O paradoxo na intervenção de terceiros à luz do novo Código de Processo Civil

“Art. 119. Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la.” (BRASIL, 2015, online)

Como sabido, os sujeitos da relação processual são: o juiz, o autor e o réu, sendo os dois últimos, partes. Os conceitos são debruçados em várias situações pelo Código de Processo Civil, que os trabalha para garantir a segurança jurídica e o devido processo legal.

Ainda que a relação esteja estabelecida, é possível que incidentes aconteçam durante o andamento processual. Dentre tais imprevistos, encontramos a possibilidade de terceiros intervirem no processo. O assunto abriga algumas confusões e obscuridades, que são frutos da infelicidade do legislador em redigir o dispositivo referente aos institutos.

Os terceiros e as partes não se confundem, sendo facilmente detectadas. Logo, a intervenção de terceiros normalmente é conceituada como: alguém que, juridicamente interessado e alheio ao processo, passa a compor a lide, seja voluntariamente ou necessariamente.

Dentre as espécies de intervenção no Novo Código de Processo Civil, focaremos o estudo na assistência, na denunciação da lide e no chamamento ao processo. Oposição e nomeação à autoria, que estão no código vigente, não são mais modalidades interventoras no novo código.

No código de 1973, a assistência está localizada no Livro I, Título II e Capítulo V, que trata do litisconsórcio e da assistência. Agora, com o novo código, ela está inserida em título próprio da intervenção de terceiros. Segue o dispositivo:

TÍTULO III

DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS

CAPÍTULO I

DA ASSISTÊNCIA

[…]

Art. 119. Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la

Parágrafo único.  A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre. (BRASIL, 2015, online)

Esse instituto é dividido em duas espécies: a simples e a “litisconsorcial”. Na primeira, o terceiro não defende, a rigor, interesse próprio, e sim da parte que será assistida. O seu interesse jurídico é indireto, ou seja, o resultado daquela ação se for desfavorável ao assistido, poderá resvalar no direito do assistente, afetando-o.

Art. 121.  O assistente simples atuará como auxiliar da parte principal, exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido. (BRASIL, 2015, online)

Na assistência “litisconsorcial”, por outro lado, o interesse jurídico do interveniente é mais forte e real, pois ele será diretamente afetado se a sentença for desfavorável para o assistido.

Art. 124.  Considera-se litisconsorte da parte principal o assistente sempre que a sentença influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido. (BRASIL, 2015, online)

A problemática reside na última modalidade. Ora, se seu interesse jurídico é pleno e forte, ao ponto de afetar diretamente sua relação e situação jurídica, não há que se falar de intervenção de terceiros. A contradição está no artigo ao afirmar que o assistente será considerado como litisconsorte. Afinal, o assistente “litisconsorcial” é terceiro ou parte?

Equivocado é o termo, pois não existe terceiro que seja parte, e nem parte que seja terceiro. Ambos não podem coexistir.

A princípio, a assistência será qualificada, contudo, nada impede que, mesmo com a relação processual estabelecida, elas venham a fazer parte do pólo ativo ou passivo. O caso concreto deverá ser analisado, levando em conta o interesse jurídico. Além disso, limites devem ser impostos para o assistente, que não é parte. Vejamos o que Oliveira Filho (2003), disse:

Importante ressaltar que a figura do assistente litisconsorcial só existirá nos casos em que for possível o litisconsórcio facultativo, isto é, quando aquele que poderia ter figurado no polo ativo da relação processual preferiu ficar inicialmente de fora, ou quando um dos réus foi excluído da relação jurídica processual pelo autor, vindo posteriormente, em ambos os casos, intervir no feito como assistentes. (OLIVEIRA FILHO, 2003, online)

Em prática, a linha entre a assistência qualificada e entre parte, é tênue. Nada impede que o terceiro integre um dos pólos processuais, afinal, o objeto em questão irá interferir diretamente na sua esfera, seja o assistido perdendo ou ganhando.

Além da assistência, temos a nomeação à autoria, prevista no Artigo 338 do Novo CPC. Ela nunca foi espécie de intervenção, apesar de estar na parte em que trata disso no código vigente.

Continuou sendo hipótese de correção do pólo passivo pelo autor, o que se apresenta como correto e lógico, além de ser retirada da parte que trata da intervenção de terceiros. Afinal, se o autor demandou equivocadamente contra outrem, este tem o direito de apontar o equívoco e dizer quem na verdade deveria estar naquela posição.

A oposição, por sua vez, passa longe do conceito de intervenção de terceiros, embora esteja classificada como tal no CPC vigente. Ela é uma ação diversa, apensada à principal, que tem como escopo pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem o autor e réu. O novo código aborda o instituto em outro momento, longe da intervenção.

Contudo, a denunciação da lide e o chamamento ao processo ainda continuam como modalidades do referido tema deste artigo, continuando a incoerência jurídica.

A denunciação da lide visa garantir o direito de regresso por intermédio de uma ação. Então, não existe nenhum terceiro intervindo no processo, uma vez que ela estará apensada à ação principal.

Art. 125.  É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:

I – ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;

II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo. (BRASIL, 2015, online)

Quanto ao chamamento ao processo, notamos uma falha grotesca do legislador:

Art. 130.  É admissível o chamamento ao processo, requerido pelo réu:

I – do afiançado, na ação em que o fiador for réu;

II – dos demais fiadores, na ação proposta contra um ou alguns deles;

III – dos demais devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns o pagamento da dívida comum. (BRASIL, 2015, online)

O instituto acima tem como objetivo a ampliação do pólo passivo processual. Ora, se o fiador foi demandado em lugar do afiançado, e se há obrigações solidárias, não há terceiro algum! O que ocorre é: por falha, erro ou até mesmo por opção do autor, este não demandou contra todos, já que seu objetivo é dar identidade ao objeto em litígio para que possa ser resolvido.

Vejamos o que Misael Montenegro Filho, citado por Ferreira (2012), diz:

“a afirmação alusiva à qualificação do terceiro como parte do processo, a partir do momento em que a sua permanência é admitida, não encontra eco unânime na doutrina, entendendo a maior parte dos doutrinadores que o nomeado (na nomeação à autoria), o denunciado (na denunciação da lide), o chamado (no chamamento ao processo) e o oponente (na oposição) jamais se libertam da condição de terceiros, não podendo ser acrescidos ao conceito de parte, o que não nos parece lógico e acertado”

Brilhante observação do jurista, pois os institutos abordados revelam uma ilusória intervenção de terceiros. O que verificamos, com exceção da assistência simples, é que o terceiro não é alheio ao processo. Desde antes da sua formação, ele está ligado intimamente, revelando-se como parte.

E isso se reflete na assistência qualificada, que deve ser analisada no caso concreto qual será o papel do sujeito. Se a relação jurídica possa vir a ser afetada diretamente por uma decisão judicial, ele não deve ser um assistente, pois seu interesse jurídico é enorme. Para defender sua posição ele precisa ter plenos poderes para tal, que só teria sendo parte.

Tanto é que o próprio código apresenta o paradoxo ao afirmar que o assistente será litisconsorte do assistido. Uma verdadeira confusão!

Em suma, resta claro a infelicidade do legislador na maioria das modalidades apresentadas. O NCPC trouxe alguns avanços nessa questão, como já mostradas, porém repetiu outros erros no texto legal. Cabe aos operadores do direito interpretarem em consonância com os preceitos legais para não ocorrerem absurdos jurídicos.


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Palácio do Planalto Presidência da República, 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 03 set. 2015

GUEDES FERREIRA, William. A intervenção de terceiros no novo Código de Processo Civil. Conteúdo Jurídico, 2012. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-intervencao-de-terceiros-no-novo-codigo-de-processo-civil,37149.html>. Acesso em: 03 set. 2015.

OLIVEIRA FILHO, Sérgio Veríssimo De. Diferenças fundamentais entre o assistente simples e o assistente litisconsorcial no Direito Processual Civil brasileiro. Conteúdo Jurídico, 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4276/diferencas-fundamentais-entre-o-assistente-simples-e-o-assistente-litisconsorcial-no-direito-processual-civil-brasileiro>. Acesso em: 03 set. 2015.


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