A suspensão do processo do Deputado Federal Eduardo Cunha, com base na aplicação, por analogia, do art. 86, § 4º, da CF/88, não é possível segundo o STF

O Deputado Federal, Eduardo Cunha, que foi denunciado pela prática dos crimes de corrupção passiva (CP, art. 317, “caput” e § 1º, c/c art. 327, §§ 1º e 2º) e lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998, art. 1º, V, VI e VII, com redação anterior à Lei 12.683/2012), pediu, através de seus advogados de defesa, suspensão do processo com base na aplicação, por analogia, do § 4º do art. 86, da CF/88, considerando que ele é Presidente da Câmara dos Deputados.

Tal pedido não foi aceito pelo STF. O plenário julgou, nos primeiros dias do mês de março, no sentido de que não é possível aplicar o art. 86, § 4º, da CF/88 para o Presidente da Câmara dos Deputados, pois a garantia prevista neste dispositivo é destinada expressamente ao chefe do Poder Executivo da União (Presidente da República).

Entendeu a corte que por se tratar de um dispositivo de natureza restritiva, não é possível qualquer interpretação que amplie a sua incidência a outras autoridades, notadamente do Poder Legislativo.

Veja o que diz o § 4º do art. 86 da CF/88 sobre o instituto da Irresponsabilidade penal relativa dos Presidentes da República:

Art. 86 (…) § 4º – O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

Segundo a análise do informativo nº 816 do STF, feita pelo Prof. Márcio André Lopes Cavalcante,  referido dispositivo traz duas regras:

Regra 1: o Presidente da República, durante o seu mandato, não pode ser denunciado, processado ou condenado por infrações penais (crimes/contravenções) que não tenham relação com seu cargo, ou seja, com as funções por ele desempenhadas.

Ex1: se o Presidente da República, em um momento de lazer, sair para dar uma volta de moto, atropelar e matar culposamente um pedestre, ele não irá responder por este crime enquanto for Presidente porque o fato é estranho ao exercício de suas funções. Depois que terminar o mandato, o Ministério Público poderá oferecer normalmente denúncia contra ele.

Ex2: imagine que se descobre que, antes de assumir o cargo de Presidente da República, ele praticou, como Ministro de Estado, corrupção passiva. Ao assumir o cargo de Presidente, a apuração ou o processo relacionado com este crime deverá ficar suspenso porque também é estranho ao exercício de suas funções (não tem nada a ver com sua condição de Presidente). Apesar de o texto constitucional não falar isso, a doutrina entende que, enquanto a persecução penal estiver sobrestada aguardando o término do mandato, o prazo prescricional também ficará suspenso.

Regra 2: o Presidente da República poderá ser responsabilizado pela prática de infrações penais, mesmo antes do mandato terminar, se o delito cometido tiver relação com o exercício de suas funções, ou seja, se foi praticado in officio (em ofício) ou propter officium (em razão do ofício).

Ex: se o Presidente, valendo-se de seu cargo, comete corrupção passiva, ele poderá, após autorização da Câmara dos Deputados (art. 51, I, da CF/88), ser denunciado pelo Procurador-Geral da República e responder a processo criminal perante o STF, isso tudo mesmo antes de seu mandato terminar. Essa garantia é chamada de “irresponsabilidade penal relativa do Presidente da República”. Chamo atenção para o fato de que o § 4º do art. 86 não trata sobre “crimes de responsabilidade”, mas sim sobre infrações penais comuns (crimes e contravenções).

É importante ressaltar ainda que Governadores, Prefeitos e o próprio Vice-Presidente da República não gozam da imunidade penal relativa prevista no § 4º do art. 86, da CF/88.

Por se tratar de exceção ao princípio republicano, esta prerrogativa somente pode ser contemplada pela Constituição da República, não podendo ser estendida pelas Constituições estaduais a Governadores e Prefeitos. A nosso ver, o caráter excepcional desta norma impõe uma exegese estrita, o que impede a extensão desta imunidade temporária ao Vice-Presidente. (NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2014, p. 1326).

Desta feita, seguindo a mesma linha de raciocínio, não é possível aplicar o art. 86, § 4º, da CF/88 para o Presidente da Câmara dos Deputados, pois a garantia prevista neste dispositivo é destinada expressamente ao chefe do Poder Executivo da União (Presidente da República), conforme dito anteriormente.

Referências:
http://www2.camara.leg.br/a-camara/presidencia/noticias/eduardo-cunha-contesta-no-stf-suspensao-da-votacao-das-contas-presidenciais/image/image_view_fullscreen
ttp://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo816.htm
http://www.dizerodireito.com.br/2016/03/informativo-esquematizado-816-stf_18.html
http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/02/stf-nega-suspensao-de-processo-contra-cunha-no-conselho-de-etica.html
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1753052-mulher-e-filha-de-cunha-pedem-para-stf-suspender-investigacoes-de-moro-contra-elas.shtml
http://br.blastingnews.com/politica/2016/02/stf-nega-suspensao-do-processo-de-cassacao-de-eduardo-cunha-00793933.html
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