A audiência de custódia no Processo Penal brasileiro

Em fevereiro de 2015, foi lançado, pelo Conselho Nacional de Justiça, o projeto Audiência de Custódia. De um lado, ele angaria o apoio de órgãos como a Defensoria Pública e de organizações da sociedade civil. Em contrapartida, constitui alvo de severas críticas por setores considerados mais atingidos, como os Delegados de Polícia.

Não obstante a introdução da realização das audiências de custódia no Brasil haja ocorrido somente no ano de 2015, já existiam tratados internacionais, dos quais o país é signatário desde o final do século XX, que preveem a sua prática.

Um deles é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. Ela foi incorporada ao ordenamento pátrio pela promulgação do Decreto 678 de 1992, que dispõe, no artigo 7º, item 5:

Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.  Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. (Grifou-se)

Há, ainda, disposição semelhante no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, com a incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto 592, também de 1992. Consoante o art. 9º, item 3: “qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais”. (Grifou-se)

Significa, portanto, que, quando uma pessoa é detida e encaminhada ao cárcere, ela tem o direito de comparecer pessoalmente perante um juiz em um curto espaço de tempo. Esse direito é, inclusive, consagrado no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista o caráter supralegal conferido aos mencionados tratados internacionais incorporados.

Com fundamento nesses tratadas, o CNJ lançou o Projeto Audiência de Custódia inicialmente no Tribunal de Justiça de São Paulo e implantou, em seguida, em outras comarcas do país, visando à implementação e operacionalização dessas audiências, também chamadas de “audiências de apresentação”.

Em dezembro de 2015, o CNJ editou a Resolução 213, que dispõe sobre a apresentação da pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas.

Neste jaez, segundo preleciona Caio Paiva¹:

A audiência de custódia consiste, portanto, na condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial, que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura.

Depreende-se, com isso, a dupla finalidade deste instrumento processual, quais sejam, examinar a integridade física e psíquica do flagranteado e analisar a necessidade de manutenção da sua custódia. É certo, por conseguinte, que essa audiência não irá discutir o mérito do fato, de modo que ao magistrado não cabem decisões como a absolvição sumária do custodiado.

Tanto é assim que, em regra, o juiz presente na audiência não é o juiz natural do fato. A competência será definida pelas leis de organização judiciária locais ou ato normativo do Tribunal que instituir as audiências de apresentação, incluído o juiz plantonista. Tal disposição consta no art. 1º da Resolução mencionada.

Em síntese, após a prisão em flagrante do autuado e a formalização do Auto de Prisão em Flagrante (APF) pela autoridade policial, dentro do prazo de 24 horas da prisão, o indivíduo será apresentado em juízo. Durante a audiência, o juiz irá entrevistar o preso em flagrante, cumprindo os requisitos dispostos no art. 8º da Resolução².

Em seguida, o Ministério Público e a defesa técnica irão se manifestar, requerendo o que lhes parecer mais adequado para o autuado diante dos fatos expostos. Por fim, o magistrado proferirá sua decisão, sendo possível que ele proceda da seguinte forma: ou entenda pela ilegalidade da prisão, realizando o seu relaxamento, ou conceda a liberdade provisória, com ou sem outras medidas cautelares, ou converta a prisão em flagrante em prisão preventiva.

Há quem considere que as audiências “são de suma importância para que o Brasil possa combater a cultura do encarceramento e o abuso policial durante a prisão”, como pondera o ministro Ricardo Lewandowski.

Veja também:

https://direitodiario.com.br/programa-audiencias-de-custodia-conquista-avancos-em-direitos-humanos-e-prestacao-de-justica%e2%80%8f/

A despeito dos avanços que representam a realização destas audiências, ainda existem muitos desafios a serem superados.  O sistema judiciário brasileiro, em sua composição atual e com os recursos e estruturas que o compõe, pode não comportar a implementação dessa medida, haja vista a necessidade, por exemplo, de pessoal para tanto. Não há quantidade suficiente de juízes para a efetivação da grande quantidade de audiências necessárias, ou até mesmo de policiais para realizar o deslocamento dos autuados.

O prazo de 24 horas imposto pela Resolução do CNJ não se apresenta como adequado para essa realidade. A determinação de um prazo tão exíguo não acarretará efeitos práticos se não existir a possibilidade de seu real cumprimento.

Avalia-se como necessário que essas discussões, além de tantas outras, sejam consideradas e debatidas no Congresso Nacional, em razão do Projeto de Lei nº 554/2011. Ele dispõe sobre as audiências de custódia, alterando o art. 306 do Código de Processo Penal. No final de 2016, o projeto foi aprovado pelo Senado. Uma flexibilização foi proporcionada ao texto da norma através de uma emenda apresentada em Plenário: a possibilidade de extensão do prazo em até 72 horas. O projeto seguiu para a análise pela Câmara dos Deputados.

Atualmente, as audiências de custódia, além da Resolução 213 do CNJ, são reguladas por Portarias e Resoluções dos Tribunais de Justiça. Nesta liça, nota-se patente a importância de uma legislação que regularize o procedimento, unificando-o e pondo fim às questões mais controvertidas.

Referências:
[1] Defensor Público federal, especial em Ciências Criminais. Disponível em <http://justificando.cartacapital.com.br/2015/03/03/na-serie-audiencia-de-custodia-conceito-previsao-normativa-e-finalidades/>  Acesso em 11  maio 2017.
[2] Art. 8º Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo: I - esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões a serem analisadas pela autoridade judicial; II - assegurar que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito; III - dar ciência sobre seu direito de permanecer em silêncio; IV - questionar se lhe foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de consultar-se com advogado ou defensor público, o de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus familiares; V - indagar sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão; VI - perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis; VII - verificar se houve a realização de exame de corpo de delito [...].
http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3059
http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/04/05/ja-em-uso-no-pais-audiencias-de-custodia-podem-virar-lei
http://www.conjur.com.br/2016-nov-30/senado-aprova-proposta-torna-obrigatoria-audiencia-custodia
http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia
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