
Atualmente tem se falado muito sobre a questão dos refugiados e sobre a “crise dos refugiados”. Mas você sabe quem são os refugiados? Qual o seu conceito internacional?
Embora sejam institutos distintos, a concepção de refúgio está intimamente ligada ao conceito de asilo (RODRIGUES, 2007, p. 164), o qual pode significar “amparo”, “proteção”, “lugar inviolável” e possui origens em línguas remotas, como o grego e o latim.
Podemos citar como alguns exemplos de asilo durante a Antiguidade (por volta do século V a.C.) a grande migração de hebreus para o Egito. Neste momento, os hebreus passavam por graves dificuldades em sua terra natal, uma grande seca que não permitia plantações, e foram buscar condições de sobrevivência na próspera nação Africana.
Outro exemplo, que já entraria até na formação da sociedade, seria na Idade Média, quando homens livres trabalhavam nos feudos em troca da proteção que os senhores poderiam lhes oferecer contra os chamados “povos bárbaros”. Conforme a interação entre as nações cresceu, o fluxo de pessoas para se estabelecer em outras nações somente cresceu.
A ideia de refúgio internacional, por outro lado, só começou a ser tratada após a Primeira Guerra Mundial, quando milhares de pessoas ficaram desabrigadas em decorrência da destruição gerada pela mais sangrenta guerra até aquele momento. A então entidade internacional máxima, a Liga das Nações, começou a organizar, junto com alguns países, organismos para lidar com os refugiados da Guerra (RODRIGUES, 2007, p. 165-166).
Entretanto, foi somente após a Segunda Guerra Mundial e o surgimento da Organização das Nações Unidades (ONU), em meados do século XX, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), fortalecendo definitivamente o trato ao refúgio internacional. O comitê teve sua origem a partir da resolução nº 429 de 1950, da Assembleia Geral das Nações Unidas, a qual sentiu a necessidade de criar algo especializado na questão.
Estabelecido em 1951, o ACNUR tem como finalidade dar proteção a nível internacional aos refugiados e de encontrar soluções permanentes para esta problemática. A primeira grande missão do novo comitê foi definir o que seriam refugiados.
Dessa forma, em 1951, surgiu a primeira Convenção Internacional que trata sobre o tema dos Refugiados, caracterizando-os em seu art. 1ª, A, 2 como:
[…] qualquer pessoa que em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.
É preciso destacar que o dito regulamento Internacional apresentava duas limitações: uma temporal e uma geográfica. A primeira deriva de que o texto se refere somente aos acontecimentos “ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951” e a segunda é devido ao fato de que a Convenção se referia somente ao território europeu. Estas deficiências são frutos da mentalidade da época em que a carta normativa fora escrita: o período pós-Segunda Guerra Mundial, que se findou em 1945 e deixou uma grande destruição no continente europeu, o principal afetado (RODRIGUES, 2007, p. 166-167).
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Com o fito de sanar estas falhas, foi aprovado em Nova Iorque um Protocolo (1967) relativo ao Estatuto dos Refugiados, extinguindo as duas limitações supracitadas. Com mais de 140 assinaturas, o Protocolo Adicional entrou em vigor em outubro de 1967 (RODRIGUES, 2007, p. 167). Seu art. 1º, §2 e §3, afirma ao alterar a redação original da Convenção de 1951:
2. Para os fins do presente Protocolo, o termo “refugiado”, salvo no que diz respeito à aplicação do §3 do presente artigo, significa qualquer pessoa que se enquadre na definição dada no artigo primeiro da Convenção, como se as palavras “em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e…” e as palavras “…como consequência de tais acontecimentos” não figurassem do §2 da seção A do artigo primeiro.
3. O presente Protocolo será aplicado pelos Estados Membros sem nenhuma limitação geográfica; entretanto, as declarações já feitas em virtude da alínea “a” do §1 da seção B do artigo1 da Convenção aplicar-se-ão, também, no regime do presente Protocolo, a menos que as obrigações do Estado declarante tenham sido ampliadas de conformidade com o §2 da seção B do artigo 1 da Convenção.
A redação da Convenção de 1951, portanto, passou a ser lida da seguinte forma:
[…] qualquer pessoa que em temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.
Uma vez que a pessoa adquira o status de refugiado pelo novo país, ele passará a receber a proteção humanitária devida no país que conceder o refúgio. Neste diapasão, ela terá direitos de um cidadão normal e os deveres de um estrangeiro, cabendo-lhes a obrigação de cumprir todas as normas nacionais destinadas a manter a segurança e a ordem pública do Estado (MAZZUOLI, 2011, p. 742).
Tem-se, desta maneira, a base jurídica internacional do Direito dos Refugiados que vigora até os dias atuais.
Referências: RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio. Direito Internacional dos Refugiados: uma perspectiva brasileira. II Anuário Brasileiro de Direito Internacional, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p.164-178, dez. 2007. Anual. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 2011. Imagem disponível em: <http://sites.psu.edu/refugee2015/wp-content/uploads/sites/34305/2015/09/1371059561224.cached.jpg>. Acesso em 13/07/2017.