Petrobrás X Judiciário: entenda a polêmica em torno da suspensão da venda de ativos no programa de desinvestimentos da maior estatal brasileira

Desde 2015 (portanto, passando por duas presidências diferentes), a Petróleo Brasileiro S/A (Petrobrás) promove um intenso programa de desinvestimento (venda de ativos) como forma de aliviar o caixa, visto que, no dia 30 de setembro, a empresa somou uma dívida de R$ 325,56 bilhões, bem maior do que o seu próprio valor de mercado. Assim, pretende-se angariar fundos para saldar parcela da dívida, diminuir os gastos da empresa e torná-la mais atraente aos olhos dos investidores.

Como resultado, a petroleira foi a companhia de capital aberto brasileira que mais se valorizou em 2016. Segundo estudo da consultoria Economática, teve ela a maior valorização não só do Brasil, mas também da América Latina: de US$ 25,9 bilhões em dezembro de 2015, passou a valer US$ 63,8 bilhões em dezembro de 2016, um crescimento de 146,33%. Suas ações, que chegaram a valer R$ 4,20 em janeiro de 2016, chegaram a superar R$ 18,00 em outubro, sofrendo uma leve desvalorização para fechar janeiro de 2017 em R$ 15,02.

Porém, todo esse processo de desinvestimentos não pode passar por abusos.

Em 2016, inúmeras ações populares foram ajuizadas pelo Sindicato dos Petroleiros Alagoas Sergipe (Sindipetro-AL/SE) em face da Petrobrás e da Agência Nacional do Petróleo (ANP), devido a algumas das últimas alienações de ativos não passarem por procedimento licitatório. Sim: se uma sociedade de economia mista vende um ativo para a iniciativa privada, espera-se que o faça mediante licitação. Mas nem sempre isso acontece da forma mais esperada.

A Petrobrás afirma que as vendas estão observando um procedimento licitatório simplificado, similar a uma licitação na modalidade convite, no âmbito da Sistemática para Desinvestimentos de Ativos e Empresas do Sistema Petrobrás (ou apenas “Sistemática para Desinvestimentos”). Tal processo estaria de acordo com o Decreto nº 2.745/1998, que regulamentou o art. 67 da Lei nº 9.478/1997 (Lei da Política Energética Nacional). Porém, esses procedimentos adotados pela petroleira estariam violando os princípios constitucionais aplicáveis às licitações, de forma a descaracterizá-los como tais.

Some-se a esse fato uma polêmica vinda também do Legislativo: a medida cautelar do Tribunal de Contas da União (TCU) proibindo a assinatura de novos contratos de venda de ativos por suspeitas de irregularidades. Uma destas irregularidades seria a aprovação de alienações mediante decreto, enquanto, segundo a corte, só seria cabível para aquisição de bens e serviços. A proibição de novas contratações deverá durar até a análise final dos desinvestimentos por parte do TCU. Porém, a medida cautelar permite o prosseguimento normal de cinco operações de desinvestimento por já estarem em estágio avançado. São elas Paraty 1, Paraty 3, Ópera, Portifólio 1 e Sabará. O ministro relator do caso, José Múcio, afirma que a suspensão dessas cinco operações traria prejuízos financeiros vultosos e irreversíveis para a empresa.

No que tange às ações populares, uma chama bastante atenção por já ter chegado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ): a ação contra a cessão da exploração nos campos de Baúna e de Tartaruga Verde, uma das operações mais importantes para a Petrobrás.

Baúna e Tartaruga Verde

Uma das ações populares ajuizadas pelo Sindipetro-AL/SE foi contra a tentativa de a Petrobrás ceder dois campos de exploração de petróleo para a iniciativa privada sem promover licitação. Trata-se de 100% da participação no campo de Baúna, localizado no pós-sal da Baía de Santos, e 50% da participação no campo de Tartaruga Verde, no pós-sal da Baía de Campos. O campo de Baúna está em operação desde fevereiro de 2013, produzindo, segundo a Petrobrás, cerca de 45 mil bbl/dia.

O beneficiário seria o grupo australiano Karoon Gas Australia Ltd., que concentra seus principais ativos na Austrália, no Brasil e no Peru. A empresa comprometeu-se a pagar US$ 1,5 bilhão pela participação e, ainda, investir cerca de US$ 500 milhões nos campos.

Uma das principais formas que a Petrobrás encontrou para aliviar o peso da sua dívida corporativa foi justamente a concessão de campos de exploração de petróleo, normalmente a empresas estrangeiras. Ano passado, por exemplo, alienou a participação no bloco exploratório BM-S-8 para a norueguesa Statoil no valor de US$ 2,5 bilhões e vendeu fatias dos campos de Iara e Lapa em acordo de parceria com a francesa Total por US$ 2,2 bilhões. Porém, o Judiciário oferece agora um risco adicional a novas operações, bem como a algumas já em curso.

Ao julgar a ação popular, a juíza da 1ª Vara Federal de Sergipe concedera liminar suspendendo a cessão dos campos de exploração, o que ensejou agravo de instrumento por parte da Petrobrás. Porém, o Tribunal Federal da 5ª Região ratificou a liminar, mantendo a suspensão da operação.

Ao analisar novo recurso da petroleira, o presidente em exercício do STJ, ministro Humberto Martins, em um primeiro momento ratificou a competência da Justiça Federal de Sergipe para apreciar a demanda, visto que a presença da ANP na lide, autarquia federal, atrai a competência pessoal e o fato de a ação popular ter sido proposta no estado do Sergipe atrai a competência territorial.

Posteriormente, afirmou que o mérito consiste na necessidade ou não de licitação para a concessão ou venda de campos de petróleo. No caso, apesar de haver o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petrobrás (Decreto nº 2.475/98), não há nele qualquer caso de dispensa de licitação, nem qualquer outro motivo que justificasse a ausência do procedimento em operações como essa. A Sistemática para Desinvestimentos não estaria suprindo o dever constitucional de licitar.

Destacou ainda o ministro que, devido ao notório impacto econômico da operação, haveria o periculum in mora a justificar a concessão da medida liminar.

“Os argumentos jurídicos críticos e dirigidos à ausência de uma base jurídica específica e clara para a concretização de uma operação empresarial de tal porte se mostram como um elemento de claro convencimento do risco do dano irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora)”, afirma o magistrado.

Assim, a operação com a empresa australiana continua suspensa até a análise final do mérito em 1ª instância. Essa suspensão fez com que a Petrobrás, que previa arrecadar US$ 15,1 bilhões no biênio 2015-2016 com desinvestimentos, passasse a angariar US$ 13,6 bilhões, US$ 1,5 bilhão abaixo do previsto (justamente o valor dos ativos negociados com a Karoon Gas). Assim, a meta para o biênio 2017-2018 sobe de US$ 19,5 bilhões para US$ 21 bilhões.

BR Distribuidora, Suape e Citepe

Em decisão ainda mais recente, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região manteve a suspensão da venda de outro ativo da empresa sob o mesmo fundamento: ausência de licitação. No caso, a 3ª Vara Federal de Sergipe deferiu liminar em dezembro, suspendendo a alienação da BR Distribuidora, uma das principais subsidiárias da Petrobrás, no bojo de outra ação popular proposta pelo Sindipetro-AL/SE. Ao recorrer, a empresa não obteve sucesso na 2ª instância.

Já na 2ª Vara Federal de Sergipe, foi concedida liminar para suspensão da venda das ações da Companhia Petroquímica de Pernambuco (Suape) e da Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco (Citepe). Imediatamente após a intimação, a Petrobrás informou que “está tomando as medidas judiciais cabíveis em prol dos seus interesses e de seus investidores”.

Referências:
http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/STJ-nega-pedido-da-Petrobras-para-ceder-campos-de-petr%C3%B3leo-sem-licita%C3%A7%C3%A3o
http://www.valor.com.br/empresas/4813633/petrobras-perde-recurso-para-venda-de-bauna-e-tartaruga-verde
http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/iniciamos-negociacao-para-venda-dos-campos-de-bauna-e-tartaruga-verde.htm
http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2016/09/veja-o-que-petrobras-ja-vendeu-e-quer-vender-ate-2018.html
http://www.valor.com.br/empresas/4821276/venda-de-ativos-da-petrobras-abaixo-da-meta-revela-risco-diz-ativa
http://www.infomoney.com.br/mercados/acoes-e-indices/noticia/5967814/petrobras-cresce-2016-tem-maior-ganho-valor-mercado-america-latina
http://g1.globo.com/economia/noticia/tcu-suspende-novas-vendas-de-ativos-da-petrobras.ghtml
http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/justica-nega-recurso-da-petrobras-e-mantem-suspensao-da-venda-da-br-distribuidora.ghtml
http://www.infomoney.com.br/petrobras/noticia/6080393/justica-suspende-venda-pela-petrobras-das-acoes-suape-citepe
Para entender um pouco mais acerca do regime jurídico das sociedades de economia mista, ver: https://direitodiario.com.br/diferencas-entre-empresas-publicas-e-sociedades-de-economia-mista/
Imagem: http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2016/11/economia/532369-petrobras-suspende-processo-de-venda-de-concessao-em-bauna-e-tartaruga-verde.html
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