Prezados leitores, acredito que muitos de vocês não estão familiarizados com meus textos. Isto se deve ao fato de que eu sou o editor do site, ou seja, reviso os textos que são postados, trabalho que tira muito do tempo que tenho para escrever. Eis que veio o recesso de final de ano e pude, finalmente, me dedicar a escrever um pouco.
Há alguns dias, perguntei em meu facebook se alguém teria alguma dúvida jurídica, que iria escrever um texto respondendo a essa dúvida. A pergunta que foi feita, elaborada pelo Guilherme Baranowski, foi: “Quais são os conceitos, principais características e explicações sobre Guarda partilhada na Vara de Familia?” [sic]. Vamos ao texto.
O novo Código Civil disciplina, em seus artigos 1583 à 1590, “a proteção da pessoa dos filhos”. Entre os dispositivos em questão, temos aqueles que regem o direito à guarda dos rebentos em caso de os pais não estarem em plena sociedade conjugal, podendo esta responsabilidade ficar a cargo de apenas um dos progenitores (a guarda unilateral) ou a ambos (a guarda compartilhada):
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
O dispositivo continua, prestando esclarecimentos sobre os direitos e deveres dos progenitores, principalmente no tocante a responsabilizar ambos – mesmo o que não detém guarda – pela supervisão e criação dos filhos, garantindo que:
[…] qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
Entende-se também que a guarda compartilhada deve ser utilizada sempre que possível, em virtude de permitir que ambos os progenitores participem ativamente da vida de seus filhos, conforme Pablo Stolzer:
Claro está, todavia, que o deferimento dessa guarda unilateral só será possível depois de esgotada a tentativa de implementação da guarda compartilhada.
Este contato com os pais é considerado como fundamental para o bom desenvolvimento do filho e, portanto, é de grande interesse da criança e/ou adolescente que ele ocorra.
Neste sentido, temos que o princípio do “superior interesse do menor”, o qual consta na Declaração Universal dos Direitos das Crianças (1959) e passou a ter status constitucional a partir da emenda constitucional 45/2004. Este documento assegura expressamente, em seu Princípio VII:
O interesse superior da criança deverá ser o interesse diretor daqueles que têm a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade incumbe, em primeira instância, a seus pais.
Vê-se, portanto, que o Interesse da Criança deve sempre prevalecer, inclusive sobre decisões judiciais já tomadas, sendo resguardado a qualquer parte o pedido de revisão da guarda, conforme Roberto Gonçalves preceitua:
Deve-se sempre dar primazia aos interesses dos menores. Em questões de família, a autoridade judiciária é investida dos mais amplos poderes. Por isso, o art. 1,586 do Código Civil permite que a bem deles, o juiz decida de forma diferente dos critérios estabelecidos nos artigos anteriores, desde que comprovada a existência de motivos graves. A questão da guarda admite revisão, sempre a bem do menor, com base no princípio rebus sic stantibus, não havendo coisa julgada.
Por ser considerada a forma que melhor atende aos interesses dos progenitores e seus filhos, a guarda compartilhada tem sido também largamente deferida por vários tribunais pelo país:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE. 1. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 2. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial. 3. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso. 4. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole. 5. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta. 6. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta – sempre que possível – como sua efetiva expressão. 7. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1428596 RS 2013/0376172-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/06/2014, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/06/2014)
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CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL EPROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE. 1. Ausente qualquer um dos vícios assinalados no art. 535 do CPC, inviável a alegada violação de dispositivo de lei. 2. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 3. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial. 4. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso. 5. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole. 6. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta. 7. A custódia física conjunta é o ideal a ser buscado na fixação da guarda compartilhada, porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela implementação de condições propícias à continuidade da existência de fontes bifrontais de exercício do Poder Familiar. 8. A fixação de um lapso temporal qualquer, em que a custódia física ficará com um dos pais, permite que a mesma rotina do filho seja vivenciada à luz do contato materno e paterno, além de habilitar acriança a ter uma visão tridimensional da realidade, apurada a partir da síntese dessas isoladas experiências interativas. 9. O estabelecimento da custódia física conjunta, sujeita-se,contudo, à possibilidade prática de sua implementação, devendo ser observada as peculiaridades fáticas que envolvem pais e filho, como a localização das residências, capacidade financeira das partes,disponibilidade de tempo e rotinas do menor, além de outras circunstâncias que devem ser observadas. 10. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta – sempre que possível – como sua efetiva expressão. 11. Recurso especial não provido. (STJ – REsp: 1251000 MG 2011/0084897-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 23/08/2011, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/2011)
Neste sentido, temos que a guarda compartilhada é amplamente indicada, visando o melhor desenvolvimento da criança. Contudo, mesmo havendo certa unanimidade na jurisprudência e doutrina, é sempre importante analisar as peculiaridades do caso concreto.
Referências:
BRASIL. Lei nº 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Código Civil. Brasília.
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS. Constituição (1959). Declaração Universal dosDireitos das Crianças - Unicef. Nova Iorque.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: volume 6 : direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
STOLZE, Pablo. Novo Curso de Direito Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.