Foi por meio do advento da Constituição Federal de 1988 que outras espécies de família, afora aquelas oriundas do casamento, ganharam de fato proteção jurídica no Brasil, uma vez que a houve a inclusão do seguinte dispositivo constitucional no ordenamento jurídico pátrio:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Com efeito, este mesmo artigo, por meio de seus parágrafos terceiro e quarto, faz específica menção à proteção da união estável e à família monoparental. Todavia, silencia acerca do concubinato, definido pelo art. 1.727 do Código Civil de 2002 como sendo uma relação não eventual entre homem e mulher impedidos de casar.
Ora, a inteligência do aludido trecho do diploma civil (o único que versa sobre concubinato) não engloba diversas questões importantes que envolvem este tipo de relacionamento, como seus efeitos jurídicos. Diante deste panorama, a doutrina e a jurisprudência têm trabalhado nos últimos anos para tentar entrar em consenso sobre diversos assuntos, com o fito de suprir as várias lacunas existentes.
Destarte, as leis ordinárias que possuem teor relativo a alimentos, quais sejam as Leis nº. 5.478/68 e nº. 8.971/94, também silenciam sobre a possibilidade de requerê-los ao concubino. A bem da verdade, a segunda lei é clara ao aduzir que a companheiro de homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo possui direito a alimentos. Ressalte-se que o termo “companheira”, que consta nesta lei, é utilizado para as situações de união estável.
Dito isto, nota-se que inexiste por completo qualquer previsão legal acerca da possibilidade de pedir alimentos ao concubino, pois a Constituição Federal, o Código Civil de 2002 e as demais leis ordinárias são omissas quanto a isto.
Ainda neste diapasão, tem-se que as lacunas ora citadas constituem tema ainda bastante controverso, havendo divergência tanto na doutrina quanto na jurisprudência sobre os mais diversos assuntos, notadamente a respeito dos alimentos.
No âmbito jurisprudencial, há certa uniformização no sentido de não ser cabível a prestação de alimentos à concubina. No entanto, em contrapartida a esta aparente homogeneidade, uma decisão de março de 2015 proferida pela Terceira Turma do STJ determinou o pagamento de pensão alimentícia a uma mulher após 40 (quarenta) anos de concubinato. Em seu voto, o Ministro João Otávio de Noronha ponderou que os princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana nortearam seu voto, que foi influenciado pelo longo tempo de concubinato.
No caso em análise, a concubina desistiu de sua carreira profissional para se dedicar ao parceiro, razão pela qual dependia financeiramente dele. Este foi, inclusive, mais um aspecto levantado pelo relator. A ementa da aludida decisão segue ao final deste texto.
É imprescindível dizer que há suporte jurisprudencial para o pagamento de alimentos à concubina, mas geralmente precisa haver relação de longa duração entre ambos, além de clara dependência financeira de quem pede os alimentos em relação ao ex-parceiro.
Ainda que haja outras várias decisões concedendo alimentos, a maioria, de fato, posiciona-se pela impossibilidade de seu cabimento, uma vez que não há previsão legal para tanto. A título ilustrativo, segue ao final deste texto a ementa de uma decisão negando o pedido de alimentos.
Doutrinariamente, encontra-se o mesmo azo de discrepância de opiniões, em virtude de haver quem defenda o cabimento e há quem defenda a impossibilidade do cabimento de alimentos em caso de concubinato.
Os autores que se posicionam favoravelmente alegam que as pessoas que se envolvem em relacionamentos nos quais há algum impedimento matrimonial não podem se ver totalmente livres de proteção jurídica. Rejeitar qualquer efeito a esses vínculos os condena à invisibilidade e gera irresponsabilidade, bem como enseja o enriquecimento ilícito. Trata-se de panorama onde chega praticamente a haver um incentivo ao concubinato, uma vez que estar à margem do Direito traz benefícios para muitos, haja vista não haver obrigações, encargos ou ônus ao concubino.
Outrossim, caso uma pessoa já seja casada e ainda assim queira formar outra família, defende-se aí também a configuração de união estável, gerando proteção jurídica à segunda família. Por fim, asseveram que o texto normativo está em total descompasso com a realidade fática contemporânea, sendo necessária sua flexibilização.
Vale o adendo de que existe ainda a figura da união estável putativa, onde um dos envolvidos está de boa-fé e não possui motivos para duvidar da inexistência de fatos impeditivos de matrimônio. Nestes casos, é comum que os efeitos da união estável incidam sobre quem estava de boa-fé, como ocorre no casamento putativo. Saliente-se que, neste caso, boa-fé importa necessariamente em não ter conhecimento da primeira família do companheiro.
Em contrapartida ao que já foi exposto, quem se posiciona contrariamente ao cabimento de alimentos em uma relação de concubinato alega que não há como criar direitos e obrigações por analogia. A ausência de previsão legal não dá qualquer ensejo ao arbitramento de alimentos em casos de concubinato.
Sobre esta lacuna legislativa, vale dizer que em um Estado Democrático de Direito que preza pela segurança jurídica não pode haver tantas dúvidas e lacunas sobre um assunto tão recorrente na atualidade. Portanto, a melhor solução para o caso seria o posicionamento definitivo do Poder Legislativo sobre o caso, suprindo devidamente este vazio que persiste em nosso ordenamento jurídico.
Retornando ao assunto em baila, há ainda a questão relativa à monogamia, pois reconhecer a possibilidade da constituição de duas famílias, inclusive provendo garantias jurídicas à segunda, seria ferir o instituto monogâmico. Além disso, é arguido que o Estado não pode fornecer proteção a mais de uma família ao mesmo tempo.
Diante de tudo o que aqui foi exposto e discorrido, tem-se que o tema é bastante controverso nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial, havendo, no entanto, certa uniformização jurisprudencial pela opção de não deferir o pedido de alimentos.
RECURSO ESPECIAL. CONCUBINATO DE LONGA DURAÇÃO. CONDENAÇÃO A ALIMENTOS. NEGATIVA DE VIGÊNCIA DE LEI FEDERAL. CASO PECULIARÍSSIMO. PRESERVAÇÃO DA FAMÍLIA X DIGNIDADE E SOLIDARIEDADE HUMANAS. SUSTENTO DA ALIMENTANDA PELO ALIMENTANTE POR QUATRO DÉCADAS. DECISÃO. MANUTENÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA PREEXISTENTE. INEXISTÊNCIA DE RISCO PARA A FAMÍLIA EM RAZÃO DO DECURSO DO TEMPO. COMPROVADO RISCO DE DEIXAR DESASSISTIDA PESSOA IDOSA. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE E SOLIDARIEDADE HUMANAS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INEXISTÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICO-JURÍDICA. 1. De regra, o reconhecimento da existência e dissolução de concubinato impuro, ainda que de longa duração, não gera o dever de prestar alimentos a concubina, pois a família é um bem a ser preservado a qualquer custo. 2. Nada obstante, dada a peculiaridade do caso e em face da incidência dos princípios da dignidade e solidariedade humanas, há de se manter a obrigação de prestação de alimentos a concubina idosa que os recebeu por mais de quatro décadas, sob pena de causar-lhe desamparo, mormente quando o longo decurso do tempo afasta qualquer riso de desestruturação familiar para o prestador de alimentos. 3. O acórdão recorrido, com base na existência de circunstâncias peculiaríssimas – ser a alimentanda septuagenária e ter, na sua juventude, desistido de sua atividade profissional para dedicar-se ao alimentante; haver prova inconteste da dependência econômica; ter o alimentante, ao longo dos quarenta anos em que perdurou o relacionamento amoroso, provido espontaneamente o sustento da alimentanda –, determinou que o recorrente voltasse a prover o sustento da recorrida. Ao assim decidir, amparou-se em interpretação que evitou solução absurda e manifestamente injusta do caso submetido à deliberação jurisprudencial. 4. Não se conhece da divergência jurisprudencial quando os julgados dissidentes tratam de situações fáticas diversas. 5. Recurso especial conhecido em parte e desprovido.
AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS CUMULADA COM ALIMENTOS. TÉRMINO DE RELAÇÃO EXTRACONJUGAL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA PELO DESCUMPRIMENTO DA PROMESSA DE CASAMENTO. CONCUBINO SABIDAMENTE JÁ CASADO. DESCABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Relação afetiva caracterizada como concubinato, conforme dicção do artigo 1727 do Código Civil de 2002, não ensejando obrigação alimentar por seu término. Descabimento de obrigação alimentar entre o apelado e as filhas de sua ex-concubina. Inexistência de vínculo biológico, jurídico ou socioafetivo a justificar tal pretensão. Danos morais reclamados pela frustração dos planos matrimoniais, ante ao término da relação adulterina por iniciativa do amásio. Não reconhecimento de danos passíveis de compensação, sobretudo porque se estes existiram são decorrentes, precipuamente, da conduta da apelante que voluntária e conscientemente se coloca na posição de amante, assumindo integralmente o risco de constrangimentos ou decepções associadas à sua condição. (TJ-SC – AC: 153635 SC 2008.015363-5, Relator: Ronei Danielli, Data de Julgamento: 08/07/2011, Sexta Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Jaraguá do Sul)
Referências: SPLENGER, Fabiana Marion – União Estável. In Direito das Famílias por Juristas Brasileiras. Organiadoras: Joycene Bezerra de Menezes e Ana Carla Harmatiuk Matos. São Paulo: Saraiva, 2013.