Ah! Toda a alma num cárcere anda presa, soluçando nas trevas, entre as grades Do calabouço olhando imensidades, Mares, estrelas, tardes, natureza. (CRUZE E SOUZA – O CISNE NEGRO).
Nesse clima de operação Lava-Jato, investigações de políticos e crimes de colarinho branco, é muito comum se utilizar de todas as armas jurídicas para fundamentar e justificar todo tipo de formação que possa levar a uma condenação. É nessa atmosfera que já está se falando mais uma vez em aplicação da teoria do domínio do fato, mas afinal, o que diabos é essa teoria e como porque ela é importante?
Na realidade, essa teoria foi bastante alardeada após a ação penal 470, conhecido caso do Mensalão, e bastante criticada por diversos doutrinadores, tendo inclusive parecer do próprio criador dela Claus Roxin, dizendo que não seria propriamente aplicação da tese utilizada por ele. Todavia, o Domínio do fato já era tese reconhecida no direito brasileiro em tempos pretéritos e a sua analise depende de um conhecimento prévio, seja este o conhecimento de autoria.
A autoria em direito penal é assunto bastante relevante, sendo criador de diversas teorias, em razão da organização e da diversidade de participação na atividade criminosa. Em princípio, há de pensar que é bastante pueril e ingênuo entender o que seria o autor de um crime: autor é quem pratica o ato típico, ilícito e culpável, ora, autor é quem comete o crime… O problema é que os crimes são cometidos por várias pessoas, e quando assim o é, nem todos praticam o fato criminoso, mas todos atuam com maior ou menor importância para o surgimento deste. Nesse sentido, o Direito Penal precisou evoluir no sentido de encontrar uma teoria jurídica que esclarecesse critérios seguros quanto a fixação da autoria.
Então, a doutrina geralmente tem divisões entre teorias monistas e dualistas (MIRABETTI, 2011, p.211), ou entre teorias restritivas, extensivas e mistas (JESUS, 2010. p.450). Para esse artigo, optou-se por explicar apenas pelas teorias restritivas, extensivas e mistas.
Entende-se por teoria restritiva aquela na qual autor é tão somente aquele que realiza o fato típico ilícito e culpável, sendo qualquer outra pessoa que participe do crime de maneira lateral, mas sem realizar o tipo nuclear, este estaria fora do crime. Por exemplo: No assassinato de Júlio César, Imperador Romano, cada senador deu uma facada. Em sua defesa, eles alegaram que suas condutas, individualmente, não causaram a morte do Imperador e, portanto, estariam livres de pena. Alegaram, portanto, uma teoria restritiva da autoria.
Por outro lado, há a teoria extensiva da autoria. Nessa considera-se o dolo, ou seja, o binômio consciência do dano e vontade de gerar o ato, e não propriamente a realização da conduta típica. Por essa teoria, todos os senadores responderiam por homicídio.
Por fim, vem as teorias mistas, sejam aquelas que tentam fixar um critério que nem seja tão brando quando os critérios adotados pela teoria restritiva, nem seja tão rigoroso quanto os adotados pela teoria extensiva. Nesse ponto que se enquadra a teoria do domínio do fato, mas afinal, o que é essa tal teoria do domínio do fato.
A teoria do domínio do fato surge no Direito Penal alemão, que adotava sistema restritivo (e monista), bastante similar ao modelo brasileiro. Assim, Claus Roxin, estudando Welzel, pensou em como se aplicaria o finalismo em termos de teoria da autoria, dizendo que a autoria se daria pelo controle do fato (Over Control theory, em inglês).
Então, para se fixar a autoria em um crime, deveria se entender a relevância da conduta da pessoa para a ocorrência do delito, percebendo a sua imprescindibilidade ou não. Essa imprescindibilidade seria demonstrada pela possibilidade do controle da ocorrência do crime, que seria, na visão de Leite (2013, p. 16-18) como sendo o domínio da ação, ou seja, a própria realização da conduta, o domínio da vontade, ou seja, quando o outro é mero instrumento para a realização do crime e por fim o domínio funcional do fato, que seria, em um crime de organização, quando a presença e o dolo daquela pessoa fosse indispensável para estruturar, organizar e fazer existir o crime.
De todo o exposto, a conclusão é bastante lógica, a teoria do domínio do fato, na realidade, é uma teoria de importante relevância para a distinção entre autoria e participação. Por ela, o único que se pode tirar é se a pessoa será tida como autor do crime, ou se mero participe. Por fim, ainda é cedo para dizer se ela será aplicável ao caso da Lava-Jato, mas no caso do mensalão, mesmo havendo grandes críticas de Alaor Leite e Luis Grecco, e que a tese tenha sido bastante discutida em plenário, na ementa de julgamento não foi dita a aplicação da teoria, tendo sido entendida pela própria teoria unitária do delito.
Referências GRECO; LEITE; Luis, Alaor. o que é e o que não é a teoria do domínio do fato sobre a distinção entre autor e partícipe no direito penal. Revista dos Tribunais. vol. 933. p. 61. Jul. 2013. GRECO; LEITE; Luis, Alaor. A “recepção” das teorias do domínio do fato e do domínio da organização no direito penal econômico brasileiro Observações sobre as formas de intervenção no delito na Ação Penal 470 do Supremo Tribunal Federal brasileiro (“Caso Mensalão”). Zeitschrift für Internationale Strafrechtsdogmatik. ZIS 7-8/2015. Disponível em < http://www.zis-online.com/dat/artikel/2015_7-8_937.pdf > acessado em 29 de julho de 2015. JESUS, Damásio de. Direito Penal .Volume I: parte geral. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 447- 494. MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal, volume I. Parte Geral arts. 1 a 120. 27ed. São Paulo: Atlas, 2011. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume I, Parte Geral: do art. 1 ao 120, 12. Ed. São Paulo: Revista editora dos Tribunais, 2013. p. 561-582.