Introdução
O princípio da autonomia da vontade rege o direito contratual. De acordo com este princípio, o estipulado em contrato deve ser adimplido pelas partes envolvidas. O negócio deve possuir objeto lícito, possível, determinado ou determinável; ser celebrado por agente capaz e de forma prescrita ou não defesa em lei, conforme o art. 104, I, II e III, do CC/2002.
A determinação das partes nas cláusulas acordadas devem ser equânimes. Se essas premissas não forem respeitadas, há a possibilidade da anulação do contrato.
O contrato deve se orientar na autonomia da vontade das partes, porém, obedecendo as orientações previstas na lei. Além disso, a determinação das partes deve ser equivalente para que não haja a sobreposição da vontade de uma delas sobre a da outra. Suscita-se aqui o princípio da mínima onerosidade, onde o adimplemento do contrato deve ser possível a ambas as partes.
Neste contexto, o acordo coletivo de trabalho é estipulado pelos sindicatos das categorias profissionais e uma ou mais empresas do segmento daquela categoria econômica. Tais acordos estipulam condições de trabalho aplicáveis no âmbito das empresas ou em virtude das respectivas relações de trabalho, confronte o art. 611, §1º, da CLT.
A autonomia da vontade no âmbito do direito coletivo do trabalho
O RE 590.415 confere particular relevância ao princípio da autonomia da vontade nas relações do direito coletivo do trabalho. O acordo coletivo do trabalho, com a participação de ambas as classes, traz enunciados acordados pelas partes interessadas. Embora possa restringir certos direitos, há o acordo de aumentar outros, em contrapartida. Vejamos:
A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. (sic).
O STF entende que empregados e empregadores podem pactuar da melhor forma as normas que regerão a sua própria vida na relação de emprego. Todavia, deve ser observado a participação das partes no acordo.
As classes devem estar de comum acordo, sem nenhuma prevalecer sobre a outra. Somente assim o princípio da autonomia da vontade pode ser respeitado, e o brocardo latino da pacta sunt servanda aplicado.
O acordo coletivo é, assim, um instrumento válido para reger as relações de trabalho. Já que a animosidade nas relações de emprego pode evitar possíveis litígios futuros, é o acordo coletivo instrumento incentivado.
Deve-se, no ponto, prestigiar o exercício da autonomia coletiva no âmbito do direito do trabalho e fazer valer o acordo coletivo celebrado, de boa-fé, entre as partes, sob pena de se fragilizar a credibilidade desse valioso instrumento de autocomposição e de se estimular a litigiosidade. (sic).
Caso que firma prevalência da autonomia da vontade sobre o legislado
O ministro Teori Zavascki julgou recentemente um Recurso Extraordinário onde firmou a prevalência do acordo coletivo sobre as normas da CLT. Trata-se do RE 895.759.
No caso em questão, uma usina firmou acordo coletivo para suprimir o pagamento das horas in itinere . As horas in itinere são horas extras devidas ao empregado, porém estas não são executadas no local e horário do trabalho. São aquelas horas referentes ao trajeto de ida e volta ao serviço, ou seja, do seu deslocamento.
Em contrapartida, assegurou diversos outros direitos aos funcionários. Entre eles a concessão de cestas básicas na entressafra, seguro de vida e acidentes além do obrigatório, salário família além do limite legal etc.
Em primeira e segunda instância o caso foi julgado improcedente, sendo reformada a decisão pelo TST. O colendo tribunal decidiu que as horas in itinere são indisponíveis, de acordo com o art. 58, §2º, da CLT. A reclamada recorreu ao STF.
Entendimento do STF
Teori Zavascki decidiu que o entendimento da Justiça do Trabalho não está em conformidade com o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Já preconizou anteriormente o STF que a autonomia da vontade deve ser prestigiada.
Se acordado de boa-fé, por ambas as partes, e houve a busca pela preservação dos interesses mútuos, é preferencial que prevaleça o acordo coletivo. O fito é o de evitar a fragilização desse instrumento de autocomposição e a formação de possíveis conflitos.
O acordo coletivo de trabalho questionado na Reclamação Trabalhista não apresentava conflitos tão graves. Restringiu a concessão de horas in itinere, mas ampliou diversos outros direitos. Foi acordado pela classe e ratificado pela empresa.
Não é salutar que o instrumento discutido fosse relativizado sempre que algum indivíduo requisesse as verbas in itinere e os seus reflexos nas verbas rescisórias ao fim do contrato de trabalho. Se a relativização do documento fosse aceita, seria um grave confronto à segurança jurídica. De acordo com Teori:
Ainda que o acordo coletivo de trabalho tenha afastado direito assegurado aos trabalhadores pela CLT, concedeu-lhe outras vantagens com vistas a compensar essa supressão. Ademais, a validade da votação da Assembleia Geral que deliberou pela celebração do acordo coletivo de trabalho não foi rechaçada nesta demanda, razão pela qual se deve presumir legítima a manifestação de vontade proferida pela entidade sindical.
Conclusão
Firmou-se o entendimento de que a autonomia da vontade pode prevalecer sobre o legislado. Deve ser observado a boa-fé das partes no contrato e a equivalência da participação de ambas na formulação do pactuado.
Determinou o ministro que o acordo fosse respeitado. Após o trânsito em julgado, ordenou que se fizesse oficiar a vice-presidência do TST para que as devidas providências fossem tomadas.
Referências :
BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 18.09.2016.
BRASIL. Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em 18.09.2016
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo plano. 2. Validade da quitação ampla. Não incidência, na hipótese, do art. 477, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusivamente. 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. 5. Os planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso. 6. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado. Embargos de Declaração no Recurso Ordinário 590.415 Santa Catarina. Claudia Maira Leite Eberhardt e Banco do Brasil S/A. Relator Ministro Luís Roberto Barroso. Acórdão, 03 de março de 2016. DJE 18/03/2016 - ATA Nº 33/2016. DJE nº 51, divulgado em 17/03/2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI N.º 11.496/2007. HORAS IN ITINERE. SUPRESSÃO. NORMA COLETIVA. INVALIDADE. 1. O princípio do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, consagrado no artigo 7º, XXVI, da Constituição da República, apenas guarda pertinência com aquelas hipóteses em que o conteúdo das normas pactuadas não se revela contrário a preceitos legais de caráter cogente. 2. O pagamento das horas in itinere está assegurado pelo artigo 58, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, norma que se reveste do caráter de ordem pública. Sua supressão, mediante norma coletiva, ainda que mediante a concessão de outras vantagens aos empregados, afronta diretamente a referida disposição de lei, além de atentar contra os preceitos constitucionais assecuratórios de condições mínimas de proteção ao trabalho. Resulta evidente, daí, que tal avença não encontra respaldo no artigo 7º, XXVI, da Constituição da República. Precedentes da SBDI-I. 3. Recurso de embargos conhecido e não provido. Recurso Extraordinário em Reclamação Trabalhista. Usina Central Olho D’água S/A e Moisés Lourenço da Silva. Relator Ministro Teori Zavascki. Dec. Monocrática, 08 de setembro de 2016. DJE nº 195, divulgado em 12/09/2016.
STRENGER, Irineu. Da autonomia da vontade: direito interno e internacional. 2a ed., São Paulo: LTr, 2000.