demais direitos e deveres constitucionais.

    A conclusão é que o direito à liberdade individual deve respeito aos direitos da sociedade. Sim, a proteção ao livre arbítrio não corresponde ao se fazer o que se quer, mas a respeitar o próximo e as normas jurídicas. Portanto, liberdade não é apenas um direito fundamental, mas corresponde a deveres. Portanto, o cidadão é livre, mas deve arcar com as consequências dos seus atos contrários a essa lógica.

    Mais informações: https://www.youtube.com/watch?v=WR6JzWOpzco

    Andrea Teichmann Vizzotto Advocacia

    www.andreavizzotto.adv.br/

    [email protected]

    @andreavizzotto.adv

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