Mudança de entendimento do STJ acerca teoria da dupla imputação no Direito Ambiental

Com o intuito de proteger o meio ambiente, a Constituição Federal em seu art. 225, § 3° dispôs sobre a responsabilização de pessoas físicas e jurídicas quando causadoras de dano ambiental. Conforme disposição in litteris:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
(…)
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (grifo nosso)

Porém, a Constituição Federal não disciplinou em que termos se daria a responsabilização das pessoas jurídicas, deixando essa tarefa para a legislação infraconstitucional. Em 1998, promulgou-se a Lei n° 9.605, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas das condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. (grifo nosso).

Mesmo depois de a Lei n° 9.605/98 determinar claramente a responsabilidade administrativa, civil e penal das pessoas jurídicas quando elas causarem danos ambientais, algumas teorias na doutrina surgiram, em uma tentativa de compreender a amplitude dessa responsabilização.

Em uma primeira corrente, a Constituição Federal não teria previsto a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Essa corrente atenta para uma interpretação gramatical e literal da Constituição, em que ela teria previsto “sanções penais” somente para as “condutas” realizadas pelas “pessoas físicas”, no caso das “atividades lesivas” feitas por “pessoas jurídicas”, elas somente seriam alvos de “sanções administrativas”. Ademais, outro fundamento seria o da impossibilidade de repassar a responsabilidade penal para a pessoa jurídica, considerando o princípio da pessoalidade da pena, previsto no art. 5° da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; (grifo nosso)

Dessa maneira, como quem comete o ato lesivo somente pode ser uma pessoa física, o princípio da pessoalidade da pena impediria que houvesse a responsabilização da pessoa jurídica.

A segunda corrente adota a Teoria da Ficção Jurídica, desenvolvida por Sauvigny. Considerando que a pessoa jurídica é uma mera abstração jurídica, ela não poderia cometer crimes, já que é despida de vontade e consciência, e tampouco age com culpabilidade. Portanto, o art. 3° da Lei n° 9.605/98, não dispõe que a pessoa jurídica é sujeito ativo do crime, apenas que ela tem responsabilidade pelos crimes ambientais cometidos pela pessoa física. Seria a Responsabilidade Penal Indireta por Fato de Terceiro. Essa é a corrente majoritária na doutrina.

Por fim, a terceira corrente dispõe que a pessoa jurídica pode ser sujeito ativo de crimes ambientais, visto que seria um ente real, com vontades e finalidades próprias, diversas das pessoas físicas que a compõe. Para que seja possível a imposição de uma pena é necessário, primeiramente, que seja reconhecida a culpabilidade da pessoa jurídica, reconhecida aqui, conforme o entendimento do Ministro Gilson Dipp do STJ, como uma culpabilidade social e coletiva, emanada de decisões autônomas.

Na decisão do Recurso Especial n° 564.960 – SC, o Ministro Gilson Dipp aduz, de forma clara e acessível:

CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO. I. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial. II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. “De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado.”. IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade.  X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado…”, pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-penal. XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator. (grifo nosso).

O Superior Tribunal de Justiça adota a terceira corrente. E mais, apresentava ainda o entendimento de que somente seria possível a responsabilidade penal da pessoa jurídica por dano ambiental se houver a imputação simultânea da pessoa física que atuava em seu nome (teoria da dupla imputação). Desse modo, a pessoa jurídica e as pessoas físicas que praticaram o delito deveriam constar obrigatoriamente na denúncia promovida pelo Ministério Público, sob pena de a exordial sequer ser recebida.

Até outubro de 2014, o STF seguia a mesma posição do STJ, aplicando a teoria da dupla imputação nos processos que envolviam pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Porém, ao julgar o Recurso Extraordinário n° 548.181 (Paraná), o STF mudou seu entendimento, para excluir a teoria da dupla imputação, já que a Constituição Federal, em seu art. 225, § 3°:

Não teria condicionado a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa.

Essa mudança de entendimento permitiu evitar impunidades pelos crimes ambientais e, consequentemente, reforçar a tutela do bem jurídico ambiental, visto que havia uma dificuldade de individualização dos responsáveis.

O STJ, porém, não seguiu a mudança do STF, permanecendo a aplicar a teoria da dupla imputação até agosto de 2015, quando em um julgamento realizado pela Quinta Turma, determinou-se o prosseguimento da ação penal em que a pessoa jurídica responderia sozinha pelo dano ambiental.

No julgamento do Recurso em Mandado de Segurança n° 39.173 (BA), o STJ permitiu o prosseguimento da ação penal em que a Petrobras era acusada de crime ambiental. O Juiz de primeiro grau absolveu o gerente em Sentença, porém, determinou o prosseguimento da ação penal exclusivamente contra a pessoa jurídica.

O Acórdão, por unanimidade, afastou a tese de que a pessoa jurídica não poderia ser responsabilizada sozinha pelo delito, sem que houvesse a responsabilidade solidária da pessoa física que a representa. Uniformizando, portanto, os entendimentos dos tribunais superiores acerca da responsabilidade penal de pessoas jurídicas.

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