Na última sexta-feira, 26 de agosto, o Conselho de Estado, maior autoridade administrativa da França, considerou ilegal decreto que proibia o “burquíni”. Para fundamentar a proibição, argumentaram que na França, um Estado laico, dever-se-ia vestir-se respeitando “os bons costumes e a laicidade”. Tal decisão ocorreu depois que mais de 30 cidades litorâneas proibiram o uso da vestimenta.
Segundo os magistrados do Conselho, a proibição do traje viola as liberdades fundamentais: o direito de ir e vir, a liberdade de consciência e a liberdade pessoal. Ademais, o argumento da “laicidade” utilizado não poderia ser utilizado para proibir a vestimenta.
Com efeito, o Conselho de Estado é a corte que aconselha o Presidente. Tem como função jurídica analisar decretos de poderes executivos. Sua decisão não obriga as cidades a suspenderem imediatamente o decreto, mas tem a força de um princípio jurídico. Associações podem, a partir dessa decisão, contestar o referido decreto e requerer judicialmente sua suspensão.
O islamismo na França
Considerando o contexto político e de pluralidade étnico-cultural vivido pela França, evidenciados por conta da imigração e dos diversos refugiados que buscaram uma nova vida em solo francês, muitos franceses têm vivenciado um choque cultural com o modo de vida muçulmano. Em especial com as vestimentas do povo islâmico.
O “burquíni” é um traje de banho islâmico que cobre todo o corpo da mulher, inclusive sua cabeça. Segundo a lei islâmica, as mulheres crentes devem conservar seus pudores e não se mostrar àqueles fora de sua família. Devem deixar o véu as cobrir para se distinguirem das demais, se protegendo de olhares de cobiça e inveja.
Impende mencioar que já houve proibição do uso da burca (cobre todo o corpo) e do niqab (deixa apenas os olhos expostos). A lei francesa, causa da proibição, não especifica os véus islâmicos, mas veda a dissimulação do rosto em espaço público. Sendo um Estado laico, foi proibido em escolas públicas, o uso do hijab (que cobre os cabelos) por ser considerado símbolo religioso.
Estado laico?
Palco de diversas polêmicas que circundam, principalmente, religião e direitos de liberdade e igualdade, além de ser alvo de muitos atentados reivindicados pelo Estado Islâmico, a França, mais uma vez, está envolvida em questões de cunho principiológico que são levadas à discussão nas searas política e social.
Esse é um assunto que leva ao questionamento sobre até que ponto um Estado pode interferir na liberdade das pessoas, principalmente se forem consideradas a laicidade e a liberdade que vigem na França.
Após a divulgação na internet de uma mulher sendo obrigada a retirar o “burquíni” por policiais na praia de uma cidade francesa, muitos têm questionado a laicidade dessa medida que tolhe a liberdade de uma pessoa se vestir.
Destarte, Estado laico ou Estado secular é aquele que não adota nenhuma religião oficial, não havendo envolvimento estatal em assuntos religiosos. Todavia, a laicidade de um Estado não deve ser confundida com laicismo. Este tem um caráter voltado para a tolerância ou intolerância religiosa, sendo a religião algo negativo.
Explique-se que tolerância se trata de uma religião ou cultura majoritária suportar a coexistência com outras minoritárias. Na laicidade, são tratadas de forma igualitária. Assim, no Estado laico deve haver inclusão de diferentes religiões, prezando pelo respeito mútuo. Haverá o cumprimento da legislação de forma igualitária.
Em 1905, foi editada na França a “Lei da laicidade”, garantindo liberdade de consciência e livre exercício da religião. A religião foi separada do Estado, mas não foi extinta, sendo possível que outros cultos pudessem ser professados.
Opiniões divididas na França
No caso em análise, não se pode negar que há uma influência marcante do contexto político vivenciado na França. Diversos políticos opinaram a respeito, com ênfase ao ex-presidente Nicolas Sarkozy, candidato à presidência em 2017 pelo partido “Os Republicanos”. Para ele, o “burquíni” é uma provocação de um islã político, e as mulheres que o usam “testam a resistência da República”.
Também o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, posicionou-se contra o uso do “burquíni”. Segundo Valls, a vestimenta é “um sinal de reivindicação de um islamismo político que visa provocar um retrocesso nos valores” do país.
Aqueles contrários à proibição argumentam que a proibição é uma afronta às liberdades individuais, além de fomentar preconceito e discriminação.
A laicidade é tida como representação da liberdade, onde os cidadãos não estão presos a uma religião. O “burquíni”, inegavelmente, passou a ser a representação de uma religião oriunda do estrangeiro que tem ocupado espaço na França. Em sendo um Estado laico, não deve haver ostracismo, mas sim a garantia do exercício religioso.
Referências: A CORRETA vestimenta da mulher muçulmana. Islamismo. Disponível em: <http://www.islamismo.org/vestimenta.htm>. Acesso em 27 ago 2016. CESARE, Paulo Henrique Hachich De. Estado laico é diferente de Estado antirreligioso. Consultor Jurídico, 21 de março de 2012, Religião e Estado. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-mar-21/estado-laico-nao-sinonimo-estado-antirreligioso-ou-laicista>. Acesso em 27 ago 2016. FERNANDES, Daniela. Liberdade, igualdade, burquíni: Como traje islâmico virou símbolo de racha na França. G1, 26 de agosto de 2016, Mundo. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/08/liberdade-igualdade-burquini-como-traje-islamico-virou-simbolo-de-racha-na-franca.html>. Acesso em 27 ago 2016. FRANÇA. Loi du 9 décembre 1905 concernant la séparation des Eglises et de l'Etat. Version consolidée au 06 mars 2008. FRANCE PRESSE. Parlamento francês aprova lei que proíbe véu islâmico integral. G1, 14 de setembro de 2010, Mundo. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/09/parlamento-frances-aprova-lei-que-proibe-veu-islamico-integral.html>. Acesso em 27 ago 2016. O QUE é laicidade?. Tradução de Ricardo Alves. República & laicidade. Disponível em: <http://www.laicidade.org/documentacao/textos-criticos-tematicos-e-de-reflexao/aspl/>. Acesso em 27 ago 2016. Imagem: WHY I’d Choose A Burkini Over A Bikini. Disponível em: <http://img.huffingtonpost.com/asset/2000_1000/57bf4ca5180000dd10bcd2a9.jpeg?cache=vslpbs8rwj>. Acesso em 30 ago 2016.