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Depois da morte… e aí? Entenda, em síntese, como funciona a sucessão legítima
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 por Ingrid CarvalhoQuando morremos, levamos nossa alma, nossa consciência… mas não nossos bens. O que acontece com eles, todos sabem: transmitem-se aos nossos herdeiros, seja o patrimônio material, seja o patrimônio jurídico (tanto créditos quanto débitos). Saber como se opera esse processo sucessório, ou, mais especificamente, quem são esses nossos herdeiros é o objetivo deste artigo.
Primeiramente, cumpre destacar que se tratará aqui da sucessão legítima, que é diferente da sucessão testamentária. Diz-se legítima quando ela é totalmente regida por lei. Normas cogentes determinam quem herdará todo o nosso patrimônio, segundo uma ordem pré-estabelecida (a chamada ordem de vocação hereditária).
Já a sucessão testamentária, como o nome já indica, é aquela em que os bens do falecido (mais comumente chamado no Direito das Sucessões de “autor da herança” ou “de cujus”) serão distribuídos conforme o testamento por ele elaborado, sua “disposição de última vontade”.
Qualquer pessoa, cumprindo as exigências legais, possui liberdade para escolher, mediante testamento, quem será mais ou menos privilegiado com metade¹ de seus bens depois de sua morte. Já a sucessão legítima independe da vontade do de cujus, sendo totalmente “desenhada” pelo Código Civil.
Para esse artigo, apenas se considerará a sucessão legítima. Tudo o que será aqui determinado mostra a transferência do patrimônio post mortem de um indivíduo que não deixou testamento em vida (que é o que normalmente ocorre, pois no Brasil a prática de escrever testamentos é quase inexistente).
A ordem de vocação hereditária, por sua vez, encontra-se no artigo 1.829 do Código Civil, a saber:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens; ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
Cada inciso desse artigo indica a classe de preferência à herança. Dentro de cada classe de preferência, há prioridade aos graus mais próximos (parentes de 1º grau excluem os de 2º, que excluem os de 3º, que têm preferência sobre os de 4º…). Ou seja: herda todo o patrimônio quem estiver na classe preferencial e, dentro desta, no grau mais próximo, a não ser que o primeiro grupo a suceder esteja inapto para tal², conforme será detalhadamente demonstrado adiante.
Esse artigo (1.829), além de outros dispositivos legais do Código Civil de 2002³, embasarão tudo o que você, preclaro leitor(a), encontrará adiante.
Porém, antes de detalhar o procedimento sucessório, tenha sempre em vista a seguinte árvore genealógica para facilitar a compreensão:
Nessa família, Aldemir Bendine é um empresário bem sucedido, casado com Graça Foster, com quem teve quatro filhos. Porém, teve uma filha, Val Marchiori, fruto de outro relacionamento. Alberto Youssef, Fernando Baiano e João Vaccari Neto são seus netos. Todo o patrimônio de Aldemir Bendine soma aproximadamente R$ 1.200.000.000,00 (um bilhão e duzentos milhões de reais).
Enfim, a sucessão legítima opera-se da seguinte forma:
Em primeiro lugar, quando cada um de nós morrermos, TODO o nosso patrimônio (a herança) será distribuído aos nossos DESCENDENTES (primeira classe de preferência), em concorrência com o cônjuge, da seguinte forma:
– A herança dar-se-á por cabeça, ou seja, cada filho (descendente de 1º grau) receberá um quinhão igual ao outro. O patrimônio será distribuído igualmente.
– Caso não haja filhos vivos, ou todos os sobreviventes sejam indignos ou tenham renunciado à herança, os netos (descendentes de 2º grau) herdarão tudo, também por cabeça. Se não houver netos vivos, serão os bisnetos (descendentes de 3º grau) que herdarão. E assim sucessivamente. Exemplo: se todos os cinco filhos de Aldemir Bendine e sua esposa falecerem antes dele, Alberto Youssef, Fernando Baiano e João Vaccari Neto herdarão, cada um, R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais). Se Graça Foster, porém, estiver viva, tanto ela quanto os seus três netos herdarão, cada um, R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais), conforme se verá logo adiante.
– Se houver cônjuge vivo, herdará o mesmo quinhão correspondente a cada filho (ou neto, na ausência de filhos aptos a herdar). Exemplo: Se Aldemir Bendine falecer depois de Graça Foster, os filhos Val Marchiori, Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró, Pedro Barusco e Gleisi Hoffmann herdarão, cada um, R$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de reais). Se falecer antes, deverá haver repartição igual do patrimônio entre Graça Foster e os filhos, respeitando-se, se for o caso, a cota legal, conforme será visto logo adiante.
– É reservado ao cônjuge a cota legal; ou seja: caso todos os filhos do cônjuge sejam filhos do casal (ou seja, nenhum deles seja filho apenas do marido ou apenas da esposa), o cônjuge deverá receber ¼ da herança. Se houver filhos do casal e filhos apenas do de cujus (filiação híbrida), a matéria é controversa, mas a maior parte dos doutrinadores e a jurisprudência tendem a considerar que se exclui a cota legal. Exemplo: Morrendo apenas Aldemir Bendine, tanto Graça Foster quanto os descendentes deverão receber, cada um, R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais), conforme o entendimento majoritário. Porém, se Val Marchiori for declarada indigna ou morrer antes, Graça Foster receberá R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais, um quarto da herança), enquanto Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró, Pedro Barusco e Gleisi Hoffmann receberão, cada um, R$ 225.000.000,00 (duzentos e vinte e cinco milhões de reais, três quartos da herança dividido entre os filhos).
– Não herdará o cônjuge: se divorciado, separado judicialmente, separado de fato por dois anos ou mais do de cujus(desde que o falecido tenha dado causa a essa separação) ou for anulado o casamento antes do óbito; também não herdará se casado com o de cujus no regime de separação obrigatória de bens, no regime de comunhão universal ou no regime de comunhão parcial caso o de cujus não tenha deixado bens particulares.
– Se o casamento se dar por comunhão parcial ou no regime de participação final nos aquestos e o de cujus tenha deixado bens particulares, só estes farão parte da herança para o cônjuge, pois os outros bens comporão a meação.
– Caso um descendente faleça antes do autor da herança ou seja declarado indigno, seus descendentes herdarão por estirpe (a também chamada sucessão por representação). Isso quer dizer que os filhos do premoriente (ou premorto, descendente morto antes do de cujus) deverão distribuir o quinhão que caberia ao descendente se vivo estivesse. Porém, isso não se aplica nem em caso de renúncia, nem para descendentes de graus mais elevados e apenas se houver ao menos um filho vivo além do premoriente (pois se todos os filhos estiverem inaptos a herdar, os netos herdam por cabeça, conforme anteriormente destacado). Exemplo: Levando-se em consideração o exemplo anterior, se Nestor Cerveró falecer antes de Aldemir Bendine, os netos Alberto Youssef e Fernando Baiano herdarão, cada um, R$ 112.500.00,00 (cento e doze milhões e quinhentos mil reais), pois dividem o patrimônio que caberia ao pai deles. O quinhão dos outros herdeiros permanece intacto. Se, além de Nestor Cerveró, Gleisi Hoffmann tivesse falecido antes de Aldemir Bendine, João Vaccari Neto herdaria R$ 225.000.000,00 (duzentos e vinte e cinco milhões de reais), o mesmo quinhão correspondente a ela.
Se, após o óbito de Bendine, Fernando Henrique falecer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha receberão, cada um, um terço do patrimônio de Fernando Henrique, devendo-se o outro terço distribuir-se entre os três filhos remanescentes de Bendine (Val Marchiori, Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco), nada cabendo aos bisnetos de Fernando Henrique (Alberto Youssef, Fernando Baiano e João Vaccari Neto) e nem à sua nora (Graça Foster. Afinal, parentes por afinidade, tais quais sogros, cunhados e genros, não possuem direitos sucessórios).
Caso não haja quaisquer descendentes aptos a herdar, os ASCENDENTES (segunda classe de preferência) herdarão TODA a herança, da seguinte forma:
– Cada ascendente herdará por cabeça, ou seja, receberá o mesmo quinhão do outro, assim como ocorre com os descendentes.
– Caso não haja pais vivos (ascendentes de 1º grau), os avós (ascendentes de 2º grau) herdarão tudo. Caso estes estejam falecidos, caberá a herança aos bisavós (por mais difícil que isso seja de acontecer), e assim sucessivamente, da mesma forma que ocorre com os descendentes.
– Porém, aqui há, para os sucessores de 2º grau, uma grande diferença em relação aos descendentes: os avós herdam por linha, e não por cabeça. Isso quer dizer que o patrimônio do de cujus é dividido entre a linha do pai e a linha da mãe: metade vai para os avôs paternos e metade vai para os avôs maternos. Isso quer dizer que, mesmo que só haja um avô paterno e dois avôs maternos, o avô paterno receberá metade da herança, enquanto cada avô materno receberá ¼. Exemplo: Levando-se em consideração que Paulo Roberto Costa é solteiro e conseguiu um patrimônio equivalente a R$ 1.000.000,000 (um milhão de reais), quando ele falecer, Aldemir Bendine e Graça Foster receberão, cada um, R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Se estes dois falecerem antes de Paulo Roberto Costa, Fernando Henrique e Dilma Rousseff receberão, cada um, o mesmo patrimônio. Porém, se a mãe de Graça Foster estiver viva, receberá R$ 500.000,00, enquanto Dilma e Fernando receberão, cada um, R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais).
– Se houver cônjuge vivo, concorrerá com os ascendentes de 1º grau (pais), da mesma forma que ocorre com os descendentes. E isso independente do regime de bens, pois o art. 1.829 nada dispõe a respeito. Exemplo: Se Aldemir Bendine e todos os seus descendentes estiverem falecidos, Fernando Henrique, Dilma Rousseff e Graça Foster receberão, cada um, R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais).
– Se concorrer com os ascendentes de graus mais elevados, herdará o cônjuge metade do patrimônio do de cujus, enquanto a outra metade será herdada por linha aos avós (ou bisavós, se for o caso). Exemplo: Se Paulo Roberto Costa for casado no momento do falecimento e seus pais estiverem inaptos a herdar, seu cônjuge receberá (levando-se em consideração o exemplo anterior) R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), enquanto Fernando Henrique e Dilma Rousseff receberão, cada um, R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). Se viva a mãe de Graça Foster, receberá ela R$ 250.000,00, enquanto Fernando e Dilma receberão, cada um, R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).
Caso não haja descendentes e ascendentes aptos a herdar, o CÔNJUGE (terceira classe de preferência) adquirirá TODO o patrimônio do autor da herança, independente, por óbvio, do regime de bens adotado. Porém, há algumas observações a serem feitas:
– Fala-se de cônjuge, ou seja, indivíduo que esteja na constância do casamento com o de cujus no momento da abertura da sucessão (falecimento do autor da herança). Isso quer dizer que tudo o que se falou até aqui acerca do cônjuge não se aplica à anulação de casamento, ao cônjuge que se divorciou, que está separado judicialmente e ao que está separado apenas de fato, mas por mais de dois anos e por culpa do falecido. Exemplo: Se Aldemir Bendine estiver divorciado no momento de seu falecimento, Graça Foster nada herdará, nem em concorrência com os descendentes ou ascendentes, nem quando estes estiverem inaptos a herdar. O mesmo ocorreria se ambos estivessem separados judicialmente, se o casamento fosse nulo (salvo o casamento putativo, ou seja, aquele que, apesar de nulo, for contraído de boa-fé) ou se, por culpa de Bendine, uma briga fizesse com que ambos fossem morar separados e sem se verem com frequência.
– Em caso de união estável, aplica-se regime sucessório totalmente diferente (o que será objeto de um futuro artigo no Direito Diário). Ou seja: tudo o que se falou até aqui acerca do cônjuge não se aplica ao companheiro.
– Ao cônjuge será garantido o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência familiar, mesmo que não o tenha recebido integralmente após a partilha, e independente se estiver herdando em concorrência ou a título universal. Isso quer dizer que o cônjuge terá o direito de morar no imóvel, mesmo que não tenha fruição ampla sobre o mesmo, não podendo, por exemplo, vendê-lo ou alugá-lo, pois ainda pertence à propriedade de todos os herdeiros (salvo se o cônjuge herdar, por óbvio, todo o imóvel, que nesse caso poderá usá-lo como quiser). Porém, se o de cujus tiver mais de um imóvel destinado à residência familiar, o cônjuge não terá o direito real de habitação a qualquer um deles.
Porém, se o de cujus, além de não ter ascendentes ou descendentes aptos a herdar, for solteiro, viúvo, ou seu cônjuge tenha renunciado a herança ou tenha sido declarado indigno, a herança será INTEGRALMENTE distribuída aos parentes COLATERAIS ATÉ O 4º GRAU (quarta e última classe de preferência), da seguinte forma:
– Apenas herdarão, como já salientado, os colaterais até o 4º grau de parentesco. São esses os irmãos (colaterais de 2º grau), os sobrinhos e tios (colaterais de 3º grau) e os primos, tios-avôs e sobrinhos-netos (colaterais de 4º grau). Não se incluem, portanto, os primos ditos de 2º grau.
– Os irmãos herdarão por cabeça, da mesma forma que ocorreria com os descendentes e ascendentes.
– Irmãos germanos (bilaterais) receberão o dobro do quinhão cabível aos meio-irmãos (unilaterais). Exemplo: Se Paulo Roberto Costa, com seus R$ 1.000.000,00 daquele outro exemplo, falecer depois de todos os seus ascendentes, Val Marchiori herdará aproximadamente R$ 142.857,14 (cento e quarenta e dois mil, oitocentos e cinquenta e sete reais e quatorze centavos), enquanto Nestor Cerveró, Pedro Barusco e Gleisi Hoffmann herdarão, cada um, R$ 285.714,28 (duzentos e oitenta e cinco mil, setecentos e quatorze reais e vinte e oito centavos, valor equivalente ao dobro do quinhão de Val Marchiori, irmã unilateral).
– Se o de cujus não tiver irmão apto a herdar, os seus sobrinhos (e apenas estes) herdarão por cabeça, mesmo sendo eles do mesmo grau de parentesco dos tios (3º grau). Entende a Lei que os sobrinhos, por serem mais jovens, necessitam mais da herança. Exemplo: Se todos os ascendentes e irmãos de Paulo Roberto Costa estiverem falecidos, quando ele morrer, Alberto Youssef, Fernando Baiano e João Vaccari Neto herdarão, cada um, aproximadamente, R$ 333,333,33 (trezentos e trinta e três mil, trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos), nada cabendo a Renan Calheiros e Eduardo Cunha.
– Na distribuição da herança entre sobrinhos, filhos de irmãos germanos receberão o dobro do quinhão cabível aos filhos de meio-irmãos. Exemplo: Levando-se em consideração o último exemplo, se Val Marchiori tiver um filho, ele herdará apenas R$ 142.857,14 (cento e quarenta e dois mil, oitocentos e cinquenta e sete reais e quatorze centavos), enquanto Alberto Youssef, Fernando Baiano e João Vaccari Neto herdarão, cada um, R$ 285.714,28 (duzentos e oitenta e cinco mil, setecentos e quatorze reais e vinte e oito centavos).
– Sobrinhos também podem herdar por estirpe, caso haja irmãos premorientes ou indignos, havendo pelo menos um vivo. Aplica-se aqui o mesmo que se aplica à herança por estirpe de netos, conforme demonstrado anteriormente. Exemplo: Se Eduardo Cunha possui um patrimônio equivalente a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais, parte dessa quantia depositada na Suíça), falecendo ele após Fernando Henrique, Dilma Rousseff e Aldemir Bendine, o irmão Renan Calheiros herdará R$ 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais), enquanto os sobrinhos Val Marchiori, Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró, Pedro Barusco e Gleisi Hoffmann herdarão, cada um, R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).
–Se não houver irmãos e sobrinhos aptos a herdar, os tios, tanto do lado paterno quanto materno, herdarão por cabeça. Exemplo: Se todos os ascendentes, irmãos e sobrinhos de Paulo Roberto Costa não estiverem aptos a herdar, Renan Calheiros e Eduardo Cunha herdarão, cada um, R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
–Por fim, se houver nem mesmo tios aptos a herdar, os primos, tios-avôs e sobrinhos-netos receberão o quinhão de cada um por cabeça, sem qualquer discriminação.
E se o de cujus não tiver qualquer parente elencado no rol do art. 1.829 apto a herdar? Simples: seu patrimônio será transferido ao Poder Público. Primeiramente, será declarado “herança jacente”, para, depois de um longo processo (que não cabe aqui descrever), transformar-se em “herança vacante” e depois em patrimônio público. Pertencerá, mais especificamente, ao Município em que estiver localizada a herança, ou ao Distrito Federal, se aí estiver localizada. Em se tratando de território federal, transferir-se-á à União.
Resumindo: toda a nossa herança vai aos nossos descendentes (filhos, netos…), devendo reparti-la com nosso cônjuge (se houver). Caso não tenhamos descendentes, deverá ser repartida entre nossos ascendentes (pais, avós…) e nosso cônjuge (se houver). Se nossos ascendentes não puderem herdar, o cônjuge adquirirá todo o nosso patrimônio deixado. Se não formos casados no momento do óbito (ou houver renúncia ou indignidade), herdarão nossos colaterais nesta ordem: irmãos, sobrinhos, tios e primos/tios-avôs/sobrinhos-netos. Por fim, se não houver qualquer parente próximo apto a herdar, o Poder Público apropriar-se-á da nossa herança.
Referências: [1]Na sucessão testamentária, não há, na verdade, total liberdade para escolha dos herdeiros e de quanto caberá a cada um. Isso porque, sempre, por imposição legal, metade de todo o patrimônio do de cujus deve estar reservado aos chamados “herdeiros necessários” (descendentes, ascendentes e cônjuge). Isso quer dizer que um testamento só é válido para metade do patrimônio, chamado de “parte disponível” da herança, justamente porque o testador pode dispor dela como quiser, inclusive concedendo uma parcela maior do seu patrimônio a um ou mais herdeiros necessários. Já a outra metade, a parte indisponível da herança, também chamada de “legítima”, será obrigatoriamente distribuída entre os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (se houver) do de cujus, conforme as regras da sucessão legítima, objeto desse artigo. A única exceção a essa norma são os casos de deserdação, excepcionais, que estão taxativamente listados no Código Civil. [2]Não está apto para suceder quem morre (obviamente), quem renuncia a herança e quem é judicialmente declarado indigno. Fora esses três casos, o herdeiro obrigatoriamente deverá receber, após a partilha, o quinhão que a lei lhe determina. A herança, como um direito que é, pode ser renunciada pelo herdeiro, pois ninguém é obrigado a herdar. Caso o sucessor renuncie expressamente a ela, o que deve ser feito mediante instrumento público (a ser procedido em cartório) ou termo judicial lançado nos autos do inventário (ou seja, deve o renunciante comunicar ao juiz responsável pelo inventário essa sua condição), nada herdará, como se nunca fosse sucessor. Além disso, existem atos de tanta má índole para com o de cujusque, caso cometido por algum herdeiro, perderá este o direito de herdar, sendo declarado indigno. Estão esses atos descritos taxativamente no artigo 1.814 do Código Civil, a saber: “Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade”. Porém, a indignidade só é válida se cada um dos atos acima transcritos for reconhecido por sentença judicial em ação declaratória própria para isso. Além disso, não é obrigatória a existência de condenação anterior em juízo criminal. Exemplo: se algum herdeiro tentou matar o de cujus e essa tentativa for provada pelo próprio juízo cível, já basta para configurar a indignidade. [3]No Código Civil anterior, de 1916, as normas sucessórias tinham diferenças marcantes. Por exemplo, os descendentes possuíam regime sucessório diferenciado caso fossem havidos no casamento, fora dele ou fossem adotivos, fato que sofreu fortes alterações após a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/1977) e que se extinguiu com o advento da Constituição Federal de 1988, que proibiu qualquer discriminação relativa à filiação. Além disso, os cônjuges só começaram a herdar em concorrência com descendentes e ascendentes e a serem herdeiros necessários a partir do Código Civil de 2002.
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Vilipêndio a cadáver é um crime que reflete a relação da sociedade com a dignidade humana, mesmo após a morte. Desde tempos antigos, civilizações atribuem um valor sagrado aos rituais fúnebres e ao corpo dos falecidos, entendendo que o respeito a esses aspectos é essencial para honrar não só a memória dos mortos, mas também a paz e a moral dos vivos.
Assim, leis surgiram para proteger essa dignidade, garantindo que o corpo e o descanso do falecido sejam preservados de qualquer ataque ou tratamento desrespeitoso. Vamos entender um pouco mais sobre isso.
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Abordagem histórica do vilipêndio ao cadáver
O sentimento que o homem tem em relação aos seus pares atravessou os séculos, gerações e a seleção natural. É uma característica intrínseca ao homo sapiens a capacidade de se afeiçoar aos outros de sua mesma espécie, permitindo que laços sejam criados como forma de facilitar a convivência em sociedade.
É por meio dele que se constroem os pilares das relações humanas, que vão guiar os homens por toda a vida e permitir que eles se unam com base tanto pela relação sanguínea quanto pela afetiva.
Esse sentimento não desparece após a morte de um ente querido, pelo contrário. Não são raras às vezes em que a dor da perda é responsável por unir e aproximar. O ritual fúnebre é a forma pelo qual as pessoas se despedem e isso é característica de todos os povos, independente de raça ou religião.
É nesse momento em que se cultua sua memória, integridade, história e imagem, de forma que esses valores transcendam sua morte. Além de ser uma forma de preservar a imagem do morto, também é o meio encontrado para acalentar os familiares pela dor da perda, que é sempre inevitável.
O culto aos mortos é comum a quase todas as épocas e quase todos os povos, vindo da Grécia antiga o costume de guardar luto, acender velas, levar coroas e flores. Segundo relato de Freud, o luto é uma forma de sobrevivência. É a forma usada pelos os que sobrevivem para lidar com a perda de alguém que continuará a ser querido, mesmo que não se encontre mais presente junto aos demais.
Se cadáver é o corpo humano que viveu, então o respeito que se deve aos mortos é consequência da vida que eles tiveram, da sua memória e do que fizeram em vida.
Vilipêndio ao cadáver e o Direito
No sentido tanto de proteger tanto a memória do morto quanto preservar os seus familiares nesse momento delicado, o Código Penal traz, em seu Título V, os crimes contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos.
O legislador uniu essas duas espécies de crimes em um só Título por conta da afinidade entre eles, já que o sentimento religioso e o respeito aos mortos consistem valores éticos e morais que se assemelham, posto que o tributo que se dá a eles advém de um caráter religioso que se propagou ao longo dos séculos, abordando, assim, o vilipêndio ao cadáver.
O artigo 212 do referido diploma legal apresenta a tipificação relacionada ao vilipêndio ao cadáver ou suas cinzas, cominando pena de detenção de um a três anos, além de multa. O bem jurídico tutelado nesse caso é o sentimento de respeito aos mortos, já que o de cujus não é considerado titular de direito.
Assim, tutelar esse direito possui um caráter social e por isso que o sujeito passivo dos crimes contra o respeito aos mortos também é o Estado, já que ele é a personificação da coletividade e tem a missão de protegê-la como um dos seus interesses primordiais. O vilipêndio ao cadáver, segundo Rogério Sanches da Cunha, em Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P. 433, se define como:
É crime de execução livre, podendo ser praticado pelo escarro, pela conspurcação, desnudamento, colocação do cadáver em posições grosseiras ou irreverentes, pela aposição de máscaras ou de símbolos burlescos e até mesmo por meio de palavras; pratica o vilipêndio quem desveste o cadáver, corta-lhe um membro com propósito ultrajante, derrama líquidos imundos sobre ele ou suas cinzas (RT 493/362).
Assim, a tipificação legal do vilipêndio é clara em nosso ordenamento jurídico e não deixa margem para dúvidas quanto a sua interpretação. Todavia, com o advento da internet e da rápida disseminação de imagens e informações, o vilipêndio ao cadáver ganhou novas formas de ser praticada.
Vilipêndio ao cadáver no mundo digital
O compartilhamento de fotos e vídeos que claramente desrespeitam a imagem do morto se propaga de firma assombrosa pela rede mundial de computadores em questão de minutos. Em casos de acidentes ou crimes brutais, muitas vezes as imagens chegam às redes sociais antes mesmo que as autoridades policiais e locais sejam comunicadas do ocorrido.
Este fato acaba gerando empecilhos às investigações, já que na tentativa macabra de registrar o ocorrido, as pessoas acabam contaminando a cena do crime e, consequentemente, prejudicando as investigações, tudo em prol de um motivo injustificável.
Não se pode alegar, entretanto, que essa forma de cometer o vilipêndio ao cadáver é uma das mazelas do século XXI. Antigamente a prática já existia, mas como as informações não se propagavam tão rapidamente, as imagens eram armazenadas em disquetes ou CD’s e levavam anos para serem expostas.
Hoje, ao contrário, a facilidade com que os arquivos digitais podem ser compartilhados, copiados e propagados atropela as ponderações sobre o certo e errado, bem e mal, engraçado e depreciativo.
Não é raro o internauta se deparar com imagens de corpos completamente desfigurados, que circulam pelas redes sociais de forma incessante, em um claro desrespeito à memória do morto e ao sentimento de pesar da família.
Assim, a família, além de ter que lidar com a dor da perda, ainda precisa suportar a situação vexatória de ver imagens do ente querido expostas aos olhos do mundo. Um momento provado torna-se público da pior maneia possível, gerando traumas e danos de difícil reparação.
O vilipêndio ao cadáver que acontece por meio do compartilhamento das fotos ou vídeos, entretanto, apesar de ser fato atípico para o Direito Penal, se insere na seara do Direito Civil e gera ilícito, já que quem provoca dano a outrem é obrigado a repará-lo, conforme se depreende dos artigos 186 e 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), os quais seguem transcritos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
O dano em questão trata-se, no caso do vilipêndio, da situação vexatória que a família do morto sofre ao se deparar com fotos ou vídeos do ente querido sendo compartilhados indiscriminadamente como se fossem motivo de diversão aos olhos de um público que se satisfaz com o sofrimento alheio. Este é o motivo pelo qual a conduta de divulgar merece tanto repúdio quanto a de quem fornece as imagens.
Dessa forma, busca o Estado, na sua qualidade de protetor da sociedade, preservar a memória do morto e evitar a situação vexatória pela qual a família passa. Quando isso não se configura possível, deve o Estado reparar o sofrimento causado à família da vítima como forma de modelo corretivo para evitar que tais condutas continuem a ser praticadas.
A atitude de quem divulga e compartilha tais imagens é reprovada jurídica e socialmente, com punições para ambos os casos. Não é por a internet ser um território aparentemente livre e onde todos podem expor suas opiniões que os direitos perdem as suas garantias fundamentais, motivo pelo qual se torna necessário ponderar antes de compartilhar e facilitar a propagação de qualquer conteúdo, e em especial os que são visivelmente prejudiciais e vexatórios. As responsabilizações cíveis e criminais, dependendo da conduta, existem e são aplicadas, mas a maioria das pessoas infelizmente só dá conta disso quando já é tarde demais.
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Referências:
BRASIL. Código Penal Brasileiro (1940). Código Penal Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 1940.
BRASIL. Código Civil Brasileiro (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF, Senado, 2002.
SOUZA, Gláucia Martinhago Borges Ferreira de. A era digital e o vilipêndio ao cadáver. Disponível em: <http://gaumb.jusbrasil.com.br/artigos/184622172/a-era-digital-e-o-vilipendio-a-cadaver>. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
CUNHA, Rogério Sanches da. Manual de Direito Penal – Parte Especial. Ed Jus Povivm, 7ª Ed. P.433
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1 de setembro de 2024A Convenção de Nova York foi instituída em 1958 e, desde aquela época, o seu texto não foi modificado de forma direta. Somente em 2006 foi reunida uma Assembleia Geral que emitiu um documento explicitando como deveria ser a interpretação de alguns dispositivos jurídicos deste tratado à luz do desenvolvimento tecnológico das últimas décadas.
Esta atualização, entretanto, em nenhum momento fez menção ao artigo 1º da Convenção de Nova York, sendo este justamente o dispositivo jurídico que impediria a aplicação deste tratado para as sentenças arbitrais eletrônicas. Alguns defendem que este acordo não necessitaria de atualizações. Na verdade, o que seria mandatório era a instituição de uma nova convenção voltada exclusivamente para a arbitragem eletrônica.
Apesar da clara dificuldade de este acordo vir a ser elaborado, e da esperada demora para que a convenção venha a ser reconhecida amplamente na comunidade internacional, a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional tem defendido essa tese para as arbitragens envolvendo relações consumeristas. Em 2013, este órgão internacional publicou um documento em que defendia essa posição:
The Working Group may also wish to recall that at its twenty-second session, albeit in the context of arbitral awards arising out of ODR procedures, it considered that a need existed to address mechanisms that were simpler than the enforcement mechanism provided by the Convention on the Recognition and Enforcement of Foreign Arbitral Awards (New York, 1958), given the need for a practical and expeditious mechanism in the context of low-value, high-volume transactions.1
Pode-se perceber, portanto, que esta não é a solução que melhor se alinha com o pleno desenvolvimento da arbitragem eletrônica na seara internacional. O melhor, portanto, seria atualizar o art. 1º da Convenção de Nova York para que o mesmo passe a abranger o processo arbitral eletrônico.
Outro artigo da Convenção de Nova York que necessita de atualização é a alínea d do seu artigo 5º, que assim estipula:
Article V. Recognition and enforcement of the award may be refused, at the request of the party against whom it is invoked, only if that party furnishes to the competent authority where the recognition and enforcement is sought, proof that:
(…)
(d) The composition of the arbitral authority or the arbitral procedure was not in accordance with the agreement of the parties, or, failing such agreement, was not in accordance with the law of the country where the arbitration took place;2
No âmbito da arbitragem eletrônica, caso as partes não tenham definido como o procedimento será regulado, pode ser muito difícil discernir se o processo arbitral esteve de acordo com a lei do local da arbitragem. Afinal, conforme tratou-se em outra parte deste trabalho, a definição desta pode ser extremamente dificultosa.
Logo, na prática jurídica, a solução mais viável atualmente seria obrigar as partes de um processo arbitral eletrônico a sempre definirem da maneira mais completa possível como a arbitragem irá proceder.
Esta obrigatoriedade pode prejudicar a popularidade daquela, pois, com isso, cria-se mais uma condição para que este tipo de processo venha a ocorrer de modo legítimo, dificultando, pois, a sucessão do mesmo. Apesar disso, esta solução seria a que causaria menos dano para a arbitragem eletrônica no âmbito internacional.
Além disso, a Lei-Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional estipula em seu artigo 20:
Article 20. The parties are free to agree on the place of arbitration. Failing such agreement, the place of arbitration shall be determined by the arbitral tribunal having regard to the circumstances of the case, including the convenience of the parties.3
Logo, segundo esta lei-modelo, é perfeitamente cabível às partes escolherem o local em que o processo arbitral ocorrerá, havendo, portanto, a aplicação do que parte da doutrina chama de forum shopping, ou seja, a escolha do foro mais favorável por parte do autor (Del’Olmo, 2014, p. 398).
É válido ressaltar, ainda, que a lei-modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional serve como base para a lei de arbitragem de mais de 60 países, estando presente em todos os continentes (Moses, 2012, p. 6-7). Com isso, demonstra-se que a necessidade da escolha do local do processo arbitral eletrônico estaria de acordo com o atual estágio de desenvolvimento da arbitragem internacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROWN, Chester; MILES, Kate. Evolution in Investment Treaty Law. 1ª ed. London: Cambridge University Press, 2011;
DEL’OLMO, F. S. Curso de Direito Internacional Privado. 10.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
EMERSON, Franklin D. History of Arbitration Practice and Law. In: Cleveland State Law Review. Cleveland,vol. 19, nº 19, p. 155-164. Junho 1970. Disponível em: <http://engagedscholarship.csuohio.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2726&context=clevstlrev> Acesso em: 18. mar. 2016.
GABBAY, Daniela Monteiro; MAZZONETTO, Nathalia ; KOBAYASHI, Patrícia Shiguemi . Desafios e Cuidados na Redação das Cláusulas de Arbitragem. In: Fabrício Bertini Pasquot Polido; Maristela Basso. (Org.). Arbitragem Comercial: Princípios, Instituições e Procedimentos, a Prática no CAM-CCBC. 1ed.São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. 1, p. 93-130
GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
HERBOCZKOVÁ, Jana. Certain Aspects of Online Arbitration. In: Masaryk University Law Review. Praga, vol. 1, n. 2, p. 1-12. Julho 2010. Disponível em: < http://www.law.muni.cz/sborniky/dp08/files/pdf/mezinaro/herboczkova.pdf> Acesso em 19. mai. 2016;
HEUVEL, Esther Van Den. Online Dispute Resolution as a Solution to Cross-Border E-Disputes an Introduction to ODR. OECD REPORT. Paris, vol. 1. n. 1. p. 1-31. Abril de 2003. Disponível em: <www.oecd.org/internet/consumer/1878940.pdf> Acesso em: 10 abril. 2016;
KACKER, Ujjwal; SALUJA, Taran. Online Arbitration For Resolving E-Commerce Disputes: Gateway To The Future. Indian Journal of Arbitration Law. Mumbai, vol. 3. nº 1. p. 31-44. Abril de 2014. Disponível em: < http://goo.gl/FtHi0A > Acesso em 20. mar. 2016;
Artigos
O que é uma Associação Criminosa para o Direito em 2024
Publicado
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27 de agosto de 2024A associação criminosa, no direito brasileiro, é configurada quando três ou mais pessoas se unem de forma estável e permanente com o objetivo de praticar crimes. Esse tipo de associação não se refere a um crime isolado, mas à criação de uma organização que visa à prática de atividades ilícitas de maneira contínua e coordenada.
Veja-se como está disposto no Código Penal, litteris:
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Elementos Característicos da Associação Criminosa
Em primeiro lugar, para configurar a associação criminosa, é necessário que haja a participação de, no mínimo, três pessoas. Se o grupo for formado por apenas duas pessoas, pode caracterizar-se como “concurso de pessoas” em vez de associação criminosa.
Outro aspecto essencial para que seja possível a tipificação é que a associação criminosa deve ter como finalidade a prática de crimes. A existência de um propósito comum e a estabilidade do grupo são fundamentais para a configuração do delito.
Além disso, diferente da mera coautoria em um crime específico, a associação criminosa exige uma relação contínua e duradoura entre os membros, com a intenção de cometer crimes de forma reiterada.
Concurso de Pessoas, Organização Criminosa e Associação Criminosa
É importante diferenciar a associação criminosa de outros crimes semelhantes, como o crime de organização criminosa, previsto na Lei nº 12.850/2013.
A organização criminosa, além de exigir um número maior de participantes (mínimo de quatro pessoas), envolve uma estrutura organizada, com divisão de tarefas e objetivo de praticar crimes graves, especialmente aqueles previstos no rol da lei de organizações criminosas.
No caso da associação criminosa, como já observamos, não é necessário uma organização minuciosa, bastando um conluio de pessoas que tenham por objetivo comum a prática de crimes de maneira habitual.
Ademais, outra importante diferença que possa ser apontada entre o crime de associação criminosa e concurso de pessoas; é que na associação criminosa pouco importa se os crimes, para os quais foi constituída, foram ou não praticados.
Além do vínculo associativo e da pluralidade de agentes, o tipo requer, ainda, que a associação tenha uma finalidade especial, qual seja, a de praticar crimes, e para a realização do tipo não necessitam serem da mesma espécie. Insista-se, os crimes, para que se aperfeiçoe o tipo, não necessitam que tenham sido executados, haja vista que a proteção vislumbrada pelo tipo é a da paz pública.
Para o Superior Tribunal de Justiça, é essencial que seja comprovada a estabilidade e a permanência para fins de caracterização da associação criminosa, veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, para a subsunção do comportamento do acusado ao tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imperiosa a demonstração da estabilidade e da permanência da associação criminosa.
2. Na espécie, não foram apontados elementos concretos que revelassem vínculo estável, habitual e permanente dos acusados para a prática do comércio de estupefacientes. O referido vínculo foi presumido pela Corte estadual em razão da quantidade dos entorpecentes, da forma de seu acondicionamento e do tempo decorrido no transporte interestadual, não ficando demonstrado o dolo associativo duradouro com objetivo de fomentar o tráfico, mediante uma estrutura organizada e divisão de tarefas.
3. Para se alcançar essa conclusão, não é necessário o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, pois a dissonância existente entre a jurisprudência desta Corte Superior e o entendimento das instâncias ordinárias revela-se unicamente jurídica, sendo possível constatá-la da simples leitura da sentença condenatória e do voto condutor do acórdão impugnado, a partir das premissas fáticas neles fixadas.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 862.806/AC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024.)
Interessante observar um pouco mais sobre as diferenças entre organizações criminosas e associações criminosas aqui.
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Outros Aspectos Importantes
O art. 8° da Lei 8.072/90 prevê uma circunstância qualificadora, que eleva a pena de reclusão para três a seis anos, quando a associação visar a prática de crimes hediondos ou a eles equiparados.
Importante, ainda, não confundir o crime previsto no Código Penal com o estipulado na Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) e na Lei n. 12.830/13 (art. 1º, parágrafo 2º). A Lei 11.343/2006, no seu art. 35, pune com reclusão de 3 a 1 0 anos associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico de drogas (art. 33) ou de maquinários (art. 34). Nas mesmas penas incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 (financiamento do tráfico).
A Lei n° 12.850/13 define, em seu art. 1 °, § 2°, a organização criminosa como sendo a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.
No art. 2°, referida Lei pune, com reclusão de três a oito anos, e multa, as condutas de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.
Por fim, como já foi dito, é imprescindível observar com atenção cada uma das elementares típicas dos crimes aqui narrados. O art. 288 traz uma previsão geral para o crime de associação criminosa, enquanto que nos demais tipos da legislação esparsa vislumbra-se a aplicação específica em situações peculiares, ainda que possam guardar semelhanças, esses são tipos que possuem elementares diversas.
Importante atentar-se sempre para o princípio da especialidade e as situações fáticas de cada caso concreto para que se amolde ao tipo penal mais adequado.
Não esqueçamos que o bem jurídico tutelado pelo tipo do art. 288 do CP é a paz pública. A pena cominada ao delito admite a suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95). A ação penal será pública incondicionada.
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REFERÊNCIAS:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa – 13. ed. rec., ampl. e atual. de acordo com as Leis n. 12.653, 12.720, de 2012 – São Paulo, Saraiva, 2013, 537 p.
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